quarta-feira, 29 de abril de 2015

CONTANDO A VIDA 108

Preservar a natureza é vital,, mas, como pensar/proceder quando não se tem alternativa a não ser viver disso? Essa e outras questões na linda crônica de nosso cronista-historiador. 


A DAMA DAS BROMÉLIAS 

José Carlos Sebe Bom Meihy

A serra carioca, entre o Rio de Janeiro e Petrópolis, se abre numa sucessão de árvores frondosas, lindas, retalho da vegetação natural. Entre variedades, aqui e ali repontam bromélias. Resistentes, adaptáveis, exóticas, as mudas vendidas explicam a atividade da família “da Silva”. A mãe, o marido e dois filhos sobrevivem dessa prática retirada da fraçãozinha que lhes cabe na mata em volta da casa tosca. Por lógico, isso é proibido e altamente condenável: imagine arrancar bromélias, vendê-las!... Essa, porém não é a preocupação da zelosa dona Maria que bem sabe do veto do IBAMA, mas chega a supor que é pelo risco de vender perigosamente “na beira da estrada”. Mesmo cientes da lei ela se justifica afirmando que as crianças precisam ter uma lida, já que não dá para ir à escola que fica distante como o diabo. A falta de transporte para qualquer lugar obriga a família a se virar por ali mesmo. A atividade familiar se organiza da seguinte forma: o sr. Joãozinho, de 36 anos, cuida do mato, corta árvore, faz carvão, caça, colhe as bromélias – ah! as bromélias da serra. Dona Maria recebe as plantas do marido, seleciona-as e, juntamente com o filho Zé Antonio, prepara os vasos de xaxim comprados baratinhos, baratinhos dos caminhoneiros que fazem aquele circuito. Além disso, o menino de 11 anos cuida com o pai da pequena horta e também transporta o material que a menina, Izildinha vende com a mãe. Os filhos cuidam de tudo direitinho, e, sob o comando dela promovem o sustento familiar. Valente, é dona Maria quem aparece quando surge algum problema como o temível controle florestal. 
Nesses casos, sua estratégia é simples: apela para os melhores sentimentos dos mantenedores da ordem e exibe, quase chorando, seu projeto de vida garantindo que são uns coitados, que morando no fim do mundo não têm outro jeito e garante mais: que sempre fizeram isso desde o tempo do nada. Indo em frente diz que o resultado é uma quirelinha, uma bostinha. Com esse argumento demolidor a senhora da mata prova que a ação familiar não iria, jamais, arrasar a exuberante floresta tropical e que assim, os pais, avós, agiram e que tudo continua do mesmo jeitinho, no mesmo lugar, igualzinho. Talvez, mais forte argumento, fosse mostrar que não seriam aquelas poucas folhagens que iriam justificar o importante trabalho dos guardas, profissionais sérios, que com certeza, teriam muito mais o que controlar. Convencendo de que trabalhavam só com essas parasitas, os “da Silva” provam um contraditório traço histórico, caboclo, que sempre sobreviveu à margem do sistema. Metáfora da bromélia, também parasita da floresta, eles não se mostravam tão ameaçadores. 
  
Ao contrário do que se pode supor, Izilidinha, não é acanhada. Matreira, quando chegam os guardas, faz o irmão sumir, monta cara de desvalida e agarrada à saia da mãe, e lá vão as duas, no encalço dos representantes da ordem. Argumentando em favor da causa parental, ambas permitem dimensionar o significado da imagem feminina frente aos senhores uniformizados, homens imponentes. Mesmo que o quadro seja da mãe/filha pobres, miseráveis, são elas, mulheres na defesa do patrimônio familiar. Izildinha, com graça comovente, oferece aos guardas bonitas bromélias e assim marca uma estratégia sofisticada, sutil, traiçoeira operação comercial. Os guardas, esquecendo os preceitos do IBAMA, primeiro rejeitam, depois... depois supõem outras alegrias femininas em lares enfeitados... Ou será que pensam no Código de Preservação Ambiental?!... 

