terça-feira, 31 de agosto de 2021

TELINHA QUENTE 461

PRIMEIRA TEMPORADA DE A SAÍDA - NETFLIX
Uma jovem que perde a memória em um trágico acidente é enviada a uma clínica para pacientes com amnésia. Mas há algo de errado com o tratamento.

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

CAIXA DE MÚSICA 468


Roberto Rillo Bíscaro

Na ativa desde os anos 1960 e com enorme sucesso radiofônico nos anos 70 e 80, o Kool and the Gang está de volta com um álbum maduro e ainda contagiantemente dançante.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

PAPIRO VIRTUAL 190

 

Gonçalves Dias (1823-1864) foi um poeta, professor, jornalista e teatrólogo brasileiro. É lembrado como o grande poeta indianista da Primeira Geração Romântica. Deu romantismo ao tema índio e uma feição nacional à sua literatura.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

TELONA QUENTE 372

O ano é 2022 e a pandemia do coronavírus criou um caos em massa, que transformou os Estados Unidos em um estado policial. Para escapar da realidade, um grupo de amigos combina uma festa online: uma noite de música, bebedeira, jogos e drogas. Depois que tomam coletivamente algo que acreditam ser ecstasy, as coisas começam a dar terrivelmente errado.

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

CONTANDO A VIDA 354

O AMOR E OS ARROMÂNTICOS

José Carlos Sebe Bom Meihy

“O amor está no ar”. No ar, cantado, escrito, expresso em conversas, rezas, na imaginação de todo mundo. E haja filmes, álbuns musicais, peças de teatro, óperas, novelas... Até parece decretado que nascemos unicamente para o amor e que, sem ele, não há motivo para seguir em frente. Assim, tudo converge para a certeza de que o amor se tornou natural a ponto de legitimar uma tradição inventada que funde amar com o existir. Lulu Santos, aliás, sintetizou aberturas dizendo que é “justa toda fora de amor” e Milton Nascimento completou garantindo que “Qualquer maneira de amor vale amar”. Inescapável, né? Temos que amar o próximo, a família, a pessoa certa, a natureza, as pedras, nossa casa, os bichos, as flores...

Manuel Bandeira, no começo do século XX, traduziu um soneto da poetisa britânica Elizabeth Barret Browning, que em 1844, cunhou mensagem definidora do sentimento, ao pedir ao amado que a amasse “pelo amor somente” e não pelo que ela seria ou poderia ser (“Ama-me pelo por amor do amor, e assim me hás de querer por toda a eternidade). O fundamental é estar amando, e se amando estivermos o objeto do amor é secundário. Esta, aliás, é a base do amor romântico, nascido no século XII no trágico romance “Tristão e Isolda”. Essa trama, aliás, se formulou como base para todo grande amor “que só é bem grande se for triste”, como queria Vinícius de Morais que, não satisfeito, completava “por isso, meu amor, não tenha medo de sofrer”. Pronto, sintetizada a fórmula: não há vida sem amor, não há amor sem sofrimento; vivemos para a amar, amamos para sofrer.

Não só de arte e cultura popular dissemina-se o culto ao amor, emblemado por Leonardo Souza ao dizer “o rei dos sentimentos chamado Amor, faz escravos a cada minuto. Quem ousar desobedecer às suas leis será punido por um juiz chamado solidão”. Enfim, é amar, amar ou morrer triste sem ele. E tudo se integra no que os franceses extremaram como de amour raison d’être.

Lá atrás, no amanhecer da racionalização, os gregos propuseram sementes que germinaram interpretações sobre o amor. Em particular no ocidente, algumas fórmulas foram assumidas como pressupostos religiosos e em particular a cultura judaico-cristã fez viver o ideal “Ágape”, do amor universal irrestrito. “Deus é amor” está nos Evangelhos. O “amai-vos uns aos outros” virou uma espécie de pressuposto vivencial, passagem para ganhar o céu. Antes os clássicos gregos colocaram premissas fundamentais para a definição do perturbador sentimento. Na mesa, as teorias de Platão e Aristóteles. O maior destaque deve ser reconhecido na proposta de Platão que identificou o “Amor Eros”. Reconhecendo o peso das paixões, do erotismo e da beleza humana, cabia reconhecer os impulsos e os desejos na busca de experiências amorosas. Em contraste a esse sentimento avassalador, outra sugestão amorosa decorria do “amor platônico” aquele dirigido a sociedade, sem dependências sentimentais pessoalizadas. Na mesma linha do amor humanitário, Aristóteles se destacou com a definição de amor “Philia”, associado a alegria social e a harmonia duradora entre humanos e a natureza.

O alargamento das conquistas e a sequente ordem social universalizante, contudo, demandaram organização para as manifestações amorosas e a instituição do casamente funcionou como divisor entre o idealizado para casais e o amor social. Um resumo da história do amor pode ser lido num clássico e polêmico livro escrito pelo suiço Denis Rugemont “História do amor no ocidente”.

O arco percorrido pela tradição amorosa é longo e intrincado, mas chegou aos nossos dias propondo uma questão inescapável: podemos viver sem manifestações amorosas explícitas. O tema, sinceramente, destitui a fatalidade do sentimento como se fosse eterno, inerente à vida. E há grupos que, em diversas linhas, começam propor situações diferentes. Bauman no comentado “Amor Líquido”, insistia na transitoriedade dos sentimentos no mundo pós-moderno. Vários autores têm tocado no tema do poliamor, da poligamia amorosa, das variações afetivas combinadas e transitórias. Bem complexo o assunto, sabe-se. Nesse emaranhado, chama atenção uma nova corrente que não deixa de lado certa logica: a “desrromantização” dos afetos. Os chamados “arromânticos” não desdenham o amor, mas não o entendem como obrigação vital, ou inscrito na eternidade dos tempos. Pode-se viver sem amor, e sem necessidade de declarações públicas disso. A questão que salta leva a suposição dessa forma de vida. Afinal, podemos viver bem sem amar o amor romântico? É possível ser arromântico?

terça-feira, 24 de agosto de 2021

TELINHA QUENTE 460

 


Sombras da Guerra (Netflix)

Na Berlim de 1946, um policial americano procura por seu irmão desaparecido enquanto ajuda uma policial alemã novata a combater os crimes que estão assolando a cidade.


segunda-feira, 23 de agosto de 2021

CAIXA DE MÚSICA 467

 

Roberto Rillo Bíuscaro

Kim Jung Mi foi expoente da rica cena folk psicodélica da Coreia do Sul. Com o produtor Shin Joong Hyun lançou o emocionante Now, em 1973. Mas, a Coreia do Sul vivia sob feroz ditadura...Conheça um álbum lindo e uma triste história de carreira destroçada pela repressão.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

PAPIRO VIRTUAL 189

 

O Uraguai, poema épico escrito por Basílio da Gama em 1769, conta de forma romanceada a história da disputa entre jesuítas, índios e europeus nos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul.

