quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O FIM DO MUNDO AO ALCANCE DE TODOS

Roberto Rillo Bíscaro

Crescendo nas décadas de 70 e 80, foi inevitável não escapar da paranóia do holocausto atômico. Afinal, muito dos filmes e músicas do período tematizaram uma possível catástrofe nuclear. Os seguidores mais antigos/assíduos do blog hão de se lembrar das diversas resenhas sobre filmes de monstros dos anos 50, nos quais o deflagrador era quase sempre a radiação. Nos últimos dias, assisti a 2 documentários e a um filme feito pra TV sobre o assunto.
O primeiro documentário foi o norte-americano The Atomic Café (1982), constituído somente por imagens das décadas de 40 e 50, as quais contam a história, dispensando narrador. Os diretores Jayne Loader e Kevin Rafferty cavaram fundo nos arquivos de imagens liberados pelo governo norte-americano para mostrar quão insidiosa foi a propaganda anti-União Soviética e pró-armas nucleares, declarando que eram necessárias e seguras, além de proporcionarem conselhos e normas de segurança em caso de ataque repentino do “inimigo vermelho”. Em vários momentos, os documentaristas utilizaram canções que tinham relação com a energia atômica. O resultado é um filme que causa arrepios e risos amarelos, diante do absurdo de algumas situações.
Um general explica que Hiroshima e Nagasaqui foram escolhidas como alvo do primeiro ataque nuclear apenas porque eram cidades “virgens”, ou seja não haviam sido bombardeadas antes. A idéia foi apenas medir, na prática, os efeitos de destruição material e as consequências físicas na população sobrevivente. Sempre é bom recordar que o Japão já estava derrotado quando da carnificina civil provocada pelo Enola Gay; mas, era conveniente como área de teste.
Além disso, vemos também a explosão de produtos destinados à proteção em caso de guerra nuclear: conjuntos habitacionais munidos de abrigos atômicos e roupas anti-atômicas.
A população era bombardeada com propaganda alertando contra o risco de ataque-surpresa iminente e os estudantes praticavam pífias táticas de auto-proteção. Hoje, rimos meio sem jeito do vídeo da tartaruga Herb, que aconselhava às crianças a se abaixarem e cobrirem (duck and cover!) caso uma explosão acontecesse. Um amigo norte-americano que ia á escola na época, relatou-me o pavor sentido durante esses treinamentos. Anos dourados?...
The Atomic Café pode ser visto no You Tube, num arquivo só. Alerto aos interessados (que devem entender inglês) que não garanto a integridade dos vídeos lincados, uma vez que não assisti no You Tube a nenhum dos filmes mencionados.
The Atomic Cafe termina com alguém dizendo que a população estará seguira, caso determinadas regras de segurança sejam tomadas/seguidas. Nada mais apropriado como contraponto e desmentido foi ter visto em seguida, The War Game, misto de telefilme e documentário que a BBC encomendou ao diretor Peter Watkins, em 1965. O resultado foi tão chocante que a emissora não exibiu a obra até 1985, embora a produção tenha ganhado o Oscar de melhor documentário, em 66.
Filmado em preto e branco, The War Game ficcionaliza de forma documental as consequências dum ataque nuclear à Grã-Bretanha. Entremeando ficção com dados estatísticos e entrevistas, o filme desmonta um por um todas as falácias acerca das chances de sobrevivência pós-holocausto atômico, tomando como base informações coletadas nas cidades japonesas destruídas em 1945 e mesmo das cidades alemãs pesadamente bombardeadas com armamentos convencionais.
A desconstrução das mentiras começa mesmo antes do bombardeio, quando o filme aborda a questão da evacuação das cidades e da instalação de mulheres, velhos e crianças em casas de estranhos. O que fazer com as esposas que se recusassem a abandonar seus maridos, mães a seus filhos e assim por diante? Como contornar as inevitáveis querelas raciais surgidas do convívio forçado entre etnias diferentes, que se detestam em silêncio?
O manual de prevenção e sobrevivência vendido (!) pelo governo recomendava forrar um cômodo da casa com sacos de materiais que impediriam a entrada da radiação. Em horas assim, entravam entrevistas com pessoas declarando que não tinham dinheiro para proteger suas residências. Figurões da igreja admoestavam o público a não darem abrigo a estranhos e a se defender com armas contra quem pedisse guarida. Um show de máscaras caindo...
Filmado em branco e preto, The War Game mostra os efeitos físicos, psicológicos e sociais dum ataque atômico de escala nem tão grande assim. A explosão em si mataria, inflamaria (literalmente) ou cegaria zilhões. Os azarados sobreviventes ficariam com queimaduras de terceiro grau (representadas pela maquiagem perturbadora, mas ainda “leve” pros olhos por ser em branco e preto...) e enfrentariam toda sorte de pestes e problemas psicológicos devido aos horrores presenciados. Quem acha que Michael Moore é contundente, é porque não teve a oportunidade de ver The War Game, que também está no U2B:
Depois de The War Game, fui pra outra produção da BBC, Threads (1984). Só consigo descrever o docudrama assim: imagine um peso-pesado esmurrando uma pessoa em estado avançado de anorexia e você terá uma noção aproximada desse petardo amargo, mas (ultra-)realista. Os badalados congêneres norte-americanos The Day After e Testament (ambos de 1983), muito mais conhecidos, parecem fantasias da Disney, comparados à produção britânica.
Fartamente influenciado por The War Game, Threats narra em tom ora documental, ora ficcional, um ataque nuclear em grande escala à industrial Sheffield. O filme é agônico. Primeiro, existe a tensão de saber quando ocorrerá o ataque. O roteirista não teve pressa: o descaso, seguido do temor, antes do pânico coletivo, deixam o espectador angustiado.
Após o bombardeio maciço, o filme mostra 13 anos de deterioração física, estrutural, social, psicológica, comportamental e até de linguagem – tudo baseado nas informações duma alentada lista de cientistas constantes nos créditos finais – por que passará a espécie humana. Pra que servem abrigos subterrâneos, se as pessoas ficarão soterradas sob toneladas de escombros?
Gritos lancinantes, queimaduras, vômitos, hospitais imundos com sangue e excrementos no chão, onde médicos trabalham sem anestesia ou eletricidade, gente comendo carne crua, infestação de ratos, tudo isso torna Thread difícil, mas importante, de ver.
O roteiro de Barry Hines impiedosamente frustra os que esperam pela redenção e superação do problema. Após o longo e dizimador inverno nuclear, a cena muda pra primeira colheita. Uma voz avisa que devido à destruição da camada de ozônio, os raios ultravioleta atinem a Terra em cheio, destruindo grande parte da plantação. O filme termina com uma criança estuprada dando á luz. Veja no You Tube e me conte se tem algo a ver com algum mito de (re)povoamento...
O filme acaba em silêncio, como os créditos finais, que sobem sem música. Raramente, me senti tão deprimido depois de terminar uma película. Não é exagero: tive pesadelo relacionado com o filme, durante a madrugada. Mesmo assim, recomendo-o com veemência. Não adianta fugir do tema. Dizem por aí que a Guerra Fria acabou, mas ninguém ainda veio me contar que as armas nucelares já não mais existem!

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