terça-feira, 28 de abril de 2015

TELINHA QUENTE 161


Roberto Rillo Bíscaro

O sucesso de público e crítica de Além da Imaginação escancarou as portas pra séries de ficção-científica (não que The Twilight Zone tenha sido a primeira) e despertou a cobiça de outras emissoras, ansiosas por emularem o êxito da CBS. Entre 1963 e 1965, a ABC produziu os 49 episódios das 2 temporadas de The Outer Limits, que ao fim da temporada inicial foi deixada à própria sorte e com séria redução orçamentária devido à baixa audiência. Curiosamente, a temporada “abandonada” tem os episódios melhores, alguns mesmo brilhantes.
Dá pra entender porque o público não aderiu maciçamente ao show. A ABC desejava um produto que entregasse aos telespectadores um monstro por semana, a ser derrotado por um mocinho, à moda dos filmes B tão bem sucedidos do cinema. Verdade que monstros e alienígenas não faltam, então é uma festa de máscaras e roupas de borracha. Mas a introdução e discussão de temas (pseudo-) científicos/filosóficos, o ritmo lento e a baixa quantidade de ação devem ter afugentado muita gente.
Todos os episódios têm narração inicial e final com alguma mensagem, que varia desde as pacifistas até uma justificando a guerra/violência. No mundo da Guerra Fria, apelos pacifistas e alertas anticomunistas eram frequentes. Numa das histórias, a Mongólia replicou o presidente norte-americano e planejava substituir outras figuras importantes do governo pra assumirem o controle. Paranoia anticomunista com rancor antioriental.
Intitulada A Quinta Dimensão no Brasil, onde foi exibida pela Globo, The Outer Limits caprichou naqueles efeitos sonoros e musiquinhas que inspirariam eletrônicos como Kraftwerk e toda a geração synthpop.
Não deixei de lado meu esporte de tentar detectar rostos conhecidos, especialmente os presentes em resenhas do blog.
The Man With The Power tem Donald Pleasence, o Dr. Loomis de Hallowen, como pacato professor universitário que implanta um chip (na época não se chamava assim) no cérebro pra controlar coisas, produzir energias, mas isso também potencializa as energias negativas psíquicas. Tudo acaba em lição de moral; o que estraga ou azeda diversos episódios.
The Man Who Was Never Born traz Martin Landau, comandante da Base Lunar Alfa, em Espaço 1999, que vem do futuro devastado e deformado por um vírus. Ele objetiva impedir o nascimento do criador do vírus, mas se apaixona pela futura mãe. Ideia ótima, estragada por roteiro cheio de furos e produção pobre; eles ficavam só no meio do mato!
Vi Mark Richman, o advogado de Blake Carrington e partícipe de Sexta-Feira 13 – Parte VIII, em 2 episódios. Em The Borderland ele é um cientista que quer penetrar na 4ª dimensão (se o título em português for considerado, ele estava regredindo!), mas tem seu experimento financiado por um milionário que quer contatar o filho morto e é dificultado por um casal de médiuns charlatães. Muito blá blá blá. Richman também está no derradeiro episódio, The Probe, no qual humanos servem de experimento pra benignos extraterrestres. Ideia ótima e execução louvável, dados os cortes orçamentários.
Neil Hamilton, o Comissário Gordon, de Batman, aparece como um general em The Invisibles, que tem trama chata inspirada certamente no clássico Invasores de Corpos. Adam West – o próprio Homem-Morcego - é o major duma expedição à Marte (atmosfera igual à da Terra, tá?) pra investigar o desaparecimento de astronautas prévios. O episódio é The Invisible Enemy, que pré-data em décadas a criatividade dos roteiristas da pérola trash Sand Sharks. E ainda tem Ted Knight (o delicioso Ted Baxter, de Mary Tyler Moore) num pequeno papel sem função. Mas tudo vale a pena quando a trama não é pequena; vejam é bem legal!
Robert Duvall aparece em The Chameleon, episódio interessante sobre manipulação genética com mensagem pacifista. Mas Bob Du aparece pouco: na maior parte está transformado em alienígena, daí toca usar máscara. Ele retornou na segunda temporada como um agente governamental no desnecessariamente longo The Inheritors, dividido em 2 partes, onde alienígenas hipnotizam terráqueos pra construírem uma espaçonave e transportarem crianças deficientes pra seu planeta impossibilitado de se reproduzir. Se o poder deles era tão tremendo, porque não vir logo de uma vez com uma nave e levar as crianças?
Mas, The Outer Limits não merece ser vista apenas porque um blogueiro obcecado por atores que quase ninguém lembra destacou episódios. Há ideias e tramas realmente inovadoras, bem boladas e inspiradoras de futuras histórias.
The Zanti Misfits é ótimo com seus insetos alienígenas que parecem formigas com carinhas humanoides, super-filme B! E da época em que A Quinta Dimensão ganhava orçamento decente. O planeta Zanti decide usar a Terra como colônia penal. Incapazes de matar seres de sua espécie, os criminosos foram mandados pra cá, porque sabiam que humanos matam qualquer coisa. Nada lisonjeiro, mas real. Delícia como criaturas que andam devagarinho e podem ser esmagadas com uma pedra no deserto causam tanto alvoroço.
Raro nos 60’s uma personagem negra com profissão “de branco” , uma médica, no episódio The Mice, pena que a trama seja boba. No episódio onde Adam West estrela, há um astronauta negro. Tudo bem que nem fala, mas pra época isso era até ousado.   
Zzzzz tem ideia criativa – uma abelha-rainha transforma-se em linda garota pra tentar seduzir um cientista casado que estudava abelhas – mas a ênfase na sacralidade do matrimônio estraga a história que poderia ter sido tão bem aproveitada! Specimen – Unknown é sobre planta alienígena que ameaça empestear a Terra. Cry of Silence pré-data o terror ecológico setentista com vegetais, batráquios e rochas atacando humanos, mas a base é sci fi. The Special One apresenta extraterrestres tentando domesticar crianças pra auxiliá-los na invasão planejada.
A Feasibility Study começa com clima sobrenatural e gótico: alguns quarteirões são teletransportados prum planeta onde a extrema proximidade com seu sol emperebava os habitantes, que precisavam de escravos pra trabalhos ao ar livre, por isso testam os humanos. Top, embora haja erros graves de continuidade.
Demon With a Glass Hand é genial: usando a imortalidade de Gilgamesh, os roteiristas criaram história de que no futuro a espécie humana foi transformada em impulsos elétricos e armazenada numa espécie de fio e um homem do futuro volta à nossa época como guardião desse objeto. Inteligente, bem atuado, explorando lindamente a fantasmagoria chiarooscura da fotografia, o episódio apenas reafirma minha vontade de garimpar mais séries episódicas sem ter que estar ligado no sucesso do momento.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

CAIXA DE MÚSICA 167

Roberto Rillo Bíscaro

Marina and The Diamonds não é um grupo de eletro-indie rock, mas o pseudônimo que Marina Diamandis escolheu pra causar com seu vozeirão e produção múltipla e exuberante. Tenho seguido seus lançamentos e ficado com canções na cabeça, mas nunca escrevera sobre a galesa.
Em 2010, quase pasmei com a estreia The Family Jewels, uma trezena de melodias marcantes, cheia de boas ideias, interpretadas quase ao exagero, com diversas sonoridades  e ritmos, porque um trabalho colaborativo com mais de um produtor de personalidade forte. Não obstante o inegável jato de criatividade e talento, minha cabeça quarentona não deixava de detectar vibrações muito fortes do espectro da Venerável Kate Bush, Nada de errado com influências – Lady Gaga e Ke$ha também disseram presente – mas preferi me conter pra ouvir os passos futuros de Marina, porque competir com Tia Kate fatalmente resulta em derrota pra desafiadora. Isso posto, The Family Jewels tem delícias que me acompanharão pela vida como The Outsider ou o verso totalmente Kesha ”it’s easy to be sleazy when you got a filthy mind”, de Girls, pra citar apenas 2 canções.

