quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

TELONA QUENTE 273



Roberto Rillo Bíscaro

Desde a antiguidade clássica, fantasia-se sobre mundos governados e habitados apenas por mulheres. O medo da perda do fálico cetro masculino tem inspirado diversos exageros, criando sociedades homogeneamente femininas, que odeiam homens.
Em termos fílmicos, há praticamente um sub-subgênero envolvendo sociedades femininas perdidas (em mais dum sentido). Houve exemplos dentro do subgênero das aventuras na selva, dos anos 40, mas o que interessa aqui são alguns da safra de ficção-científica dos anos 1950.
Não dá pra intelectualizar a intenção dos roteiristas e/ou diretores, no sentido de dizer que criticavam o patriarcado, representavam as ansiedades dos homens norte-americanos que voltavam de guerras como a mundial e da Coreia e viam seus empregos tomados por mulheres e daí pra fora. Tais leituras são válidas, mas, a posteriori. Os filmes não eram “intencionais”. Eram baratas produções B, orientadas especialmente pra sessões duplas em drive ins. Bolar trama que envolvesse bastante mulher, potencialmente atrairia a homarada teen e, nos anos 50, perna era como tetinha em filme de terror mais tarde.
 
Mulheres-Gato da Lua (1953) é um dos obscuros cult classics mais deliciosos da década. Feito com orçamento microscópico, tanto o roteiro, quanto cenários, adereços e figurinos são reciclados d’outras produções ou do dia-a-dia. Tem aranhona de pelúcia quase sem movimento despencando de teto, que aposto que quem tem boa visão deve ver até os fios. Tem incongruências tipo acender fogo na ausência de ar lunar (repare que fazem isso antes de entrarem na caverna). Mas, tem uma aura quase surreal em alguns momentos, devido a tantas maluquices e minimalismos (escassez é o correto).
Essa sensação outromundista é reforçada pela enigmática e sinuosa trilha-sonora composta por ninguém menos que Elmer Bernstein, ganhador de Oscar, Globo de Ouro, Grammy e Emmy. O começo dos 50’s foi marcado pela inquisição anticomunista do macarthismo e como o compositor se recusou a nomear nomes pro comitê de atividades antiamericanas, durante um tempo ficou marcado em Hollywood. Por isso, teve que fazer trilhas pra filmes como Catwomen Of The Moon (CWOTM) e Robot Monster (1953), um dos mais toscos já feitos. Atente pra como o sobrenome Bernstein está grafado errado nos créditos iniciais.
Como não havia dinheiro e esses filmes eram exibidos em sessões duplas (viu como as coisas se encaixam na linha de produção fordista da cultura?),CWOTM é curtinho - tem pouco mais de hora – e não perde tempo com exposição, começa com o foguete subindo pra missão à lua.
Uma tripulação composta por 4 caras e uma garota dirigem-se a nosso satélite em nave mobiliada com mesinha de madeira e cadeira de rodinha, daquelas de escritório. Mas, há algo estranho, porque a tripulante Helen começa a ter uns palpites e certezas inexplicáveis, tipo decidir pousar no lado escuro da lua, porque sabe que perto do ponto há uma caverna. Como pode isso?
Na lua, descobrem as descendentes duma civilização altamente avançada, que, como em Flight to Mars, parecia poder tudo, exceto construir foguete, daí querem roubar o terráqueo pra fugir pra Terra e dominá-la mediante telepatia. Porque elas não usaram esse poderoso instrumento pra comandar que os homens da Terra lhes enviassem espaçonaves salvadoras não vem ao caso...
Na verdade, nada pode vir ao caso em CWOTM, a não ser suspender a descrença por 64 minutos e procurar defeitos pra rir ou se estupeificar, como perceber que só quando Helen é amassada pelo áspero Laird, o poder das mulheres-gato sobre ela esvanece. As cenas de agarra-agarra entre os 2 são puro assédio sexual! Bom que deixamos isso pra trás, não? 

Em 1958, a Layton Film Productions reciclou Catwomen Of The Moon em Missile to the Moon (MTTM) e o resultado é ainda mais pobre, embora sem a estranheza do “original”, se bem que minha percepção advém de só conhecer a versão colorizada. Mas, considerando-se que Catwomen foi em 3D e Misssile, não, já é indício. Surpreendente pras gerações atuais, a primeira onda dessa tecnologia foi na primeira metade dos 50’s e sci fi sempre foi apropriada pra seu uso, devido ao fantasioso dos temas.
MTTM acrescenta elementos à história das Mulheres-Gato e embora essas sejam pérfidas, no desespero de salvar a lua em extinção, a violência na relação homem-mulher é mais discreta.
Tem a mesma (literalmente!) aranha de Catwomen; tripulação que recebeu nenhum treinamento pra viagem espacial; gente que pega fogo na superfície lunar, onde não há oxigênio, portanto, não pode haver combustão. Tem impostor se passando por selenita, mas, pelo menos na versão colorizada, os nascidos em nosso satélite têm pele azul, então como ele enganava? Ah, a Lido era cega...mas o resto, não! E o ar que não escapa pela boca da caverna, mas sim pela janela?
Missile to the Moon é outra daquelas pérolas pra ver e rir um bocado, destacando ilogismos. 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

CONTANDO A VIDA 263

NOVA (IN)DECIFRAÇÃO DO BRASIL.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Já escrevi que sempre achei muito difícil explicar o Brasil para estrangeiros. Repetidas experiências me fizeram acumular preocupações renovadas a cada tentativa, todas algo frustrantes. Juro que achava ser essaa uma das tarefas mais complexas da formulação lógica dos acontecimentos que, afinal, nos implicam como seres políticos, entes inscritos na política. A certeza de que nosso percurso histórico é/seria peculiar, me obriga garantir que “sim”, que há uma originalidade no desempenho de nosso papel no universo, e que a marca do Brasil tinha que ser reconhecida como garantia de uma combinação única, mescla de segmentos étnicos colocados no mesmo espaço de redefinição miscigenada (pelo menos culturalmente, já que a propalada democracia racial é um mito resistente). Esta garantia, por forte que é, nos convoca a relativizações, é verdade, pois olhando cada outra realidade chegaríamos a constatações de particularidades também evocadas como diferentes. Tal posicionamento, contudo, nos obriga a uma hierarquia expositiva que, obrigatoriamente, nos faz acatar que há mais fragmentos de singularidades entre nossas manifestações do que a de muitos países ou culturas que somam semelhanças menos esdruxulas, ou mais facilmente justificadas. Tamanho geográfico, áreas florestais, secas e ao mesmo tempo fartura de água, tudo juntado a etapas de povoamento que agrupam sobrevivências indígenas com o maior contingente de escravos vindos da África, portugueses que se desafiaram em uma experiência formidável, e uma imigração branca mais recente, nos distingue com facilidade, e tudo junto, nos faz peculiares e relevantes.   
 