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

TELONA QUENTE 371

 


Uma viagem a uma ilha paradisíaca se torna um pesadelo quando um grupo acaba preso em um bote em mar aberto. Enquanto lutam para chegar à praia, enfrentam um incansável tubarão-branco logo abaixo da superfície.



quarta-feira, 18 de agosto de 2021

CONTANDO A VIDA 353

VACINA CONTRA SOLUÇOS.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Tão lindo o amanhecer hoje! Fim de madrugada, sentei-me no terraço, café quente e forte, torrada com coalhada fresca, friozinho gostoso. O mar em minha frente foi se azulando claro e calmo, e me permiti evocar devaneios: supus dar folga à tal realidade, e me dispus troçar a política corrente no país, reduzir a pó o elenco de personagens macabros que nos assombram. A magia da nascente induzia curtir o amanhecer carioca. Sutil e etéreo instante aquele. Recém-acordado, aspirei a beleza pensando que, afinal, mesmo depois da luminosidade definida, alimentado por beleza, haveria de deglutir melhor os sapos nossos de cada dia.

Por mais inspirador que fosse o cenário, contudo, não me esquecia dos soluços presidenciais que, aliás, se intensificavam na medida em que o escuro se perdia. Soluço, sinistra trilha sonora. E, tomando consciência da conversão da noite em claridade, não havia como escapar da fatalidade daquela glote presidencial. E o mandatário batia na memória com aquela presença desagradável, autoritária, exalando atitudes anticonstitucionais, machismos dimensionados em muitos atropelos verborrágicos. “Mas pra que tanto céu, pra que tanto mar, pra quê” me perguntava.

Flanando em restos de devaneios, pensei no soluço como metáfora, algo à Susan Sontag. E, perfilando fatos, entendia os solavancos expressos em lives, cercadinhos, robôs. Os solavancos soluçados me avassalavam mostrando, um depois do outro, o significado de ataques ao voto impresso; dizeres mordazes sobre o STF; ofensivas proferidas contra o ministro Barroso (imbecil e idiota); ameaça de suspensão da eleição de 2022; impropérios dirigidos à CPI; agressões estúpidas contra repórteres mulheres; o lamentável show de motociclistas em contraste com a falta de sensibilidade para com familiares os mortos da pandemia (“eu não sou coveiro”); o uso político de orientações religiosas; os ataque homofóbicos... Credo... Soluços e mais soluços.

Sabe, até o presente não havia notado que o soluço pudesse ser expressão política. A mera constatação disso fez sugerir uma teoria meio louca sobre o tema, e assumi ares de doutor conjecturando explicações que justificariam, por exemplo, o palavreado chulo do mandatário, suas repetidas evocações escatológicas. Ia fundamentando minha hipótese até que cheguei na relação fisiológica do soluço com o intestino. Entendi, finalmente, o teor do “c*g**” publicamente pronunciado.

No vai vem de argumentos, imaginem, me veio à cabeça a conhecida receita familiar “soluço? Dê um susto bem grande que passa rapidinho”. Pensei no impeachment, juro. Logo, porém, supus que com o centrão pode não acontecer. Como a realidade fugida do escuro o dia foi sugerindo outras evasivas e lembrei-me da recomendação da sabedoria popular: tomar água, levantar as duas mãos, mas como? Como, se não temos água sequer para apagar os incêndios florestais e se alguém levantar as mãos podemos ser baleados por milicianos munidos até os dentes. Mudei de sintonia e lembrei-me de sambinha muito antigo cantado por Ângela Maria “eu fiquei com soluço/ De um tutu que comi no jantar/ Já bebi água, já bebi chopp/ E o soluço não quer passar”. Uma coisa puxa a outra e notei tantos soluços na nossa MPB: Chico Buarque, Aldir Blanc, Taiguara. Devo dizer que de tantas canções optei por Dolores Duran que “na noite escura”, solitária, revelava avisou “solucei baixinho”... Mas esses eram outros soluços, culturais e a cultura... a cultura está com cortes dramáticos.

O dia já havia se feito quando me ocorreu algo espetacular: e se inventassem uma vacina contra o soluço?! Saudei a ciência e louvei o conhecimento que afinal se provou excelente propondo, rápido, antídoto tão competente e de efeito instantâneo. Sim, o conhecimento preside apesar dos ataques presidenciais à educação. E imaginei logo um prêmio especial para uma descoberta que poderia curar o presidente e, quem sabe, interromper a série de soluçadas políticas. Enfim, ia dando corda às saídas quando tive que me lembrar que o presidente é negacionista contumaz: ele seria o último a tomar a vacina. Rasgada a fantasia da esperança me resignei: não tem cura.

O dia iluminado se fez, o tempo da ilusão se foi. Soube que o presidente melhorou. Melhorou?...

terça-feira, 17 de agosto de 2021

TELINHA QUENTE 459

 

Um homem em busca da verdade por trás da morte da esposa se envolve em uma perigosa teia de segredos e intrigas que se estende de Nova Iorque a Tel Aviv.

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

CAIXA DE MÚSICA 466

 

Roberto Rillo Bíscaro

Em seu décimo-terceiro trabalho, a banda inglesa Big Big Train vem diminuída, mas o escopo de seu som aumenta, assumindo tons de prog contemporâneo, pop e até certo peso nas guitarras.

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

PAPIRO VIRTUAL 188 (ALBINO)

 


O Blog tem a satisfação de apresentar um conto da jovem escritora Mich Graf, que une duas coisas que este editor ama: terror e gatos. Além disso, a protagonista é uma menina com albinismo.  

Mich Graf nasceu em São Paulo, capital, em 1995. Escreve desde os quinze anos de idade, tendo começado com alguns contos de terror rascunhados durante o ensino fundamental - nos intervalos das aulas e nas idas constantes à biblioteca, quando fugia dos infindáveis números das matérias de Exatas para encontrar sua mais intensa paixão: livros.