Em 2012, saiu o conceitual Electra Heart, no qual ela criou uma personagem pra falar sobre temas femininos (ou algo assim). Exageradas as reações de amor/ódio por um álbum inferior ao da estreia e que quando optou por soar electro terminou parecendo trabalho de Lady Gaga. Tirando a infecciosa Bubblegum Bitch nada realmente chamou a atenção como no álbum primeiro. Starring Role, Primadonna Girl, Radioactive (parece que consta apenas na edição de luxo norte-americana) e um par de outras são legais, mas tem coisa muito sem graça em Electra Heart. Resultado: deletei mais da metade e fiz minha própria Deluxe Edition da pasta de The Family Jewels.

Nos idos do março mais recente saiu Froot (miguxês pra fruit), em que Marina compôs tudo e dividiu a produção com um cara só, resultando em dúzia de canções mais coesas. As letras amadureceram e têm menos trocadilhos infames, mas também estão mais sombrias: “Underneath it all, we’re just savages/Hidden behind shirts, ties and marrriages”, canta ela na delícia pop Savages.
Ao invés de soar como Y ou Z, Diamandis agora se insere na tradição de cantoras, o que é muito diferente. Difícil não se lembrar de Kate Bush em Better Than That ou de Amy Winehouse, quando solta o ‘motherfucker’ em Can’t Pin Me Down, mas em ambas, a marca Marina and the Diamonds já é mais proeminente. A belíssima Happy ao mesmo tempo em que remete ao estilo de Annie Lennox tem o suficiente de Marina pra lhe garantir Graça e Salvação eternas.
Froot é saltitante electro que viaja até o fim dos anos 70 pro eurodisco continental de artistas como as espanholas do Baccara (Yes Sir, I Can Boogie, de 1977). O peculiar (pra nós, mais acostumados às variantes ianques/britânicas “da rainha”) sotaque galês realça a sensação de estarmos ouvindo uma perua ou traveca gringa cantando em inglês. Dá vontade de dublar.
Com alcance vocal que vai do grave ao agudo dum segundo a outro, Marina não precisa mais exagerar, porque é fruta mais madura; confira a intensa I’m a Ruin.
Froot, o álbum, é fruto duma artista encontrando voz própria. Pode não ser imediatamente viciante como a estreia, mas tem mais personalidade e carece de momentos chatos como o segundo.

domingo, 26 de abril de 2015

quinta-feira, 23 de abril de 2015

TELONA QUENTE 117

Roberto Rillo Bíscaro

Sempre li elogios ao thriller Perseguição – a Estrada da Morte (2001, título original Joy Ride), no qual um caminhoneiro maluco persegue 3 jovens, porque 2 deles fizeram pegadinha de extremo mau gosto com o profissional da estrada.
Road movies de suspense têm tradição ilustre: como esquecer o antológico Duel (1971), do jovem Steven Spielberg?. Em 2004, o francês Alta Tensão misturou slasher com motorista de caminhão e reviravolta espetacular num filme memorável.
Estrada da Morte é competente, sem acrescentar nada ao sub-gênero, o que não é desabono. É pra se divertir e ficar ansioso. O carbonizado Paul Walker protagoniza o filme, que tem personagens, que, se não profundas, pelo menos não caricaturais como tantos no gênero terror.
Dá pra ver completo em português, no You Tube.

Como estava no clima e descobri que Joy Ride gerara 2 continuações lançadas diretamente pro mercado de DVD, conferi Joy Ride 2: Dead Ahead (2008) e Joy Ride 3 (2014). Ambos divertem, mas a qualidade e criatividade rolam ribanceira abaixo.
Influenciados pela bem sucedida franquia Jogos Mortais, as sessões de tortura aumentam progressivamente, resultando, no caso de Joy Ride 2 em pura indecisão sobre qual convenção seguir e no 3 na criação dum serial killer que mais um pouco viraria o novo Jason Voorhees tamanha sua onipresença e indestrutibilidade. O cara escapa ileso e andando duma daquelas máquinas que prensam automóveis! A fórmula permanece: jovens humilham o caminhoneiro e sendo aniquilados por ele. O nível de idiotice dos rapazes e moças é alto e desperta no espectador a incômoda torcida pra que morram mesmo.
Resumo da ópera: se você curte um bom suspense, veja o primeiro até mais confortável porque já dado na boquinha pelo You Tube. As continuações são pra quem não se importa com construção de personagens e se diverte com mortes ao estilo de Jogos Mortais, que particularmente não acho interessantes.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

CONTANDO A VIDA 107

Nosso historiador-cronista especula sobre o papel da sociedade do espetáculo na decisão de suicidar-se espetacularmente do copiloto do avião que caiu nos Alpes mês passado.  