Julgava essas explicações para gringos entre as mais difíceis missões dos historiadores, e até admitia de saída que o esforço, por mais bem resolvido que fosse, seria falho. De tal forma me consolava, que consegui firmar uma máxima: o estrangeiro tem que aceitar o Brasil como dogma de amor, pois compreende-lo é impossível. Houve, contudo, um momento mais recente, em que rebaixei essa escalação. Falar para brasileiros fora do Brasil tornou-se proposta ainda mais intrincada. Justifico minha afirmativa garantindo que há uma natural e imediata relação de poder e julgamento de quem está fora do meio e quer se sentir parte integrante. Explico-me: como o processo de desligamento identitário dos nossos patrícios é manhoso e insistente, insinuante, e porque ao invés de assumir coerência entre a distância física ou geográfica, os evadidos em todos os níveis, mais se ligam e não largam da identidade original. Aprendi que eles perdem o processo em movimento e coisificam fatos e os tratam como se fossem fenômenos isolados. Tudo fica mais concreto e palpável, pois a vertiginosa velocidade das consequências locais, nossas, se lhes ficam a um tempo minoradas pela distância, agravada pela impossibilidade de participação no espaço e tempo imediatos.

Por favor, não pensem que as coisas pararam aí. Não mesmo. Tive que propor outra escala, também renovada na surpresa dos acontecimentos recentes sem os quais não seria viável qualquer esforço explicativo. Assim, mais do que admitir que explicar o Brasil para os estrangeiros, ou para os brasileiros que deixam o país, tem sido ainda mais embaraçoso explicar o Brasil para os próprios brasileiros. Em tempo, ainda antes que me julguem pretencioso, transfiro os méritos e defeitos de tal pretensão ao coletivo nacional, pois é visível que, de repente, todos se tornaram explicadores, donos de visões pessoais que autorizam a garantir que, afinal, somos historiadores natos, com ou sem necessidade de formação acadêmica. E nesse caldo de explicadores, pouco vale se somos ou não profissionais especializados. O pior é que a garantia disso decorre do princípio de igualdade política, no dizer já expresso por Millôr Fernandes que garantia: a lei é igual para todos, aí começa a injustiça.     

Em conversa recente com uma colega também historiadora, em vista dos acontecimentos recentes, contabilizando uma vida de trabalho em escolas, em particular em nível universitário, sentimo-nos abalados e tendo que admitir nosso esforço vão. Um breve giro pelas redes sociais é prova cabal de nosso fracasso: ninguém sabe nada de História. Se para alguns pode parecer chocante essa afirmativa, cabe convidar a uma olhada nas redes sociais. A perda da credibilidade dos historiadores de ofício transparece um nivelamento raso que delega a todos direitos sobre visões do passado. A negação da ditadura como processo político drástico e consequente, por exemplo, é prova de que se apaga um passado, colocando-se no lugar um nacionalismo sem cabimento no conjunto das culturas politicamente desenvolvidas. E junto vem a liberação de armas, o desprezo ao meio ambiente, o sexismo descabido e todos os preconceitos. Sem uma revisão do pretérito com vistas no presente, sem um diagnóstico cabível da comédia de erros que vivemos em termos de governo, antes de explicarmos o Brasil para os brasileiros que estão fora de nosso quadrante geográfico e antes de explicá-lo para os estrangeiros, temos que nos entender, internamente. Então, como pensar escola sem partido? Como, por favor, expliquem-me e expliquem-se.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

TELINHA QUENTE 345


Roberto Rillo Bíscaro

Ken Bruen é prosista policial nascido na Irlanda, cuja produção impressiona pela quantidade. São várias séries protagonizadas por distintos detetives e policiais. Um deles é o ex-guarda Jack Taylor, cujas aventuras em livro ganharam adição, em 2017, com o lançamento de The Ghosts Of Galway.
Galway é a cidade de cerca de 80 mil habitantes, onde se passa a maior parte das aventuras de Taylor, se bem que algumas cenas dalguns episódios da série irlandesa Jack Taylor foram gravadas na Alemanha, porque a TV3 a coproduziu com parceiros germânicos. Desde 2010, 9 filmes de cerca de 90 min. cada foram produzidos e estão na Netflix.
Afastado da guarda municipal de Galway por haver se metido com figurão político, Taylor é malquisto pela força policial local, apesar de resolver os casos que essa não consegue, quando contratado por clientes insatisfeitos com os resultados policiais. Conforme avançam os episódios, não dá pra evitar de pensar que a animosidade para com Jack chega a ser quase gratuita, apenas mais uma convenção ou arbitrariedade do roteiro pra garantir estatuto noir à personagem.
Jack Taylor é praticamente protótipo do detetive durão noir, beberrão e sempre apanhando, mas que tem bom coração, apesar de autocentrado e atormentado. O aspecto cartoonish é dolorosamente evidenciado pela vestimenta. Ao ser expulso da polícia, Taylor mantem o casacão azul-marinho do uniforme e o usa em todos os episódios. Personagem de quadrinhos e desenhos é que vestem a mesma roupa eternamente. Na série, mesmo após anos do rompimento entre Jack e a polícia, o casaco parece ainda OK.
Iain Glen  afirmou mais de uma vez que o divertido em interpretar Jack Taylor é poder soltar seu lado Scarface ou Clint Eastwood. Tudo muito bem, mas sua interpretação meio declamatória e enfática, além do vozão grave murmurante, podem resultar em overdose de teatralidade, junto com todo o resto de clichês. Fãs demais de Downton Abbey e Game Of Thrones poderão se interessar ao saber que Glen é Sir Richard Carlisle na primeira e Ser Jorah Mormont, na segunda. O ator é bom e Jack é gostável, mas enjoa se consumido seguidamente de perto.
Progressivamente os episódios tornam-se mais sombrios, especialmente porque aos casos somam-se as muitas desventuras de Jack Taylor e dos azarados que cruzam seu caminho.
Não desgostei, mas igualmente não posso recomendar, porque Jack Taylor é por demais genérico. Fãs completistas de qualquer coisa noir ou obcecados por qualquer coisa Downton/GoT são as únicas criaturas pras quais eu indicaria.