Maçãs Rubras foi seu primeiro conto publicado, na antologia Eles Existem, pela Dark Books, seguido por Shivah na antologia Enquanto Você Dorme, publicada pela Editora Ruppell.

Seu primeiro livro solo foi O Roseiral, disponível em E-book na Amazon Kindle e em formato físico na Loja Uiclap.





A Casa dos Gatos

Mich Graf

Apesar de muito conhecida naquele bairro, a Casa dos Gatos era evitada a todo custo. O casarão da década de trinta fora habitado poucas vezes, tornando-se efetivamente abandonado vinte anos após sua construção. Alguns diziam que era o terreno – amaldiçoado, causava loucura, causava visões aterradoras dentro da casa, causava horror à simples visão do lugar –, outros diziam ser culpa de moradores membros de alguma seita obscura, mas nada se provava concreto. A Casa dos Gatos permanecia silenciosa, cercada de mato alto que cobria algumas estátuas antiquadas, centralizada no terreno perfeitamente quadrado, encarando a rua simples pelas janelas cerradas e quebradiças.

Laurel mudara-se para a rua naquela semana. Ouviu falar da Casa dos Gatos ainda eu seu primeiro dia de aula no ensino médio, pescando a conversa enquanto os alunos esperavam pelo primeiro professor daquele dia. Alguns alunos, para o seu desespero, fingiam falar só entre eles – conversando alto de proposito para que Laurel escutasse – sobre desafiá-la a entrar na Casa dos Gatos e permanecer uma noite inteira lá. Laurel odiava os “ritos de passagem” que veteranos obrigavam novatos a realizar, e pensava seriamente em terminar o primeiro ano do ensino médio só no próximo ano, a fim de fugir daquele rito idiota.

A escola nova a deixava tensa, quase todos estudavam ali desde o jardim de infância, conheciam-se desde sempre, e Laurel sentia-se uma estranha no ninho. Todos pareciam um perigo em potencial e nem mesmo os professores a deixavam a vontade, evitando olhar demais para a garota albina de corpo cheio. Laurel se escondia na nuvem de cabelos crespos quase sem cor, mantendo a cabeça baixa e os ouvidos atentos, tentando captar mais do plano de levá-la para a tal casa.

— Não acha pesado deixar a novata na casa a noite inteira? — Indagou uma voz feminina aguda.

— E por que, Malu? — A voz da vez era masculina, repleta de cinismo.

— Porque nunca fizemos isso com ninguém. Por que com ela?

— Porque ela é nova aqui, ora essa. Não é óbvio?

— Ah, qual é, Malu. É só uma zoeira com a garota-palmito.

— Tá bom, tá bom. — Malu cedeu.

Garota-palmito fora novo para Laurel. Ela sentia o vazio crescer dentro de si, tomando tudo dentro de sua caixa torácica. A sensação de ouvir planejarem humilhá-la, de ouvir apelidarem-na de modo ridículo era como uma crise de ansiedade chegando, conferia à Laurel o sentimento de urgência, de medo, de raiva, de choro. Laurel rabiscava a margem da folha em branco de seu caderno novo, desenhando a esmo, tentando não ouvir os alunos chegando perto de si, tentando bloquear a sensação de presença quando pessoas estavam por perto. Ela queria que o chão se abrisse a engolisse, livrando-a da Casa dos Gatos.

— Oi, Laura, né? — Disse a voz de Malu.

Laurel não levantou a cabeça, com receio de Malu, desesperada para que o professor adentrasse a sala antes de ela ter que responder.

— Laurel, na verdade. — Murmurou Laurel.

— Ah, entendi. Então, meus amigos e eu vamos num lugar bem legal, de noite, uma casa aqui perto que tem uns gatos...

— É que não posso sair sem avisar meus pais.

— Manda uma mensagem pra eles.

— Não tenho celular.

Laurel esperava que ninguém a tivesse visto com seu celular no início da aula. Ou talvez quisesse que tivessem visto, assim entenderiam que ela não queria participar do que Malu estava prestes a propor.

Ouvindo suas preces, o professor da primeira aula do dia entrou na sala pedindo imediatamente que todos se sentassem. Laurel suspirou aliviada.

Esperava de coração que os planos dos alunos veteranos morressem antes que pudessem concretizá-lo.

...

Decidida a antecipar a situação, Laurel foi até a tal Casa dos Gatos antes que anoitecesse. A casa de três andares possuía uma arquitetura antiquadíssima, mas bela, era um pouco estreita, não muito, os jardins teriam sido incrivelmente bonitos quando cuidados, a julgar pelas estátuas e pela fonte em um dos lados da casa, rachada, cheia até a metade com água da chuva. Os portões duplos e as grades que tomavam o lugar de um muro não tinham mais tinta, alaranjaram-se pelos anos do tempo açoitando-as, enferrujando o ferro. Todas as janelas, fechadas, tinham lascas de madeira faltando, a varanda era forrada por gravetos, muito de algo branco e pequeno, como gravetinhos brancos, e penas. Penas por toda parte. O sol esquentava Laurel a ponto de sufocá-la debaixo do chapéu de praia preto, mas não usá-lo estava fora de cogitação; ela sofreria demais se não se escondesse dos raios cruéis. Óculos de sol redondos que tomavam toda a área dos olhos escondiam as írises vermelhas – Laurel sempre quis que seus olhos fossem azuis, como quase todos os outros albinos –, franzindo-os ainda assim, incomodada. A bolsa pesava, cheia com saquinhos de ração de gato, puxando seu ombro direito para baixo. Laurel puxou as mangas compridas da blusa preta até as mãos e tocou o ferro dos portões, protegendo as palmas com o tecido das mangas, desejando não se sujar.

Um dos lados do portão cedeu com facilidade, para seu contentamento; Laurel não tinha muita força física. Laurel não queria nem um pouco passar por todo aquele mato até a casa, por mais que vestisse mangas longas e calças, tinha medo de insetos entrando em sua roupa ou em seu cabelo, embrenhando-se nos fios. Vencendo o desgosto, Laurel passou pelo portão e caminhou empurrando o mato alto, chegando até a varanda repleta de penas e, ao que parecia, ossinhos velhos. De longe ela não pôde ver o que eram, mas tinha total certeza ao ver de perto. Tendo o nome de Casa dos Gatos, era lógico que havia gatos por ali, o que tornava as penas e os ossos algo comum para Laurel; gatinhos de rua não tinham de onde tirar alimentos que não fossem da própria natureza.