SUICÍDIO PÓS-MODERNO: a morte coletiva como espetáculo

José Carlos Sebe Bom Meihy
Como boa parte do mundo, fiquei comovido com o “desastre” aéreo ocorrido nos Alpes Franceses dia 24 último, exatamente em uma das regiões mais bonitas do mundo. Tudo se agravou pelo caso se dar próximo do momento da aterrisagem. Tratava-se de um voo curto, rotineiro, da Germanwings, uma das companhias mais seguras do circuito de transportes aéreos europeus que deixava Barcelona na Espanha, rumo a Dusseldorf na Alemanha. O Airbus 320 tinha como copiloto o jovem alemão Andreas Lubitz de 28 anos, rapaz descrito pelos amigos e vizinhos como pessoa alegre e gentil. A par da fatalidade que levou a óbito 150 pessoas, o impacto da notícia permite algumas reflexões consequentes, atentas à busca de respostas sempre inócuas porque sem aparentes objetivos. O que teria motivado o copiloto a atitude tão louca? Por que teria levado consigo mais 149 vítimas inocentes? Quais razões teriam impulsionado o moço a agir de maneira tão espetacular?
Todas as especulações são cabíveis em situações como essa e a ausência das constantes cartas de despedidas fermenta mais inquietações. Será que fazia parte do plano deixar um vazio explicativo que atormentasse todo mundo? Por lógico, pensou-se em primeiro lugar tratar-se de um ato terrorista, mas a hipótese logo foi descartada. Ocorreu pensar em mal súbito, mas essa alternativa também foi deixada, dada a comprovação de exames prévios. Como na aparência não afloraram problemas trabalhistas ou de relacionamento afetivo, os enigmas aumentaram dilatando também as indignações. Num jogo de justificativas, por certo logo a questão psíquica repontou e, nesse ponto, a depressão foi apontada com causa possível. O cenário explicativo ficou então mais conturbado, pois não tardou a se apresentar um pequeno exército de estudiosos e pessoas que passaram por questões ligadas a depressão para insistir que não seria plausível explicar o gesto maluco do copiloto por isso. Temerosos que se ampliassem os preconceitos contra pessoas que padecem desse mal, psiquiatras evocaram razões ainda mais complexas ligadas ao inconsciente. O progresso das investigações, assim, acabou por se concentrar em especulações sobre a trajetória do moço. Nesse curso, recuperando a história pessoal, soube-se que vindo de classe média alta, o rapaz teve um relacionamento amoroso que foi terminado por questões de comportamento, mas nada anormal. A ex-namorada fez declarações que, contudo, não foram suficientes para dar respostas minimamente convincentes.

Frente ao vazio explicativo restam algumas possibilidades que conduzem a questões ligadas à modernidade. Tratou-se de um desastre provocado usando um avião. Maquina complexa, produto de junções de vários outros mecanismos engenhosos, o avião navegava no ar, longe do solo. Suspenso, contudo, foi escolhida uma montanha, alta, como alvo. Os passageiros, além de algumas famílias, provavelmente não se conheciam e estavam reunidos por motivos diferentes, circunstanciais, fato que não lhes garante identidade alguma. As torres de controle por sua vez usaram os recursos disponíveis, radares e meios eletrônicos, não apenas para alertar as possíveis consequências das mudanças de rumo, como também dos riscos. Pode-se, pois dizer, que todo aparato da modernidade não só possibilitou a tragédia como serviu de instrumento para tanto. Resta, portanto, a fome do espetáculo. Sim, ciente de que o gesto tresloucado teria sonoridade planetária, Andreas se valeu de outro aparato da modernidade para fomentar sua vontade de aparecer. E conseguiu. Segundo Debord, a sociedade do espetáculo possibilita uma dimensão sinistra dos atos cotidianos. Desconectados do mundo das relações diretas e pessoais, os seres humanos por meio de ações teatrais buscam se religar socialmente. A única lição que podemos aprender neste melancólico episódio é que pela modernidade podemos retomar a necessidade de prestar mais atenção nos semelhantes e relativizar o uso da máquina como meio de comunicação.