Mais interessantes, porém, mais difícil de ver, porque fora da Netflix, são as curtas quatro temporadas de Single-Handed. A RTÉ One produziu seis histórias, divididas em temporadas de dois capítulos, cada (exceto a última), que foram ao ar entre 2007 e 2010.
Ambientada na linda, mas meio desoladora costa atlântica da Irlanda, Single-Handed foca no policial Jack Driscoll, que retorna à cidadezinha natal e, além dos crimes, tem que enfrentar fantasmas familiares, especialmente conjurados pelo pai, ex-policial não de todo honesto. No fundo, Single-Handed é o confronto de duas Irlandas: aquela do passado, pobre, corrupta e cheia de abusos contra crianças e fracos e uma do presente, que quer se livrar dessas práticas. Embora as histórias sejam independentes, é útil ver a série em ordem e na íntegra, porque o último episódio revelará se Jack consegue se libertar totalmente das práticas do pai/da velha Irlanda.
Assim como historiadores de slasher films apontam Black Christmas como precursor do subgênero, cronistas atentos anotariam Single-Handed como Celtic Noir avant la lettre. Ou terão que dizer que mesmo sem o Nordic Noir, o clima de séries como Hinterland (tem na Netflix) e Shetland prenuncia-se na produção irlandesa. Quando da primeira temporada, Forbrydelsen mal fora ao ar em sua nativa Dinamarca, mas o policial irlandês já apresenta os céus carregados e o prevalente clima depressivo da miséria humana, que se tornaria tão em moda nos anos vindouros.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

CAIXA DE MÚSICA 350

Roberto Rillo Bíscaro

Jean-Philip Grobler nasceu e criou-se na África do Sul, estudou música na Liverpool dos Beatles e se mudou pra Nova York, onde está até hoje.
Influenciado por Phil Collins, Sting, Radiohead, Fleetwood Mac, Boys II Men, Michael Jackson e boa parte boa da cambada oitentista, Grobler grava sob o nome St. Lucia. Ele até tem banda, mas St. Lucia é ele mesmo.
When the Night, o primeiro álbum, saiu em 8 de agosto, de 2013, pela Columbia, selo onde permanece. Quem vibrou com o segundo álbum-solo de Brandon Flowers ou o supergrupo indie Dreamcar, ou, para simplificar, quem ama o pop sintetizado da década de 1980, não tem porque não venerar St. Lucia. O melhor da produção está nas 11 faixas, sem o excesso das baterias eletrônicas.
A versão do Spotify tem uma dúzia de faixas, porque traz acústico dispensável de Closer Than This, que em sua deliciosa aparição original, lembra o easy listening oitentista do Fleetwood Mac. Dá até pra imaginar Stevie Nicks entrando nos vocais. The Way You Remember me é daqueles new waves pra dirigir em freeway; tem até sax, instrumento-símbolo da saxodécada. Phil Collins realmente impactava nesse primeiro álbum: The Night Comes Again não tem como não lembrar seu No Jacket Required, mas sem soar cópia. E quer mais Phil do que o naipe de metais fake de Elevate? Wait For Love tem aquele climazinho de aldeia africana recriada em estúdio nortista frio, tão Nick Kershaw, Howard Johnson ou símiles. Too Close é uma das delícias dançáveis com seus barulhinhos eletrofuturistas e bateriona bem cadenciada. Ouça When The Night e me diga qual grupo synthpop oitentista não usou esse riff de teclado. Mas o álbum não é cópia descarada: September tem cheirinho de Giorgio Moroder, mas sua estrutura repetitiva lembra mais o estouro techno já dos anos 90 ou um daqueles remixes que vinham nas edições de luxo dos álbuns do Pet Shop Boys

No ocaso de janeiro de 2016, saiu Matter, que alcançou a altíssima posição 97 na Billboard, mas deverá ser obrigatoriamente conferido por todos amantes da sonoridade da década de 1980, especialmente a da primeira metade, talvez mais especificamente entre 83-6. As 11 canções têm arranjos mais encorpados que as da estreia e a fluência do St. Lucia nos idiomas musicais oitentistas deslumbra.
São tiques e retoques que se sucedem/reptem/sobrepõem, criando a sensação de uma década de oitenta inventada pro álbum. Home, por exemplo, não tem como negar o parentesco com alguma coisa de Michael Jackson imediatamente pré-Thriller, mas a chave é synthpop. Os seis minutos e meio de Rescue Me são locomotivas possantes, repletas de toda sorte de barulhinhos 80’s, mas sem deixar de piscar bem forte pra 1999, de Prince. A caça por referências pode ir tão longe a ponto de identificar quais canções de Matter tiveram homônimos no decênio: aqui dou duas dicas, Do You Remember e Physical, esta última, quase inacreditável paulada eletrodançante, nível New Order
Help Me Run Away é o tipo de power pop, que deixou Rick Springfield famoso e o arranjo de Stay é pra ser estudado, de tão criativo e bem-feito. Abre com apitinhos de Carnaval e durante boa parte parece nem ter percussão, que, quando surge, enfim, não é bombástica, como a esperada num revival 80’s. Estudo de caso pra arranjos que se metamorfoseiam aos poucos. Não quer ouvir álbum pra estudar, apenas pra se divertir? Apoio! Não faltarão riffs adoráveis de teclado, como em Dancing On Glass e fofuchices, tipo The Winds Of Change. 

Dia 21 de setembro, de 2018, saiu Hyperion, novamente com texturas luxuosas, mesclando elementos que não necessariamente caminhavam juntos nos anos 80. Em Walking Away, teclado grave e algo lúgubre coexiste com a aguda guitarra funkeada à Nile Rodgers. Em Gun, o St. Lucia faz quase um synth-AOR: é um clima bem powerpop, daqueles roqueiros, quase, cujo refrão soa ótimo pruma trilha de comercial dos cigarros Hollywood, nos 80’s. Na calma Next To You, a batida é de bossa-nova.
Nesse álbum, percebe-se a procura por caminhos além-anos 80. Na catártica Paradise Is Waiting, o sul-africano lança mão da mesma batida e coro gospel que George Michael usou em Freedom, levando a um clima início dos anos 90. A deliciosamente pulante China Shop sintetiza elementos de música chinesa, com vocal que remete ao de Morten Harket e, mais pro fim, encaixar-se-ia tranquilamente num dos álbuns do Pet Shop Boys, da primeira metade dos 90’s. Nos seis minutos da derradeira You Should Know Better, o pop não se torna inacessível, mas há menos preocupação em melodia instantaneamente fácil. A gente fica curioso pela trilha escolhida pro próximo álbum.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