A casa não tinha porta de entrada, tendo caído havia muito tempo, jazendo no chão do hall estreito. Laurel pisou sobre ela com cuidado, piscando os olhos para enxergar o interior escuro do casarão enquanto ligava a lanterna de seu celular. A casa deveria ter sido magnífica em seus dias habitados, mas toda a beleza estava coberta por poeira, cocô de gato e mais penas. Havia ali penas de todos os tipos: enormes, minúsculas, coloridas, sem cor, velhas e novas. Laurel conseguiria montar uma revoada inteira de passarinhos se juntasse todas as penas daquela casa.

Um corredor levava para os fundos da casa e uma escadaria estreita levava para o andar superior, para onde Laurel decidiu ir, subindo devagar os degraus, testando cada um deles antes de pisar de fato. Seus passos estalavam ao pisar em mais ossinhos e sujeiras de toda espécie, mas ela não parecia se importar muito; estava curiosa em achar os gatos que o próprio nome da casa dizia ter por ali.

O segundo andar era mais escuro que o primeiro, com quase luz nenhuma entrando pelas frestas das janelas de madeira. Móveis rasgados e quebrados enchiam os cômodos, brinquedos, roupas ainda penduradas nos guarda-roupas, e ainda mais penas.

Penas, penas, penas... Em todo o maldito lugar.

No último cômodo, Laurel viu sombras correndo de um lado ao outro, olhinhos brilhando no escuro e um ou outro miado. Laurel chegou mais perto, iluminando o quarto com a luz branca do celular, vendo dezenas de olhinhos reluzentes encarando-a de volta. Ela queria deitar-se em cima de todos aqueles gatinhos, apertar todos eles, beijar seus focinhos de todas as cores e tipos.

— Oi! Então vocês que moram aqui, não é? Comilões de passarinho! — Laurel sussurrou, tentando não assustá-los.

Laurel enfiou uma das mãos na bolsa e pegou alguns dos saquinhos, rasgando-os e deixando a ração no chão. Pensar que aqueles gatinhos talvez nunca provaram ração a enchia de pena, imaginando-os sem as mordomias que gatos caseiros possuíam. Os gatinhos comiam receosos, olhando-a a cada bocado de ração. Laurel sentou-se no chão, em cima de sua bolsa vazia após tirar a ração de dentro delas e deixar em seu colo, louca para que algum gatinho se aconchegasse em seu colo.

No canto mais distante do quarto, Laurel via três olhinhos brilhando na sua direção. Franzindo o cenho, ela ergueu a luz do celular e tomou um susto contido, vendo o gato de duas faces olhando na sua direção, compartilhando um dos três olhos e parecendo vê-la com todos eles. O gatinho tímido parecia querer comer, mas o medo era maior que a fome. Laurel pegou um dos saquinhos e andou de joelhos até onde o gatinho defeituoso estava, esvaziando o conteúdo na frente dele, formando um montinho de ração. O gatinho abaixou a cabeça, cheirando a ração, mantendo os olhos das extremidades na comida enquanto o olho central não deixava a garota. A boca era uma só, larga, com o dobro de dentes que uma normal teria, porém o gato dava bocadinhas tímidas na ração.

Laurel ainda sentia certo medo do gato, estranhando o fato de o olho central ser quase que independente. Ela queria acariciar o gatinho, mas aquela boca enorme poderia fazer mais estragos do que uma boquinha felina convencional.

Sons de risadas e passos pesados se fizeram ouvir por toda a casa, assustando os gatinhos, que correram para todos os cantos escondidos, deixando-a sozinha. Nem mesmo o gatinho de três olhos permaneceu com Laurel. Ela deixou o cômodo a contragosto, devagar, com medo ao ouvir a voz de Malu no andar de baixo.

— Ela deve ter fugido pra gente não trazer ela. — Disse Malu.

— Ou fingiu que não tava em casa.

— E se...

— O que?

— E se ela estiver aqui?

Laurel sentiu o corpo arrepiar-se, apavorada. As entonações das vozes dos três eram repletas de malícia, repletas de vontade de reduzir Laurel a nada.

Ela tentou voltar ao cômodo dos gatos, mas a porta fechara-se. Laurel, aproximando-se da porta gasta, tentou abri-la, sem sucesso. Passos na escada a alertaram de que ela não tinha mais tempo para se esconder em outro lugar.

— O que?! Não acredito! Malu, você estava certa, olha só a leitosa aqui em cima!

Laurel não sabia o nome do garoto que estava na outra ponta do corredor, no topo da escada, mas isso não fazia a menor diferença para ela; odiava-o mesmo assim. Os olhos puxados do garoto estreitaram-se quando ele sorriu para Laurel, mordendo o lábio inferior. Malu logo despontou na escada, arregalando os olhos para Laurel.

— Essa garota acha que é algum tipo de bruxa? Olha como ela se veste, Jong Suk. — Comentou Laurel.

— E-eu não posso pegar sol. — Laurel murmurou.

— Ah, não? Hum, nem um pouco? — Jong Suk indagou, tramando algo.

— Pega ela, vamos levá-la para um bronzeado ali nos fundos do jardim. — Malu falou, sorrindo com maldade.

Jong Suk correu para Laurel e a puxou pelos braços, machucando-a com o aperto. Laurel tentava se desvencilhar dele, gritava, mas o garoto era forte. Laurel não morreria em pegar alguns minutos de sol, entretanto sabia que não era só isso que eles queriam; sabia que a machucariam muito mais.

Ao puxar Laurel pela escada, Jong Suk tropeçou e a soltou, mas não rápido o bastante: levou-a consigo ao cair. Laurel rolou escada abaixo, tonta e dolorida, caindo próxima de Jong Suk, observando pela porta como o mundo fora da casa estava escuro, notando que ficou na casa mais tempo do que imaginou.

— Ai caralho, acho que quebrei algum osso. — Jong Suk resmungou, gemendo de dor.

Laurel queria chorar, a dor em seu tornozelo esquerdo era enlouquecedora e, olhando para ele, Laurel o viu torcido em um ângulo anormal.

— Jong Suk, o que você fez? — Malu espirou.

— Rolar da escada é meu passatempo preferido, faço isso todos os dias às oito da noite. Caí, sua tonta, o que parece pra você?