terça-feira, 21 de abril de 2015

TELINHA QUENTE 160


Roberto Rillo Bíscaro

Matador é o nome dinamarquês do jogo Banco Imobiliário. A palavra também se refere a empresários. Esses 2 significados explicam boa parte do que acontece nos 24 episódios de Matador, originalmente exibidos na Dinamarca entre 1978/82. Orgulho nacional e detentora do índice de audiência mais elevado do pequeno país, a série chega a ser usada em aulas de História pra ilustrar como era a vida nas décadas de 1930/40. Escandinavófilo de carteirinha, chequei o porquê de tanta devoção. Caiu o queixo, mesmo sabendo que esses vikings são danados. Matador tranquilamente entraria pruma lista dos 100 melhores shows da TV mundial.
Com humor e drama, Matador mostra como funciona a História socioeconômica através duma cidadezinha fictícia onde um forasteiro esnobado decide fixar residência, abrir uma loja e por entender o valor do dinheiro na nova fase do capitalismo iniciada pela crise de 29 (e depois concluída pela Segunda Guerra), que limpa os atrelados à tradição, mas incompetentes na gerência de seus negócios e os preocupados com nome de família. A nova ordem capitalista bonifica quem trabalha duro sem se importar com origens (mas quando se estabelece passa a se importar sim senhor!).
Mads Andersen-Skjern é protestante, não bebe, não pragueja, não fuma, é o sonho weberiano da moral protestante que passa por privações pra prosperar. Ele empresta dinheiro no fundo de sua loja, aproveita-se da ruina dos fazendeiros, tudo sob o pretexto de que trabalha duro e reconhece que tem que fazê-lo porque os herdeiros do banco e da loja de roupa locais – desadaptados aos novos tempos – jamais precisaram ser assertivos ou ousados, porque já ganharam as propriedades, ao passo que Mads tinha que construir suas posses.
Englobando o período de 1929 a 1947, a série também mostra como o capitalismo é maleável o bastante em seus acertos pra que uma nova leva de negociantes e burgueses se junte aos sobreviventes adaptados às condições mutantes do modo de produção, que muda pra permanecer inalterado.
Não desanime ou fuja quem não curte didatismo ou acha que arte não deve se misturar com o “meramente” político. Matador é muito bem roteirizado e planejado, por isso, essas e outras interpretações são obtidas mediante as ações/reações das personagens e não através de discursos ou capítulos-aula.
A série apresenta personagens de distintas classes sociais e seus problemas como preconceito, problemas conjugais, velhos costumes feudais se diluindo, conflito de gerações, escassez de produtos durante a guerra, a Resistência danesa e muito humor dinamarquês.
Realmente nos interessamos e importamos com o amor Romeu e Julieta de Elizabeth Friis, do clã dos tradicionais Varnæs, e Kristen Andersen-Skjern, gerente do banco fundado pelo rival Mads; nos divertimos com os comentários da viúva de Fernando Mohge; torcemos pela e damos boas-vindas à transformação de Vicki; nos comovemos e desejamos pra que Herr Stein não seja capturado pelos malditos antissemitas alemães durante a ocupação e nos emocionamos quando a até então frívola, neurótica e insuportável Maude um dos agentes que pode levar à salvação do contador.
O Tr(i)unfo de Matador reside na credibilidade das personagens; na perícia de manter uma história interessante por 24 capítulos; pelo elenco excelente que, aliado aos componentes técnicos, tornou todas as personagens quase como nossos velhos conhecidos; pela introdução de ideias, comportamentos e conceitos hoje totalmente introjetados quando pensamos em Dinamarca, mas que descobrimos recentes. Maior tolerância ao aborto, emancipação feminina e à homossexualidade são quase clichês quando se fala na pequena península. Matador explora as reações, motivações e posicionamentos sobre esses e outros temas.
Decepcionar-se-á quem achar que por tematizar a ascensão dum empreendedor voraz Matador terá falcatruas a la Revenge ou concentrar-se-á quase todo o tempo em Mads. A arrumadeira Agnes tem sua história tão detalhada quanto Maude, Hans Cristian ou Mads, até porque ela se torna uma espécie de paralelo deste.
Porque nem só de Nordic Noir vive (viva) a Dinamarca!

segunda-feira, 20 de abril de 2015

CAIXA DE MÚSICA 166

Roberto Rillo Bíscaro

E não é que já se passou quase uma geração desde o single de estreia do The Prodigy, em 1991? Charly começou a escalada do trio inglês do underground das raves pro estrelato mundial do elogiado álbum Fat of the Land (‘98). Detonando o bom-mocismo da dance music oitentista, o Prodigy misturou electronica, techno, hip hop, funk, rock, hardcore e junto com compatriotas como o The Chemical Brothers promoveu música dançável mais agressiva e instigante. Arautos alternativos, Liam Howlett, MC Maxim e Keith Flint tiveram impacto tremendo na zona fronteiriça entre underground e música “de massa” e influenciaram diversos sub-gêneros dançáveis como o Big Beat.
Após hiato de 7 anos, os caras de Essex lançaram The Day Is My Enemy no final de março. Fiquei muito curioso pra saber se o The Prodigy ainda tem alguma relevância, afinal, o cenário da música eletrônica atual é bem distinto do mundo pré-Skrillex de 2008. O dubstep reinou no pedaço e me perguntei se ainda haveria espaço pra “sujeira” e raiva, descendentes diretas da música punk, na assepsia bem comportada da geração EDM. Há, porque The Day is My Enemy entrou em primeiro na parada britânica e no Top 5 da parada dance/eletrônica da Billboard.
O álbum começa com The Day is My Enemy. O Prodigy pegou 2 versos duma canção de Cole Porter (superapropriados pra pessoas com albinismo; amei!), cantados numa voz anos 40,50 e bombardeou-a com batucada digital malévola, teclados ameaçadores e toda sorte de efeitos bolados. The Prodigy definitivamente deve ser evitado por quem associa dance music e fofuras saltitantes pra pleiboizinho e guelzinha curtirem na balada de Camaro amarelo.
Nastyen abre com aquela guitarra meio suspensa – marca registrada do Prodigy – pra estourar em percussão jungle e vocal descendido de Johnny Rotten. Pra comprovar suas raízes punk, o álbum tem faixa chamada Destroy, lema dos Pistols em Anarchy in the UK. Mas a pegada aqui é mais Techno mesmo.
Rebel Radio é puro rave music insana infestada de vocais robotizados como os ouvidos nos shows do Kraftwerk (e você achou que não haveria cromossomo K no álbum?!). Ibiza é um bombardeio de sons de vídeo game nos DJs do requisitado paraíso espanhol, faceless, bonitinhos e cheirosinhos demais pro Prodigy. What’s ‘e fuckin’ doin’?. A porrada de Rok-Weiler, antes de ser influenciada pelo dubstep, mostra de onde veio o movimento. Confira a virada da percussão no início. Urgente, nervosa, é The Prodigy no seu mais revoltado e raivoso; ótima.
O defeito de The Day Is My Enemy é sua duração. Difícil manter a inspiração em 14 faixas, então, de Wild Frontier em diante, temos que viver no intercalo de canções boas com outras nem tanto. O resultado é que ao final do “Dia” a sensação é de certo enjoo.
Ainda relevante, o The Prodigy veio com tanta sede ao pote que exagerou no jato d’água disparado. Mas, basta deletar algumas chaticezinhas que dá um excelente disco pra botar as exus pra fora!

domingo, 19 de abril de 2015

ALBINO ROSA-CHOQUE

Raro Golfinho que Fica Cor-de-Rosa Quando Está Bravo Causa Sensação em Aquário

Embora golfinhos sejam geralmente cinzas, essa criatura extremamente rara é albina e não tem coloração - a não ser uma tendência de ficar cor-de-rosa quando fica nervoso. 
Ele vive em um aquário no Japão e acredita-se que seja o segundo animal do tipo em exposição em algum aquário, após ter sido comprado de pescadores. Estar no aquário pode ter sido um favor ao golfinho, presa fácil a outros predadores na natureza. Especialistas dizem que é impressionante ele ter sobrevivido por tanto tempo antes de ser capturado.





http://www.mirror.co.uk/news/weird-news/rare-dolphin-who-turns-pink-5529808

sexta-feira, 17 de abril de 2015

QUEM É HELÔ?