TELONA QUENTE 272

Roberto Rillo Bíscaro

Lázaro é o personagem bíblico ressuscitado por Jesus, mesmo depois de estar fedendo. Essa é apenas uma das inúmeras referências que dão profundidade e multiplicidade de interpretações a Lazzaro Felice (2018), escrito e dirigido por Alice Rohrwacher e constante do catálogo da Netflix.
A italiana produziu um daqueles longas que não devem nada a qualquer filme de arte europeu, especialmente os de seu país. Alice caminha com extrema segurança por caminhos de pedras que indicam sua familiaridade com o Neo-Realismo e o Cinéma Vérité e, típico de sua geração, não teme misturar Realismo Mágico a essas formas mais engajadas de mostrar realidades nuas e cruas. Há até quê de Forrest Gump.
O angelical Lazzaro vive feliz, fazendo o bem sem olhar a quem, em uma comunidade rural isolada, que, apesar de situar-se temporalmente em algo que se assemelha aos anos 90, vive sob o jugo duma marquesa, que fuma como chaminé e vê a vida como Hobbes. Os lobos mencionados são metaforizações do filósofo inglês. Pra ela é conveniente essa visão de relação humana, visto ser quem explora mais. Mas, os campesinos não são anjos de candura explorados. Replicam o comportamento, quando podem, especialmente com Lazzaro. Apesar de provar conhecer bem a tradição marxista de cineastas conterrâneos, a italiana não idealiza a classe trabalhadora e sequer aponta visão otimista, de vitória do proletariado. No meio da narrativa, há mágico salto temporal e o grupo, agora na Europa eurada e emigrada, aparece na mesma pindaíba e sucateamento de antes, só que agora têm TV e comem salgadinhos (roubados).
Ligando esses dois mundos aparentemente tão distintos, mas no fundo tão iguais, está Lazzaro, cujo nome significa Deus ajudou. Mas, será que o Criador ajuda mesmo nesses dias de economia dominada por banqueiros e ruas cheias de gente de bem civilizada?
Lazzaro Felice poderá ser lido como fábula, como denúncia de exploração, como mistério, só não poderá ser acusado de imparcial. Merecidamente premiado, o filme de Rohrwacher não tem vergonha de ser didático, acusação feita por quem – tola ou manipuladoramente – acha ou quer que achem, que a novela das oito também não o seja.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

CONTANDO A VIDA 262

O CENTRO DO ALVO POLÍTICO. 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Reza a sabedoria africana que, para bem cozinhar uma rã, deve-se colocar o petisco no fogo com a água ainda fria. Caso seja a água fervida primeiro, com certeza, a rã saltará para fora da panela devido o choque térmico imediato. Nunca experimentei, mas o conselho me pareceu apropriado frente a um enigma que se montou em minha percepção sobre a política atual e os desastrosos encaminhamentos que têm sido dados aos problemas de governança. Quando o recorte da questão atinge o campo da moral e dos bons costumes e, principalmente, da política externa, o termo “consequência” se mostra elevado ao quadrado. Padeço perplexidades, quando vejo as oscilações, a incessante comédia de erros de um presidente que não articula frases longas e que, na melhor das hipóteses, exercita o “voltar atrás” ou “não foi bem o que quis dizer”. Boquiaberto, me vejo perguntando: até quando pessoas de bom senso suportarão tanto descalabro? Será mesmo, como pontificou Veríssimo, que o ódio ao PT – responsável imediato pela eleição do novo time – ainda continua e se mantém maior do que o amor à democracia e à razão política? E mais: a comédia de erros não para, e pelo reverso, caminha veloz e já ganhou a condição de piada e até virou quadro cômico em programas humorísticos, no Brasil e no mundo. 

Desde a proclamação dos resultados eleitorais, algo acalmava minha inquietude, supondo reações que viriam, ainda que lentas, mas progressivas. A declinação dos chefes escolhidos que resultaram na composição, digamos eclética, do ministério serviria de arauto dos dias que se tumultuam. E tudo é intrincado, pois mesmo não concordando com Sergio Moro, percebendo-o como deslocado, respeito sua coerência – sinceramente, sinto pena dele ao notar admitindo, por dever de mando, o uso de armas. Digo o mesmo de Paulo Guedes que, afinal, é dono de uma metodologia admirável, ainda que não olhe pelos pobres e nos ameace com medidas exageradamente liberailizantes. Mas o resto! Nem preciso aborrecer os leitores com a ladainha de bobagens da ministra Damares. Na mesma linha, dispenso o contraste com o PT, guardião de erros já sobejamente expostos. Qualquer reflexão mais consequente leva perguntar se há algum denominador, algo que explique as disfunções que assistimos pateticamente. Existira ideia ou uma “política”, além da colagem maluca que mais parece piada de mau gosto? Há algum substrato filosófico escondido no que está acontecendo? E vejam que estamos ainda no limiar de quatro anos que prometem desdobramentos temerosos. Mexer com a articulação que definiu o pacto climático global e com a “nossa” Amazônia não é coisa pouca. 