— Não, estou falando dela.

Laurel se sentou escorada na parede do corredor, percebendo só então o nariz sangrando, o ar mal entrando por ele. Ao levar os dedos à ele, o sentiu quebrado sob sua mão. Outros focos de dor apareciam, preocupando-a.

— Vamos embora. — Ele resmungou tentando levantar.

Sombras corriam pelos cantos da casa, miados repletos de ódio ecoavam por todos os cômodos e, de repente, não havia mais por onde sair: a porta de entrada estava fechada, não mais no chão. Laurel começava a ficar confusa com aquilo, pois tivera certeza de que a porta estava no chão quando ela e Jong Suk rolaram escada abaixo.

— Que merda é essa Malu?! — Gritou ele. — A porta nem tava ali!

Pedaços de madeira caíam de alguns pontos da casa como se alguma coisa pesada corresse no andar de cima, a poeira formava uma névoa pela casa e um rosnado gravíssimo, tenebroso, ressoou. Todos pararam, Jong Suk parou de tentar abrir a porta, Malu parou de gritar e chorar e Laurel ficou como estava, amargando as dores da queda. Ela ergueu o olhar para o topo da escada, encarando a criatura parada ali, esguia, cuja cabeça de três olhos tocava o teto. As garras afiadas seguravam firme o corrimão, o corpo ossudo estava encurvado para caber na casa e da bocarra pendia um fio de saliva translúcida. O olho central se fixara em Laurel e os outros dois mantinham-se um em Jong Suk e outro em Malu. Em um segundo, a criatura pulou por sobre o corrimão e aterrissou no andar de baixo, em cima de Malu, esmagando-a com os pés felinos gigantes. O corpo de Malu dobrou-se para trás ao ser esmagada, Malu agonizava alquebrada quando aquilo ergueu uma das mãos-patas, descendo-a de garras apontadas para o rosto apavorado do garoto, fatiando-o até que massa encefálica vazasse dos cortes. Malu soluçara borbulhando por alguns instantes antes de aquietar-se, morta.

A criatura voltou todos os três olhos para Laurel, abaixou-se até ficar na altura da garota ferida, farejando-a onde estava machucada. A criatura lambeu o tornozelo ferido até que este parou de doer, curado, e fez o mesmo com o nariz de Laurel. Aos poucos a garota fora curada por aquela coisa, que então abriu uma das patas e largou um passarinho morto no colo dela antes de encolher-se até sua primeira forma, o gatinho tímido que Laurel alimentou minutos antes. Ronronando, ele a deixou sozinha, saindo pela porta da frente – sobrenaturalmente aberta –, sumindo noite adentro.

Laurel tocou o passarinho morto em seu colo, tocada pelo presente que o gato a dera, agradecido. Rindo baixinho, chocada, Laurel deixou a Casa dos Gatos, arrastando os pés pela rua seca.

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

TRISTE ESTATÍSTICA

por Jade Coelho


A Bahia, junto com o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, são os estados que nos últimos 10 anos apresentaram o maior número de óbitos registrados com menção ao albinismo. A condição genética é caracterizada pelo déficit na síntese e distribuição de melanina na pele, pelos e olhos, proteína que tem como função principal a proteção contra radiação solar.

Os indivíduos com albinismo podem apresentar problemas visuais, alterações de pigmentação, maior vulnerabilidade a queimaduras solares, além de lesões e câncer pele. Esse último, segundo o Ministério da Saúde, é uma das principais causas de morte entre indivíduos afetados pela condição.

O Ministério da Saúde publicou um boletim epidemiológico com dados sobre a mortalidade de pessoas com albinismo de 2010 a 2020 no Brasil. De acordo com o documento, o país contabilizou 85 óbitos atribuídos à condição, sendo 24 (28,2%) em que o albinismo foi registrado como causa básica e 61 (71,8%) em que foi apontado como causa associada ao óbito.

O boletim ressalta que as mortes estão distribuídas de maneira heterogênea no Brasil no período. A grande maioria dos casos (cerca de 94%) foi notificada nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul, enquanto as regiões Centro-Oeste e Norte apresentaram apenas três e dois casos, respectivamente.


Gráfico: Ministério da Saúde

Ao observar os registros nos estados brasileiros, Rio de Janeiro soma o maior número de casos (13), e é seguido pela Bahia (10) e Rio Grande do Sul (10). Enquanto Acre, Amazonas, Amapá, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Maranhão e Roraima não apresentaram registro de óbito com menção ao albinismo.

A distribuição dos óbitos por sexo mostra 45 casos (52,9%) no sexo masculino e 40 (47,1%) indivíduos do sexo feminino.

O documento também traz a informação em relação à faixa etária. Os dados mostram que a maioria dos indivíduos tinha menos de cinco (36%) ou entre 15-49 anos (32%) no momento do óbito.

TELONA QUENTE 370

A jovem rainha Mary assume o comando da Escócia, sua terra natal, e disputa o trono da Inglaterra com a prima, a rainha Elizabeth I. Assista à crítica do filme Duas Rainhas, do catálogo da Netflix.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

CONTANDO A VIDA 352

A GRANDE LIÇÃO OLÍMPICA.


José Carlos Sebe Bom Meihy

Queiramos ou não, as Olimpíadas chamam a atenção. Antes como agora, dá-se um respiro no cotidiano ofegante e nossa rotina, interrompe os alardes de guerras, conflitos, corrupção e desalento humanitário. Essa condição que corre ao longo dos tempos, nesta fase pandêmica e de recrudescimento de atritos políticos, propõe reflexões sérias. Há algo de solene nisto, posto que o mundo devota cuidado a uma atividade que interliga, de alguma maneira, pessoas, países, culturas. O intervalo de quatro em quatro anos permite reciclar situações que, em nível mundial, são postas a prova em disputas alheias aos sistemas políticos.

Não há como negar a beleza da proposta olímpica que, afinal, pela juventude e dedicação orientada sugere um futuro melhor, expressão de beleza e superação de limites. Não é sem sentido que a paz e o convívio entre os povos são evocados na chave da felicidade universal. Há uma memória romântica ilustrando tudo, posto que as primeiras referências helênicas, prezavam a suspensão de toda e qualquer disputa entre as cidades-estado gregas, tudo em favor de competições sadias e disputas honradas por competições regradas. Mais tarde, em 1928, o lema cunhado em latim deixava claro o teor das disputas “citius, altius, fortius” (mais rápido, mais alto, mais forte). A juventude e a saúde afloram como símbolo da esperança de dias melhores e, sobretudo, valoriza-se o aperfeiçoamento.