Em "Por que Heloísa?", a autora Cristiana Soares se baseou numa história real para levar o espectador a repensar o conceito de deficiência. O curta-metragem dá continuidade à trajetória de Heloísa, uma menina com paralisia cerebral, a partir do seu primeiro dia de aula em uma escola comum. Mostra também outros aspectos da primeira infância como suas relações familiares. O vídeo apresenta recursos acessíveis para pessoas com deficiências auditiva e visual.

Por que Heloísa? - versão Libras from cristiana soares on Vimeo.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

ALBINA PRESERVADA

Paraíso das águas preserva anta albina em Juquiá

JOSÉ TOMAZELA

Armadilhas fotográficas instaladas no ‘Legado das Águas’, reserva de 31 mil hectares de Mata Atlântica mantida pela Votorantim em Juquiá, no Vale do Ribeira,  flagraram um raríssimo exemplar de anta albina. De acordo com a empresa, é o primeiro registro fotográfico no mundo, em ambiente natural, de uma anta com a pelagem toda branca, contrastando com a cor marrom escura desse mamífero. Já houve registro anterior, mas de uma anta albina criada em cativeiro.
 O achado dá conta do nível de preservação da região que, a partir de 2018, estará fornecendo água para a capital e a Região Metropolitana de São Paulo. A reserva é cortada pelo Rio Juquiá, formador da represa de onde a Sabesp vai captar 4,7 mil litros de água por segundo para reduzir a dependência do Sistema Cantareira. A nova fonte de abastecimento da capital está cercada por mais de 100 mil hectares de mata, um ambiente muito pouco alterado nos últimos 500 anos.
Somada aos vizinhos parques estaduais da Serra do Mar, do Jurupará e Carlos Botelho, a reserva forma um dos maiores corredores contínuos de Mata Atlântica do país. A mata vem sendo preservada desde 1950, quando o empresário Antônio Ermírio de Moraes construiu oito reservatórios para usar o potencial hidrelétrico das bacias dos rios Juquiá e Assungui e gerar energia para sua indústria de alumínio. Para proteger a água, o empresário decidiu preservar a floresta.
Em 2012, a Votorantim e o governo paulista assinaram um protocolo para a criação da Reserva Particular de Desenvolvimento Sustentável ‘Legado das Águas’, que combina a preservação com o uso sustentado dos recursos naturais. O foco inicial passou a ser a pesquisa da biodiversidade do local que já resultou na edição, em 2014, do primeiro guia para identificação das plantas da Mata Atlântica por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Unicamp e Instituto Florestal.
  A anta albina fotografada na reserva é um macho em idade adulta que já tem companheira e está formando família. O gerente de Sustentabilidade da Votorantim, David Canassa, considera quase que um milagre o animal ter sobrevivido até essa idade, já que a cor clara o torna mais visível à noite, quando predadores como a onça saem à caça. Exemplares de onça parda também foram flagrados pelas câmeras na área. Os pesquisadores seguem em busca da onça-pintada, pois já foram encontrados vestígios desse felino – as duas espécies são consideradas vulneráveis na lista oficial da fauna brasileira ameaçada. 
Anta branca na Reserva Votorantim

quarta-feira, 15 de abril de 2015

CONTANDO A VIDA 106

Todo mundo quer ser feliz, a ponto de isso tornar-se obsessão e ostentação nas redes sociais. Mas, como ser feliz? Aliás, é possível sê-lo?
Nosso historiador-cronista pondera a respeito