O enredo dos deslizes, malditos e equívocos pode parecer coisa da imprensa ou dos opositores inconformados, mas num mergulho mais profundo, aceitemos o convite a pensar que sim, que há algo mais e que vai além dos desencontros de falas isoladas, cores de roupas e metáforas de liquidificadores. E não deixemos por barato, pois as consequências são ameaçadoras. Também não sou dos que sustentam que há uma onda mundial assolando a democracia, e a fatalidade do liberalismo é a lei do futuro. Simplesmente, não. Este pressuposto, aliás, é o primeiro passo para o reconhecimento de que o maior sintoma da insanidade política decorre exatamente do que se convencionou chamar de “antiglobalismo”. Como se fosse um avesso do patriotismo, uma política internacional que “proteja os genuínos valores nacionais”, é alardeada desde pressupostos que multiplicam slogans ridículos como “nossa bandeira é verde-amarela e jamais será vermelha”. Bobagens a parte, partamos para reflexões sobre as (des)vantagens das relações bilaterais. Acontece que alguém esqueceu de avisar ao presidente que não somos os Estados Unidos, e que a China é nosso cliente preferencial. Ainda bem que, como em tantos outros itens, o mandatário chefe voltou atrás no caso do MercoSul. Imagine criar problemas com a Argentina, nosso terceiro consumidor. Mas, os tropeços internacionais ainda estão a nos aturdir, e, um dos casos mais consequentes seria a mudança de nossa embaixada da capital Telavive para Jerusalém. Não cabe esquecer que o mundo árabe é nosso mais forte consumidor de carne. Imaginemos cutucá-los sem outro propósito que o “macaqueamento” ianque ou a fidelidade bíblica que elege Jerusalém como sede do “povo de Deus”. É verdade que toda esta política que se insinua tem como base o interesse comercial, mas o respeito a valores culturais da humanidade também atua como moeda de troca. No mundo de hoje, os valores éticos e universais estão postos como pauta coletiva, e não se admitem atrasos culturais no diálogo da comunidade mundial. O uso da palavra “conservador” foi propositalmente evitado, pois o que se vê é mesmo “atraso. Atraso que precisa da liberação da posse de armas, da confusão entre sexo e gênero, do controle das ideias nas escolas, da fantasia do combate à corrupção e da farda para garantir prestígio que não se tem no mero fortalecimento das instituições montadas a duras penas. O desmantelamento de todas as instituições públicas é a grande prova do pecado político. E também atesta um programa que não vai dar certo.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

TELINHA QUENTE 344

Roberto Rillo Bíscaro

Martins Pena é conhecido e até respeitado por suas comédias, mas sua produção dramática sempre foi esnobada. Em Fernando ou O Cinto Acusador, o herói D’Harville é preso no mesmo calabouço onde seu pai fora encarcerado, também vítima do titular Fernando. E não é que D’Harville descobre o esqueleto do pai e, junto dele, o famigerado “cinto acusador”, onde estão escritas com sangue as seguintes palavras: “Vítima das perseguições do infame Fernando Strozzi. Um homem de honra viu aqui sua hora suprema. Aquiles, vinga a morte de teu pai”? Diz-se que um grupo montou a peça em tom farsesco e arrancava gargalhadas mediante tamanho melodrama absolutamente despreocupado com qualquer espécie de realismo.
Isso me veio muito à cabeça durante a trinca de episódios de Ordeal By Innocence, que a BBC exibiu na primeira quinzena de abril, do ano passado. De três anos pra cá, a estatal britânica tem transmitido modernizações da obra de Agatha Christie (leia a resenha pr’O Caso dos Dez Negrinhos), no Natal.
A história entupida de flashbacks roga pro telespectador esquecer qualquer escrúpulo realista ou verossímil e mergulhar em suas sanguinolentas águas turvas. Está tudo exagerado, desde a cinematografia às interpretações. E isso não é crítica derrogatória. É constatação.
Rachel Argyll, nobre milionária que não podia ter filhos e adotara cinco, aparece morta numa das salas de sua enorme propriedade. Seu rebelde filho Jack é suspeito, julgado e condenado pelo crime e até morre na prisão. Dezoito meses depois, um forasteiro que diz ser físico retornando duma expedição ao Ártico, apresenta-se na mansão com álibi inocentador pro finado Jack. Mas, se não foi ele, quem matou Rachel?
A desculpa pra que todos os suspeitos estejam reunidos no vasto espaço é o iminente casamento do patriarca Argyll com moça décadas mais jovem. Não demora pra descobrirmos que Rachel era megera indomada e todos possuíam motivos de sobra pra eliminá-la.
Resta saber, porque tamanha casca de ferida adotaria crianças e até uma negra, em plenos anos 50. Mas, lógica não é o forte de Ordeal By Innocence, que tem abrigo nuclear (atenção nele!), automutilação, homossexualidade enrustida, tendências suicidas e um terceiro capítulo com revelações e melodrama que fazem produção espanhola parecer contrita e, se encenados em chave cômica, rivalizariam com a obra de Martins Pena.
Tudo é over: a trilha-sonora, a disfuncionalidade da família e a cena final do fino e esbelto Bill Nighy, ou te arrepiará ou despertará gargalhada de prazer. Em mim, causou ambos. Os dois capítulos iniciais são interessantes e escuros também, mas francamente não me prepararam pro orgasmo de exageros do terceiro. Rapaz, esses ingleses, quando rompem o exoesqueleto fleumático da contenção das emoções vulcanizam com tiro, porrada e bomba!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

CAIXA DE MÚSICA 349


Roberto Rillo Bíscaro

Ao escutar o arrebatador galope épico de Tatanagüê, ouvintes mais experientes poderão cismar que ecoa o clima das canções de protesto, dominantes nos festivais de MPB nos meados sessentistas. Estarão cobertos de razão: o compositor de Tatanagüê é Theo de Barros, autor da antológica Disparada, covencedora do II Festival da Música Popular Brasileira, com A Banda, de Chico Buarque.
Já na metade da septuagenaridade, Theo tem biografia tão extensa e iimportante, que daria livro. Compositor, arranjador, instrumentista, produtor, empresário, Teófilo Augusto de Barros Neto fez trilha pra teatro engajado, com Guarnieri e Boal; formou quarteto com o albino Hermeto e até fundou gravadora, a Eldorado.
Sem lançar muito e bem longe da grande mídia, Theo ressurgiu ano retrasado com o álbum independente Tatanagüê.  Para as 16 canções, dezenas de músicos para executar os arranjos exuberantes e o paulista Renato Braz para cantar com excelência, a maioria delas.
As letras abundam em valorização dos elementos da brasilidade, como capoeira (Cavalo de Oxóssi) e mestiçagem, como em Mestiço, que idealiza, com melodia faceira, que a miscigenação tenha sido feita pelo amor à luz de candeeiros. Em Fruta Nativa, o corpo da mulher é composto por frutas brasileiras e Três Vertentes versa sobre choupanas iluminadas por candeia. Quem hoje canta sobre cambucás, em melodias tão lindas e sensíveis?
Tatanagüê traz convidados vocais: Monica Salmaso, na lenta seresta de Alguém Sozinho; Alice Passos, no irresistível samba de roda de Camaradinho. Dá vontade de aprender capoeira e fazer o corpo virar cata-vento. Mas o holofote é de Renato Braz, que resplandece quando precisa ir às alturas conclamatórias da faixa título ou quando carece ser delicado, como em Cantiga de Beira-Mar.
Sofisticado de doer, como a melhor estirpe da MPB,  musicalmente Tatanagüê vai do pan-americanismo andino de Barco Sul à Renascença, de trecho de Três Violas. Mas, nunca é tão simples; a maioria das canções opera em mais de um sub-sub-gênero, vide a catirada no meio de Desafio, que abre soando meio como fado.
E como não quer fugir do espírito contestatório, quando você pensa que Tatanagüê chegou ao fim com a despedida de Desafio, o próprio Theo vem alfinetar a pouca-vergonha política atual com o sambinha violonado de As Sombras. Depois do espetáculo orquestral-vocálico da quinzena de faixas irretocáveis, soa meio anticlimático, mas não estraga uma obra-prima. 