As tramas simbólicas implicadas nas atividades olímpicas são vastas e complexas. Lindas, todas: louros da vitória, medalhas, tochas, piras, pódio, tudo é feito para exaltar as melhores condições, sem desprezar os que não chegam lá. As disputas são metáforas da perfeição buscada, e nessa meta a premiação é a coroação do esforço máximo. Ouro, prata e bronze hierarquizando prêmios pelas almejadas vitórias. E quanto emprenho em cada participante. Mas isto tem uma longa e bonita história.

Os Jogos Olímpicos da antiguidade clássica perderam prestigio aos poucos, até que em 1914, o Barão de Coubertin, na Franca, lavrou campanha para recuperá-los. E foi assim que se abriu nova fase que, aos poucos, vai buscando se adaptar ao mundo moderno e às novas agendas. Naquele recomeço, mulheres, por exemplo, não podiam participar, mas isso foi mudando, incorporando novas situações como os paraolímpicos, e hoje, nas edição de Tokio temos a diversidade presente não apenas em termos raciais, mas também de gêneros e orientações sexuais. Há inegável luta pela representatividade comunitária. E por falar em evolução, a grande aula desta vez, sem dúvida, foi dada por Simone Biles. Aclamada como a grande estrela da temporada, depois de vitórias absolutamente inacreditáveis na modalidade Ginástica Olímpica, cercada de toda expectativa do mundo, ela soube dizer “não”.

Negar a atuação em uma das provas mais esperadas do certame surpreendeu o mundo. Perplexos, soubemos da decisão da atleta que, a nosso ver, teria tudo para brilhar. Atribuindo à pressão, a jovem ginasta explicou seu veredito calcado na certeza de que não conseguiria coordenar mente e corpo, em uma prova de concentração absoluta. Demorou um pouco até que o público absorvesse a decisão inesperada e chocante. Passado o momento da notícia, a reflexão coletiva passou a ver tudo com novo olhar. E então se pensa na gravidade da decisão resultada da combinação do risco da própria vida com o equilíbrio emocional e a opinião pública. O debate tem sido intensificado na chave da saúde mental, e esta é a grande lição da experiência olímpica de Tóquio: saber os limites, ter coragem e autopiedade. Sim compaixão para consigo mesmo, esta é lição olímpica que Simone Biles nos lega. E se algo aprendermos com isso, todos estamos premiados. É preciso saber dizer “não”...   

terça-feira, 10 de agosto de 2021

TELINHA QUENTE 458

Cruel Summer é uma série viciante, que se passa ao longo de três verões nos anos 1990, quando uma adolescente bonita e popular desaparece, e uma garota aparentemente sem relação alguma se transforma de meiga e um pouco estranha na menina mais popular da cidade - mas eventualmente se tornando a pessoa mais desprezada nos Estados Unidos.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

CAIXA DE MÚSICA 465

 


Roberto Rillo Bíscaro

Intenso, introspectivo, empoderado e lindo. Half Waif está cada vez melhor, como prova seu novo álbum, Mythopoetics, que pode agradar tanto a fãs mais maduros de artistas, como Tori Amos, e à geração mais jovem, fã de Weyes Blood. 

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

PAPIRO VIRTUAL 187

 Qual a Diferença Entre Realismo e Naturalismo?

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

TELONA QUENTE 369

Natal de 1942, os pais de Gerda e Otto são detidos por participação no movimento de resistência norueguês durante a Segunda Guerra. Após a prisão, os irmãos descobrem duas crianças judias escondidas em sua casa. Cabe agora a Gerda e Otto terminar o que seus pais começaram: ajudar Sarah e Daniel a fugir dos nazistas, cruzar a fronteira para a Suécia neutra e reencontrar os pais.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

CONTANDO A VIDA 351

SEXO NA TERCEIRA IDADE.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Sejamos francos, há ainda muita hipocrisia nas formas de convívio social. O tempo passou, habituamo-nos a pensar o transcurso dos anos como modernidade, e no reboque decantamos a superação de tabus e práticas “daqueles tempos”. Supondo-nos no ápice da pirâmide histórica, entoamos ladainhas sobre “temas superados”. E até rimos das “coisas de antigamente”, de soluções “do arco da velha”. A mo­­da, os utensílios domésticos, as celebrações festivas ou mesmo o luto, muito mudou. Mudar, nesse contexto, metaforiza melhoria, progresso. Ao mesmo tempo preside, sabe-se, uma nostalgia que junta saudade com humor, e quase sempre tudo fica como que encantado num remoto que permite transformar situações constrangedoras exercitadas em conversas animadas na base do “ah, naqueles dias”...

Sim, a memória é seletiva e quando vira a chave da mágoa até fica divertida. Nesses casos, é tanta idealização, tanto romantismo, tanta deformação, que nos permitimos esquecer do tratamento a temas que mereceriam mais cuidados, mas que, ironicamente, ainda permanecem na elipse da inconveniência. Estranhos mecanismos regem escolhas do que deve ser comentado e do que ainda não. Como são estranhos os impulsos que instigam nossas conversas corriqueiras. Há coisas que não são de bom-tom e então o interdito funciona como critério saneador do convívio harmonioso.

Os filtros que atuam nas escolhas temáticas acatam mudanças triunfantes, e então, assuntos que eram vetados ganham autoridade e rompem silêncios. Assim emergem questões que dignificam lutas que se apresentam como direitos conquistados. Somente as batalhas triunfantes são dignas de falas, e assim as conquistas das mulheres, de certos segmentos negros, de deficientes físicos, são celebradas. O processo seletivo do que vale ser festejado ou interdito é mecanismo sagaz, sutil, traiçoeiro. Consequências como a ampliação dos processos depressivos, aumento dos índices de suicídio, sugerem que as pautas de encontros tendem a prezar o periférico não problemático. A tal ponto isto chegou no presente que assuntos sobre sexo se mantém resistentes como tabus intocados.

Mesmo entre casais vigora um interdito que quando, por acaso, resvalado chega a ser constrangedor. Talvez, a prova explicativa mais pungente desse pudor dialógico resida no absurdo lugar ocupado pelo tema “educação sexual nas escolas”. Como se fora questão familiar exclusiva, investida de névoas religiosas – de uma religiosidade tragicamente ignorante – o assunto é tão delicado que alça debates no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Avesso disso, o tema não circula em rodas comuns ou sociais.