FELICIDADE PROGRAMADA: dilemas culturais

José Carlos Sebe Bom Meihy
A busca obstinada da felicidade é uma das características mais salientes do mundo moderno. Basta olhar para o lado e ver como muita gente insiste em ostentar alegria, satisfação, tudo como sinônimo de triunfos pessoais. Chega-se, com certo realismo atrevido, a dizer que a ostentação de vitórias e bem estar esbarra na esquizofrenia exibicionista. Não basta ser feliz discretamente, faz-se preciso alaridos como se a felicidade só fosse completa se divulgada, aplaudida e celebrada. Uma rápida corrida pelas redes sociais indica que a busca de realização pessoal e de lugar público explica cultos a beleza, ao corpo perfeito, à eterna juventude, tudo como sinônimo de felicidade explícita. E então vale tudo: aparência, gastos exagerados, festas. Diria que em meio ao culto da satisfação, desenvolvi duas hipóteses explicativas. Uma de efeito histórico, outra cultural.
No primeiro caso, visito as profundezas do passado, e sou levado à organização do pensamento ocidental para ver mais do que a transparência das águas imediatas. E aí deparo com casos estranhos em que a felicidade passou a ser legislada. Muitos estranham o fato dela ser item constante de algumas Constituições Nacionais, algo próximo de um mandamento regulamentado como direito inerente a todo cidadão. Seria como se as pessoas tivessem obrigação legal de serem felizes. Países como os Estados Unidos tratam desta questão de maneira protocolar, como certeza de que a boa relação com a vida decorre em primeiro lugar da condição possibilitada pelo estado/governo que se vê como metáfora do corpo nacional. Nessa situação, a felicidade dos indivíduos equivaleria a saúde coletiva. Ainda que para pessoas despreparadas para leitura desse aspecto isso pareça bizarro, há fundamentos filosóficos evoluídos de princípios aristotélicos, subsídios garantidores da responsabilidade do sistema aberto a possibilitar situações mínimas de conforto social. Fala-se, pois nesse caso, de dois níveis, um legal e de direito, outro de adesão pessoal subjetivo. Os indivíduos, cumpridos o papel do Estado, apenas teriam que ratificar a condição de plenitude. A liberdade pessoal também pode ser garantida, e caso opte-se pela negação, a não ratificação individual abala todo sistema. Talvez aí resida o ponto marcante das diferenças entre esse e outros sistemas.
Em termos jurídicos, o direito anglo-saxão alia, em primeiro lugar, a felicidade às melhores condições de vida material, e então, garante-se a responsabilidade primeira dos governos, e assim restaria aos indivíduos os cuidados com a própria vida como complemento. É como se o Estado financiasse a fortuna moral dos cidadãos, e a eles no máximo, caberia aceitar o penhor estatal. A responsabilidade existencial, das pessoas, se vincularia em continuidade às soluções de cada qual frente ao sistema. A tradição cristã/católica, de modo diverso, permitiu filtrar outra orientação, ligando felicidade à condição de espírito subjetivo, individual, suscetível às variações independentes de responsabilidade estatal. A felicidade no caso da cultura católica, por exemplo, estaria ligada a valores éticos e até seria recomendável a infelicidade, pois a vida terrena equivaleria a um “vale de lágrimas”. Por lógico, adaptações culturais ocorreram e poucos ainda professam a dor como modo de vida ideal. Queremos ser felizes. Queremos, mas como?
Uma segunda situação clama cuidados e se transparece em algumas das marcas mais evidentes da produção cultural da sociedade de massas, a publicação de livros de autoajuda. Basta um giro rápido por qualquer livraria para ver como existem coleções de ensinamentos orientando-nos como agir. O sucesso parece decorrer de lições e ao que indicam tais preceitos, bastaria ler regras e seguir exemplos para se atingir o progresso sempre desejado. A relação de lições de como atingir a felicidade com a determinante mania de perseguir a plenitude tem levado a dilemas fundamentais da existência contemporânea. Juntando os pontos, pergunta-se, afinal, de quem depende nossa felicidade? Deveríamos ser felizes por lei? Poderíamos conseguir a felicidade por meio de lições? Depois de alguma meditação concluo que ser feliz nada mais é do que procurar a felicidade em si, nas profundezas pessoais. Concluo também que isso exige dose de infelicidade e é aí que reside a resistência e então, aceitamos leis ou lições que não levam a nada.        

terça-feira, 14 de abril de 2015

TELINHA QUENTE 159


Roberto Rillo Bíscaro

O Imperador Claudio é importante na história britânica, porque durante seu mandato a conquista romana das ilhas efetivamente começou, no ano 43 da era cristã. Com várias limitações físicas e membro duma dinastia que contou com perversos e pirados do calibre de Calígula, Nero e Messalina, a vida e o tempo de Claudio são prato repleto pruma boa série infestada de traição, intriga, astúcia e superação. Tudo isso deve ter contado pra que a BBC adaptasse os romances de Robert Graves, em 1976. Eu, Claudio teve uma dúzia de capítulos e foi sucesso total de público e crítica.
Sob o ponto de vista de Claudio, a minissérie perpassa décadas, desde sua infância sob o reinado de Augusto, até sua morte por envenenamento como imperador. A dinastia iniciada por Júlio Cesar pode ser considerada como modelo irretocável de disfuncionalidade familiar. Ambição ou loucura pura e simples garantem um show repleto de incestos, envenenamentos e devassidão. O quanto disso é historicamente acurado não sei, mas garante diversão pra apreciadores de folhetim escandaloso. Pra parte do público contemporâneo, I, Claudius parecerá datada, porque é fortemente baseada em diálogos e narrativas mais do que na demonstração das atrocidades. Afinal, 1976 era outro planeta se comparado com a explicitude das telinhas e telonas atuais.
Manco, gago e cheio de tiques nervosos, Claudio sobreviveu naquele ninho de víboras, porque não era considerado ameaça devido a suas limitações, até porque ele de bobo não tinha nada e exagerava seus “defeitos”, até que, por falta de membros masculinos na família real, a Guarda Pretoriana proclama-o imperador. Sob esse aspecto Eu, Claudio satisfaz a ânsia do século XXI por histórias de superação, onde a sobrevivência do mais forte se dá não por aptidão física, mas por astúcia e diplomacia.
Exagera-se na benevolência do Imperador, mas se os roteiristas d’O Discurso do Rei passaram por cima das tendências antissemitas de George VI pra transformá-lo em exemplo de superação, por que não perdoar a excessiva bondade do Claudio televisivo? De qualquer modo, a personagem foi um presente prum ator como Derek Jacobi (de Titanic: Blood and Steel e Vicious, resenhados no blog), que certamente terá o papel mencionado nas notas fúnebres jornalísticas.