domingo, 20 de janeiro de 2019

ALBINO GAÚCHO

Morcego albino é resgatado pela Equipe de Fauna da Smams


A Equipe de Fauna Silvestre da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) realizou resgate de um raro exemplar de morcego albino em uma residência no bairro Jardim Carvalho, zona Leste de Porto Alegre. O mamífero, da espécie Molossus molossus, apresentava alguns hematomas e foi encaminhado ao Instituto Sauver para receber atendimento. “Os hematomas são, muito provavelmente, resultado de tentativa de predação. O animal ficará sob os cuidados de especialista e depois será devolvido à natureza”, explicou a bióloga da Smams, Soraya Ribeiro.

O albinismo é uma condição causada por uma mutação de genes responsáveis pela produção de melanina, resultando na total ausência de pigmentos na pele, cabelos e olhos. Este distúrbio genético raro é registrado em vários grupos de vertebrados, incluindo morcegos. O primeiro caso brasileiro de albinismo em Molossus molossus foi registrado no Rio Grande do Sul, na década de 1990.

SUPERANDO BARREIRAS CULTURAIS


Roberto Rillo Bíscaro

Uma das grandes crises globais é a dos refugiados, que precisam escapar de seus países em guerra ou intolerantes, pra algum mais seguro e rico. A princípio, parece que não há nada a ver entre uma mulher branca da pacífica e próspera Islândia e uma refugiada da Guiné-Bissau. Além das diferenças climáticas e étnicas, à primeira vista, os problemas de ambas devem ser diametralmente distintos, até mesmo pela condição socioeconômica e de direitos de seus respectivos lugares de origem.
A diretora Ísold Uggadóttir mostra que há mais em comum entre elas do que se poderia supor em seu Inspire, Expire (2018). Premiado no festival de Sundance, o filme consta do catálogo da Netflix.
Lára está perdida em seu próprio país: desempregada, prestes a ser despejada, ainda tem um filho pra criar. Adja está perdida no mundo: em perigo no país africano, tenta emigrar pro Canadá, pra poder viver em segurança com a filha e a irmã. Os caminhos dessas duas personagens se cruzarão, quando Lára consegue emprego como fiscal no aeroporto internacional de Keflavik, porta de entrada da Islândia. Ansiosa em mostrar serviço, a islandesa nota que seu colega não percebeu a falsificação no passaporte de Adja, que é enviada pra prisão a espera duma decisão governamental.
Quando Adja sai do cárcere e vai prum centro de refugiados, os percursos das duas voltarão a se cruzar, geralmente em cenários escuros, frios e desoladores, pra espelhar seus estados de espírito. Quieto e dando suas explicações de forma discreta e a conta-gotas, Inspire, Expire revela o núcleo comum que une as duas mulheres. E também nos mostra a solidariedade possível entre elas.

sábado, 19 de janeiro de 2019

O FILHO DA LUA

Em meio a um dos lugares mais quentes do país, conheça Mailon, o menino albino que aprendeu a viver sob os efeitos do sol.

Para acessar a reportagem, clique no link:

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

TELONA QUENTE 271



Roberto Rillo Bíscaro

Explicitar e zombar das convenções dos filmes de horror não é a única construção pós-moderna fingindo desconstruir o subgênero. Inverter clichês é recurso menos frequente, mas rendeu slashers criativos, como o menosprezado Cherry Falls (2000), no qual as vítimas são as virgens.
Em 2018, dois filmes com títulos e ambientação bastante parecidos exploraram ambas possibilidades. Blood Fest foi discutido aqui; hoje é a vez de Hell Fest, que também despeja seus personagens em parque temático de horror, pra dizimá-los um a um. Enquanto Blood Fest zomba das convenções, Hell Fest tenta invertê-las. Não se dá muito bem.
Uma das convenções dos slashers é que o assassino serial mascarado permaneça despercebido a maior parte do tempo. As personagens são eliminadas, quando se apartam do grupo, que, demora a aceitar que algo mortal esteja se passando. Hell Fest imaginou expor o maníaco a céu literalmente aberto: ao invés de seguir suas vítimas na surdina, como estão em um local onde dezenas de funcionários e frequentadores estão vestidos como monstros e dão sustos a cada 15 segundos, o mascarado gozaria do mesmo anonimato de um Michael Myers, mas, visto por uma multidão. A ideia é assaz esperta, mas não é sustentada o filme todo, e a maioria das poucas mortes se dá na solidão, como em qualquer slasher não metido a brincar com convenções.
A produção é excelente; são dezenas de extras fantasiados ou não, além de ambientes muito criativos, que dariam ensejo a mortes deliciosas, mas os escassos óbitos são batidos demais. O problema é que Hell Fest parece ter sido executado no piloto automático: tá tudo bem feitinho, mas, apesar da grande premissa, é só mais um slasher, que nem tantas mortes tem. Indicado apenas pra fãs doentes de Jason Voorhees (o mascarado anda devagarzinho que nem ele) e sua descendência ou pra teens em grupo se divertirem com pipoca e guaraná. Aproveitem e façam sessão-dupla com Blood Fest!
Se você não é fã do subgênero, no Youtube deve ter algum vídeo que mostre só as mortes. Se bem editado, não daria um minuto.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

CONTANDO A VIDA 261

MAU DE MATEMÁTICA: NÃO ESTOU SOZINHO... 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Sou daquele time que, na escola, sempre foi mal em matemática. A matéria me era pesadelo e minha briga com ela chegou a causar algo que mais tarde se fez conhecida como “depressão adolescente”. Mais ainda, era mesmo um enigma de difícil explicação, pois afinal, como ser bom aluno em todas as demais áreas, menos naquela que comanda os números, inclusive para a aprovação de um ano para o outro (naquele tempo, para “passar” era preciso estar quites, “com média”, em todas as disciplinas). O pior é que meu suplício pessoal atingia também outras pessoas, inclusive professores, isso porque nos usuais “conselhos de classes” havia os que achavam que eu merecia crédito por ser melhor como aluno em humanidades, e que minha “deficiência crônica” era mesmo pela absoluta “falta de jeito na matéria”. Foi exatamente por isso, pela necessidade de provar que não estou isolado no universo dos que têm dificuldade nesse enredo complicado, que me vi convidado a buscar exemplos históricos. E me deleita saber que pessoas que se distinguiram no cenário mundial tiveram os mesmos percalços que eu, pobre mortal. Não quero dizer que não ser solitário nesse segmento é motivo de orgulho, mas serve de alento. 