A interdição da temática afeita ao sexo e suas práticas nos diversos círculos chega à beira da neurose. O vazio de abordagem promove, por sua vez, distanciamentos que se afundam nas zonas de preconceitos. E haja deformações. Machismos alucinantes dão aos homens licenças para a formulação de discursos redutores do papel feminino. A silenciosa operação que oprime as mulheres se dá exatamente nas tramas do não exercício temático. Se no geral o tema é cercado de melindres, imagine-se entre os mais velhos. É verdade que há uma variada coleção de piadas, musiquinhas, tiradas em frases feitas, recursos que tocam na questão por vias pândegas, mas sempre sem os alvos necessários. É preciso mais, e neste sentido uma campanha iniciada no Reino Unido, sob a orientação da ONG Relato (relate.org.uk) convida repensar o tema. Partindo de dois princípios mestres, os estímulos visam lembrar que 1) o corpo envelhece, perde forças e elasticidade, mas 2) afetos e prazeres se remoçam com convívio sadio. O interessante da pesquisa é a relação entre ter mais tempo para a atividade sexual e a mudança de práticas que demandam mais toques, aproximações e massagens.

Detive-me em leituras sobre a tal campanha de favorecimento da discussão do “sexo entre velhos”. Gostei de ler histórias pessoais, de ver fotos de casais de mais de 70 anos se amando, de aprender com dicas eróticas, mas pensei é os solitários? E os que não têm parceiras/os fixas? E aqueles que optam pela solitude? Esses não têm vez? Para esses tantos o sexo não mais existe? E tantas foram os questionamentos que fiquei ainda mais estimulado. Solitário por não ter interlocutores. Alguém teria coragem de conversar sobre isso? Cartas para a redação...

Nesse sentido, Ione Lopes, coordenadora do curso de Medicina da Universidade Federal do Piauí, comenta que “a sexualidade é um comportamento que dura a vida inteira e a noção de que ela termina com o envelhecimento é ilógica. A necessidade de proximidade, cuidado e companheirismo dura a vida toda”.

Inclusive, a abstinência sexual pode ser prejudicial para a saúde. De acordo com Lopes, ela pode afetar a manutenção da tonicidade, da elasticidade e da lubrificação vaginal, o que, potencialmente, incorre numa maior atrofia vaginal.

terça-feira, 3 de agosto de 2021

TELINHA QUENTE 457

Na Madri do século 18, uma talentosa cozinheira conquista o coração de um duque viúvo. Baseada no romance de Fernando J. Múñez. Veja a crítica da minissérie A Cozinheira de Castamar. 

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

CAIXA DE MÚSICA 464

 

Liraz, cantora israelense-iraniana, retorna com um álbum que destrói as fronteiras entre o eletro-pop cintilante e a sonoridade persa retrô. Inclui colaborações clandestinas com músicos e compositores iranianos.

domingo, 1 de agosto de 2021

SONHO ALBINO EM ANGOLA

 Albinos sonham com um país sem discriminação


A comunidade angolana de albinos continua a sofrer com a exclusão em todas as dimensões da vida (económica, social, política) e reclama por acções afirmativas que ajudem a transpor as dificuldades.


A análise do contexto sociocultural é essencial para desenhar políticas públicas correctas, que cumpram o ob-jectivo de construir soluções para todos. Sem excepções.

Três senhoras de camisas simples e pele bem clara e cabelos amarelos estão sentadas no auditório do Cefojor, em Luanda. Depois saem da sala em conjunto.
Celeste Domingos, 37 anos, deslocou-se de Caxito (Bengo), com o recém-nascido nos braços para acompanhar a 1ª Conferência Pró- Albinismo em Angola, que aconteceu ontem e foi organizada pelo Movimento Pró- Albino e pela Associação de Apoio aos Albinos de Angola (mais conhecida como 4 As).
Celeste vende pão na pracinha e acomoda-se com a mãe, o marido e mais quatro filhos na mesma casa. Diz não enfrentar grandes problemas no seio familiar, ao contrário de Luzia Albino, 47 anos, que apenas vive com um tio e mais cinco filhos.
“Já tenho filhos com vinte anos, mas não consigo apoiá-los devido às dificuldades financeiras. Estou desempregada, já trabalhei na limpeza de instituições públicas mas neste momento estamos assim. Não tenho possibilidade de comprar os cremes de protecção solar e as pomadas para proteger a pele”, explicou.
Ao lado das duas amigas está Conceição Daniel, 31 anos e quatro filhos. Escuta as conversas e percebe-se pela expressão facial que também pretende intervir.
“Em Caxito, estamos a precisar de apoio, necessitamos de pelo menos uma farmácia onde seja possível comprar o protector solar a preços mais acessíveis. Em Caxito faz muito sol. Praticamente não saio de casa. E procuro banhar três vezes por dia”, disse Conceição Daniel ao Jornal de Angola. Os cidadãos portadores de albinismo enfrentam três grandes problemas ao longo da vida: baixa visão, extrema sensibilidade da pele e as questões culturais e psicológicas que acabam por ter um grande impacto no dia-a-dia.
O contexto acaba por moldar comportamentos, atitudes e até os gostos que parecem muito pessoais mas que, no fundo, são resultado de várias influências. E os países têm responsabilidades acrescidas na defesa dos direitos dos cidadãos. Segundo o artigo 21.º da Constituição da República de Angola (relativo às tarefas fundamentais do Estado), o país tem o dever de assegurar os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, promover políticas que permitam tornar universais e gratuitos os cuidados primários de saú-de e promover sem preconceitos a igualdade de direitos e de oportunidades entre os angolanos.
Xavier Agostinho tem o ensino médio completo (em Ciências Humanas e Sociais) e vive no Cazenga (Luanda). É num dos maiores e mais antigos bairros da capital que a associação 4 As tem a sua base. Vive apenas com um tio e admite que “a convivência familiar e social não é saudável”.
“É aqui que as responsabilidades sobem para outros níveis. Cabe ao Governo trabalhar para melhorar a inclusão social dos albinos, seja no trabalho, na escola ou na saúde pública”, frisou.