Não assisti via Youtube, por isso não asseguro que a dúzia de capítulos esteja lá, mas eis o link pro primeiro, legendado. 

segunda-feira, 13 de abril de 2015

TEATRO ALBINO DA ÁFRICA

Se você estiver por Lisboa no próximo dia 18, poderá ver uma peça sobre um albino, veja o que achei num jornal português:
O Teatro GRIOT regressa ao palco com a peça “As Confissões Verdadeiras de um Terrorista Albino”, desta vez em Sesimbra, no Teatro João Mota, dia 18 de Abril pelas 21h30.
O espectáculo estreou em Setembro de 2014, no âmbito do programa Próximo Futuro, da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo contado com a presença do autor – o poeta, pintor, escritor, professor e activista sul-africano Breyten Breytenbach (n.1936, Bonnievale). No livro da prisão, “my prison book”, como o próprio lhe chama, Breytenbach escreve sobre as suas memórias do cárcere, após ter sido condenado em 1975 a 9 anos de prisão por participação em actividades terroristas. Trata-se da excruciante narrativa da sua viagem através da máquina infernal do sistema prisional sul-africano, uma reflexão do prisioneiro isolado de todas as suas ligações com o mundo, que acaba por duvidar da realidade daquilo que vive.
O Teatro GRIOT é uma companhia que se dedica à exploração de temas relevantes para a construção de uma identidade afro-portuguesa contemporânea. Tem vindo a afirmar-se como uma frente artística que desenvolve uma linha conceptual, estética e dramatúrgica no campo da cultura afro-portuguesa contemporânea e da sua multiplicidade.
Quando: 18 de Abril, 21h30
Onde: Cineteatro João Mota –  R. João da Luz n° 5, Sesimbra
Bilhete: 5 €*
*Estudantes até 25 anos e seniores (com mais de 65 anos): 30% de desconto
*Crianças até 12 anos: 50% de desconto
Reservas/informações: 21 223 40 34 / cineteatro@cm-sesimbra.pt

CAIXA DE MÚSICA 165

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Roberto Rillo Bíscaro

O Ultravox me passou despercebido durante seu auge oitentista. Lia o nome na Revista Bizz, mas não tocava nas FMs do noroeste paulista e quando ouvia as rádios de Sampa nunca calhou de escutar. Vienna, álbum de 1980, foi lançado aqui em 82 e desconheço se outros trabalhos repercutiram no patropi. Ouvi a discografia somente graças à acessibilidade da internet e entendi porque entre 80-6 cravaram 7 álbuns na lista dos 10 mais na sua nativa Inglaterra.
Influenciados por krautrock, Roxy Music, Bowie, a banda teve seus anos experimentais coroados por Systems of Romance (1979), que abandonou a fúria punk pra desenhar a planta do castelo New Romantic. O sucesso comercial veio quando John Foxx partiu pruma carreira-solo respeitada e em seu lugar entrou o vocalista e guitarrista Midge Ure. O single Vienna decolou e virou clássico. Chapei quando escutei pela primeira vez, décadas após o lançamento. Kraftwerk com pop, muito drama e pose numa canção que tem longo instrumental, muda de tempo e logrou vender muito.
Ure colocou o Ultravox na seara comercial e, como ocorrido com The Human League e o Orchestral Manoeuvres in the Dark, a banda definiu a sonoridade synthpop da primeira metade dos 80s. À gelidez dos teclados, somaram vocais inflamados e riffs de guitarra contagiantes. Tinham a mesma propensão do U2 de compor hinos (uma de minhas favoritas chama-se justamente Hymn). Carreiras-solo, egos e o declínio do synth pop importaram pra dissolução em 86.
No Youtube dá pra ouvir uma coletânea da fase áurea (nada dos 3 primeiros discos), que recomendo com paixão. Prepare-se pra ter vontade de subir num monte de oliveiras e entoar as canções de braços abertos!
Nos anos 90, sem Midge Ure lançaram álbum que ninguém ouviu. Silêncio até 2009, quando a formação comercialmente clássica Warren Cann (percussão), Chris Cross (baixo), Billy Currie (teclado/violino) e Ure reuniu-se pruma turnê. Em maio de 2012, saiu Brilliant, álbum de estúdio com inéditas. Minha sina com o Ultravox é ouvi-los muito depois! Antes por escassez de oportunidades, agora por excesso de possibilidades. Artistas e álbuns demais pra checar/escutar, demorei pra chegar a Brilliant.
Seguindo os passos do último Duran Duran, o trabalho soa como se composto em 1983/4 e traz todas as características do Ultravox sem adicionar novidade.
A dúzia de canções traz as usuais faixas rápidas e energéticas aspirantes a hinos, como Live, Brilliant, Hello e Lie, que a turma de Ure faz de ouvidos fechados, porque têm a mesma estrutura e os cacoetes de piano elétrico, vocais sentidos etc.
Kraftwerk ainda é Bíblia: Rise tem teclados da fase Computer World (1981) e Change, de The Man Machine (1978). A primeira encaixa-se na categoria das aspirantes a hino, enquanto a segunda engrossa o problema de Brilliant: baladas entediantes como Remembering, One e Fall.
Pra atingir o tesouro de Briliant há que atravessar toda a chatice dessas baladas. Fosse o caso de o Ultravox ainda ter ouvintes casuais, sairia perdendo por localizar Satellite como penúltima da coleção. Épica, com solaço de violino e Midge Ure dramatizando o refrão; oh oh oh oh, I defy you/let your light shiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiine on me tonight/do, do what you know/know to be right/wondrous satelliiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiite. Pra pôr no repeat e ouvir até calejar os tímpanos. Nos 80’s a faixa entraria na parada, teria versão extended e depois seria incluída no Greatest Hits.
Brilliant é metade enfadonho e na outra metade satisfaz, culminando na perfeição de Satellite. Conselho: delete as tentativas de refazer Vienna, preserve a meia-dúzia de delícias synth pop e (re)viva os anos 1980.