Quando aprendi que Michael Faraday (1791 – 1867), o primeiro a equacionar as peças do motor e do gerador elétricos, aquele que criou o utilíssimo botão de “liga e desliga”, sofreu com o enredo dos números, fico com vontade de mostrar a língua para a humanidade. E tudo ganha força ainda mais luzidia quando evoco a aversão que Charles Darwin, pai da teoria evolutiva – que a ministra Damares não nos ouça –, o mesmo que concebeu a complexa explicação científica da seleção natural, quando jovem, era sempre preterido na matéria. Sinceramente, para mim, sua descrição sobre as dificuldades soam como música, eis o que disse “tentei aprender matemática, mas era muito difícil, e a absorção lenta, tudo muito devagar”. Desesperados, seus pais até contrataram professor particular que, desistiu do esforço. Aliás, outro parceiro também personagem do mundo da evolução e do evolucionismo, Jack Horner, contemporâneo nosso – que recentemente viu transposto para o cinema suas teorias sobre o fim dos dinossauros nos filmes que abordam o intrigante “Jurassic Park” – também padeceu do mesmo mal. Horner teve que brigar com os adaptadores do roteiro, pois a contagem dos séculos não batia com a racionalidade do enredo. E. O. Wilson, também nosso contemporâneo, o maior especialista em sociedade das formigas, deixou registrado no seu livro “Cartas para um cientista jovem” que “todo esforço para superar as dificuldades nos cálculos deve ser feito, pois os resultados justificam”. 

Outra que achava que os números deveriam ser subordinados às palavras e à história, Agatha Christie, precisava de ajuda de terceiros, pois em livros que eventualmente implicavam cálculos – até mesmo distâncias de datas e anos entre um evento e outro – tinha que se valer de auxiliares para descrever as aventuras de suas tramas policiais, sempre incríveis. Diz a lenda que os editores corrigiram várias vezes os cálculos usados em seus romances. Em particular, dois tipos deliciosos da mais importante escritora de policiais tiveram revistos seus cálculos: Miss Marple e o insuperável Hercule Poirot. 

Mas a lista é bem longa e antiga (felizmente). Em 1870, o grande Alexander Graham Bell, publicamente declarou sua dificuldade em aplicar lições da matemática e reforçou a afirmativa dizendo que sempre precisava de alguém para conferir seus cálculos, reavaliar se estavam corretos, mesmo nas “continhas” domésticas. O inventor do telefone não sabia bem a tabuada e sempre que em dúvidas, usava os dedos para operações simples de soma ou subtração. 

Fiquei incontido quando, outro dia, li artigo que retomava um ensinamento importante do empresário Stephen Jobs, um dos fundadores da Apple. Dizia ele que com o uso dos aparelhos eletrônicos, a matemática poderia ser assunto de especialistas e que os cidadãos comuns a precisavam apenas para efeitos práticos do dia a dia. Completando, afirmava que “a matemática é fundamental nas escolas para exercitar o raciocínio e deve ser motivada com alavanca”. É claro que me valem referências das dificuldades que também assolaram atores como Elizabeth Taylor e Marlon Brando; saber que Maria Callas e Maysa eram ruins de calculo foi tão bom quanto registrar que Carlos Drummond de Andrade e João Cabral também pelejavam com a matéria. É claro que respeito os adeptos da disciplina. Claríssimo. Na verdade, sinto até a tal “inveja branca”, mas confesso também que se não fosse pelos problemas que enfrentei vida a fora com essa área, talvez, não estivesse tão feliz por ser quem sou como modesto historiador.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

TELINHA QUENTE 343



Roberto Rillo Bíscaro

Reconforta que a Netflix lance séries de países fora do circuito anglófono, ou melhor, fora dos Estados Unidos, porque anglófono englobaria Nova Zelândia, mas o mais próximo dela no serviço é Top Of The Lake. O sucesso da espanhola La Casa de Papel e da catalã Merlí prova que bem divulgadas e boas, produções “estrangeiras” (nos termos das categorias propostas pela Netflix, como se ianques não o fossem) podem ser bem-sucedidas.
A Noruega foi o penúltimo dos países escandinavos a ser descoberto por suas séries e a nossa Netflix já adicionara Nobel a seu catálogo no fim de 2017. Em março de 2018, foi a vez dos 8 capítulos de Grenseland, chamada pelo nome internacional em inglês, Borderliner.
Anima a curta defasagem entre sua exibição pela TV2, na Noruega, em novembro, de 2017, e a oferta, inclusive dublada, no catálogo brasileiro. Dizem que é por se tratar de coprodução com a Netflix. Se é assim, por que, então, a finlandesa Sorjonen ainda não fora oferecida pra nós, uma vez que foi ao ar originalmente, em 2016 e está creditada como coprodução também? E é mais legal do que Grenseland...
Não que a norueguesa não seja competente, mas há melhores no cardápio do próprio país, como Frikjent, Okkupert ou a sensacional segunda temporada de Mammon.
Grenseland é Nordic Noir tipo exportação; parece que os roteiristas iam ticando as características formo-temáticas do subgênero, mas sempre fica uma nota abaixo de obras-primas como Forbrydelsen ou Bron/Broen (talvez eu queira demais, também).
Em pequena, brumosa, cinza e fria cidade na fronteira com a Suécia, um crime é cometido, além dum suspeito desastre de automóvel. De Oslo, chega o policial Niko, meio de licença, porque está prestes a testemunhar contra veterano colega de farda, popular e amado pela corporação. Niko não é intrinsicamente atormentado como sua predecessora Sara Lund ou socialmente inapto como sua contemporânea Saga Norén, mas tem seu segredinho, que, no contexto escandinavo pesará mais pelo aspecto ético da investigação do que por fardo de opróbrio social.
O problema é que o paladino da transparência, honestidade e ética policiais logo descobre que seu irmão, também meganha, está atolado até o pescoço não apenas no crime, mas em seus antecedentes e desdobramentos. Como lei é só pra zinimiga, Niko ajuda o mano, mas claro que tudo se transforma numa bola de neve com policial local desconfiando, ramificações com o caso do policial em Oslo, drogas, o pai e alguma coisa mais. 
Grenseland consegue aliar tensão e clima macambúzio com aquela incidental veladamente ameaçadora e sombria. Mas, não todo o tempo, como em seus congêneres mais famosos. Pra quem é mais paciente com certa lentidão, funciona, mas quem não dá conta de certo vagar e momentos sem diálogo, estranhará.
Se você já é escandinófilo ou se acostumou a produções europeias menos bombásticas que a Netflix disponibiliza, tipo A Louva-a-Deus ou Glacê, manda brasa. Se não, tente antes botar os olhos em algumas das norueguesas citadas lá em cima ou em Forbrydelsen (tinha na Netflix, sob o título The Killing, mas cuidado pra não cair na armadilha da porcaria da releitura norte-americana!) ou Bron/Broen (não vale a refilmagem The Bridge que também tem na Netflix).