Educação para a inclusão
A diferença sempre chama à atenção da sociedade e das pessoas em geral. Nascer com uma cor da pele totalmente oposta à dos pais e restantes familiares pode ser um es-cândalo. É necessário olhar com muita atenção para os mitos, rituais e tradições.
Armindo Jaime Gomes, também conhecido por Arja-go, é natural de Benguela. Tem como foco principal o estudo do acervo pré-colonial umbundu. Ainda que o seu interesse seja abrangente, já abordou a questão do albinismo dentro da cultura do Planalto Central.
“Até a década de 1930 não era fácil encontrar um albino naquela região”, explicou. “Julgo que a introdução da Missão do Dondi e as novas abordagens que promoveu deram origem a algumas mudanças. E eliminaram ou modificaram tradições”, disse Armindo Jaime Gomes.
Segundo o professor da Academia Militar do Exército, no Lobito (Benguela), na língua umbundu a palavra que define o albinismo é ohasa. “Entre outras possíveis traduções, em português significa praga, medo ou azar”, explicou.
O nascimento de um albino significava que os ancestrais estavam descontentes com alguma atitude dos progenitores. Algo cometido no passado seria motivo de penalização para o presente - com o nascimento de uma pessoa albina - e para o futuro. Era sinal de péssimo agoiro.
“Hoje o contexto é diferente. Já temos pastores, líderes comunitários e deputados albinos. Significa que a tradição, a cultura, também se vai alterando. Defendo que a mudança de mentalidades em relação ao albinismo deve ser reforçada ao nível da educação formal da escola. A educação é a solução”, acredita Armindo Jaime Gomes.
Pascoal Ovídio é dermatologista no Hospital Américo Boavida, onde o serviço especializado acompanha 513 pacientes com albinismo. Acredita que a solução para amenizar a vida das pessoas está na educação, informação e comunicação. Com uma ressalva.
“Para lá das questões básicas é preciso que o sistema público de saúde funcione devidamente. E ainda antes deste tema, precisamos de empoderar as pessoas e dar-lhes dignidade”, acredita o dermatologista.
Também ao nível das so-luções para mitigar os problemas da pele, Pascoal Ovídio defende uma abordagem específica.
“Tal como desenhamos programas específicos para determinadas doenças também devemos fazê-lo para o albinismo. Defendo que estas pessoas devem ter acesso aos cremes e protectores solares de forma gratuita”, disse o especialista.
A Conferência Pró-Albinismo em Angola contou com a presença do secretário de Estado da Comunicação Social, Celso Malavoloneke, da Justiça e Direitos Humanos, Ana Celeste Januário, e dos Assuntos Sociais, Ruth Mixinge.

COBRANÇAS ALBINAS

Pessoas com albinismo reivindicam políticas públicas para sair da invisibilidade

Governo diz que está preparando portaria instituindo a Política de Saúde Integral das Pessoas com Albinismo

Representantes de associações de pessoas com albinismo reivindicam políticas públicas para que essa parcela da população saia da invisibilidade e tenha garantido atendimento básico na rede pública de saúde. O tema foi debatido na Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara nesta terça-feira (29) e os parlamentares se comprometeram a trabalhar pela votação de um projeto (PL 7762/14) que está sendo examinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

O albinismo é uma condição genética que faz com que as pessoas nasçam sem melanina, a proteína que dá a coloração de olhos, cabelos e pele. Uma condição complicada em um país tropical como o Brasil, com alto índice de radiação ultravioleta.

A proposta em discussão na CCJ cria a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Albinismo, que prevê, entre outros itens, um cadastro nacional para contabilizar o número de albinos no país, além de um fluxo de assistência à saúde e uma linha de cuidados.

Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Rejane Dias concorda que é preciso conhecer o tamanho da população de albinos no País

Na audiência pública, Joselito da Luz, diretor executivo da Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia (Apalba), elogiou o projeto, mas sugeriu a criação de um grupo de trabalho para construir uma legislação mais completa, que englobe itens como trabalho e moradia.

Já Amanda dos Santos, da Associação das Pessoas com Albinismo e Amigos do Estado do Mato Grosso, salientou a importância de um censo. "O país sabe quantas geladeiras existem nos lares e quantas pessoas assistem TV a cabo, mas desconhece o número de albinos", disse.

A presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, deputada Rejane Dias (PT-PI), concordou com a urgência de conhecer o tamanho desta população.

“Não tem como a gente viabilizar políticas públicas mais precisas se nós não tivermos realmente dados, informações.”

Érika Xavier, integrante do grupo Albinos do Piauí, sintetizou as principais demandas.

“O cadastro nacional; fornecimento dos cinco itens básicos de proteção para o uso diário, que são protetor solar, vitamina D, sabonete neutro, loção hidratante e colírio hidratante; atendimento prioritário em dermatologistas e oftalmologistas; e capacitação de profissionais do SUS para lidarem com diversos aspectos relacionados com a atenção à saúde de pessoas com albinismo.”

Gustavo Sales/Câmara dos Deputados
Érika Xiavier listou as principais demandas do grupo

Ykponwosa Ero, uma nigeriana albina que trabalha para o Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), lembrou da necessidade de proteção aos familiares que muitas vezes sofrem discriminação por terem cores de pele diferentes. Ela sugeriu a criação de um Dia Internacional de Conscientização do Albinismo. Julio Garcia, argentino pai de uma criança albina e membro da Aliança Global de Albinismo, acrescentou que países como Panamá e Guiné já têm legislações que protegem essa população.

A diretora do Departamento de Saúde da Família do Ministério da Saúde, Renata Costa, reconheceu o déficit de informações sobre os albinos: ela estimou esta população em pouco mais de 21 mil pessoas, mas em julho de 2020, os registros da Atenção Básica do Sistema Único de Saúde só contabilizavam 1.711 atendimentos. Renata explicou o que pode estar acontecendo.

“O que a gente suspeita é que, infelizmente, as pessoas com albinismo estejam acessando a rede já a partir das complicações de saúde, com diagnóstico já de doenças crônicas como o câncer, por exemplo, ou a questão da visão também”, disse.

De acordo com a representante do Ministério da Saúde, uma parceria com os ministérios da Cidadania e da Mulher, Família e Direitos Humanos está tratando da visibilidade das pessoas com albinismo no Brasil. Ela disse que deve ser publicada em agosto uma portaria instituindo a Política de Saúde Integral das Pessoas com Albinismo.

Reportagem - Cláudio Ferreira
Edição - Ana Chalub
Fonte: Agência Câmara de Notícias