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

ANDREZA ARRASA

Andreza Aguida, a albina que faz de sua autoimagem uma forma de ativismo
"O albinismo traz limitações e cuidados, mas não impossibilita a gente."
Começa de costas, com dois ventiladores em funcionamento, um de cada lado. O longo cabelo branco se move de acordo com o vento. Aos poucos, Andreza Aguida, 38 anos, se vira. Às vezes fecha os olhos por alguns instantes, altera a velocidade dos ventiladores e o cabelo continua voando pelo seu rosto de forma aleatória. Ao fundo, coloca uma projeção de tempo ruim e segue ali, em pé, entre o vento. Esta é uma das performances criadas por ela. “Chama ‘Brincando com a Tempestade’ e dialogo muito como o meu processo histórico. Questiono essa questão da figura da mulher, vista como frágil, aliada ao albinismo e às questões de pele sensível, problemas de visão e fico brincando e me movimentando e a mensagem é estar firme e íntegra em meio às tempestades da vida, porque elas passam”. Andreza passou por várias delas ao longo da vida e resolveu colocar essa experiência pessoal em seus trabalhos artísticos. “Eu vivo isso ainda, as pessoas me fragilizam muito por causa da condição de albina e também pelo feminino. Uso todas essas indagações para criar”.
Hoje, grande parte de seus trabalhos está diretamente ligado a sua identidade e sua imagem. Considerada uma doença pelo Classificação Internacional de Doenças (CID), Andreza tem albinismo, mas não gosta de associar sua condição a um estado de saúde frágil. “Não falo que sou doente, falo que sou albina. É uma doença, mas o albinismo em si não te mata, mas traz consequências que podem te matar. Eu prefiro definir como uma condição genética porque o que acontece é que muita gente vê os albinos como coitadinhos e estamos num processo de quebrar isso. É uma doença porque está no Código Internacional de Doenças, mas estamos vivendo, eu trabalho, estudo, faço um monte de coisa. Traz limitações e cuidados, mas não impossibilita a gente”.



E ela que o diga. Formada em engenharia elétrica, trabalhou durante dez anos na área. Depois, após uma demissão e uma desilusão com a carreira, foi fazer, aos 28 anos, uma nova formação em educação física. Fez intercâmbio, morou em Portugal por seis meses, viajou sozinha, fez um curso no Japão, fez mochilão. Deu aula de elétrica na Fundação Casa e de alongamento no Parque da Água Branca, em São Paulo. Em meio a tudo isso, começou a se envolver com trabalhos artísticos. Hoje, faz performances, canta em hospitais e atua como modelo também. Além disso, participa de grupos de albinos para disseminar e trocar informações e promover debates sobre o tema.

O grande objetivo que tem com todas as suas atuações é mostrar que ela, assim como qualquer outra pessoa albina, é capaz. “Tem albino que se aposenta precocemente porque é pessoa com deficiência e pode fazer isso. Mas eu não quero ser uma pessoa que pode se aposentar, quero que se vejam como capazes de trabalhar e conseguir coisas. A aposentadoria existe, é um direito, mas não justifica me aposentar por invalidez porque eu não sou inválida. Tento mostrar que é mais interessante você vislumbrar um emprego, conviver com outras pessoas, fazer, agir, existir e não ficar em casa, porque muitos se submetem e a isso e é uma batalha não cair nessa visão do assistencialismo”.


Outra via forte do trabalho de Andreza é em relação aos processos de aceitação – sempre passando pelo seu próprio também. “Como comecei a dar minha cara a tapa, mostrar minha imagem, sair com o cabelo sem pintar, outros albinos também começaram a ressignificar esse olhar, ver beleza na própria imagem porque muitos escondem, pintam a sobrancelha e o cabelo para passar despercebida e eu não passo despercebida, não tem jeito”. E nem quer isso. Exibe com orgulho seus cabelos e se mostra confortável com sua condição hoje. “Não condeno quem queira pintar, mas acho que o intuito é mostrar que ela pode pintar, mas ao mesmo tempo também pode valorizar e ver beleza em sua essência, que é o branco. Sem condenar, um monte de gente pinta o cabelo, mas uma coisa é pintar porque quer diversificar e outra porque quer se esconder”.

Mas sabe que não é um processo fácil. Desde adolescente enfrenta limitações e deixa claro há dificuldades. Andreza lembra que com seus 13 anos era “bem rebelde”. O tipo de albinismo que ela tem afeta a visão – por causa da ausência de pigmentação isso pode acontecer, mas não afeta todo os albinos. Andreza tem acuidade visual de 10% – e isso era algo difícil para ela. Conta que queria andar de bicicleta, fazer as coisas sozinha e se sentia limitada. “Mas com uma 16 anos me deu um clique de que precisava me aceitar e que as coisas não iam mudar, a realidade é essa”.

Assim encarou a vida e suas vontades. E não se deixou abater. Foi estudar, buscou suas coisas. Sofreu durante a faculdade, mas concluiu o curso e criou uma carreira. E depois resolveu mudar tudo quando sentiu que algo estava faltando. “Na engenharia faltava uma humanidade e para mim foi mais difícil ser mulher do que ser albina, ouvi muita coisa, sofri bullying, a turma dos maldosos chacotavam mesmo, me colocavam lá embaixo, era um alvo de piadas e fui engolindo sapo”.

E quando mudou tudo, junto com a nova carreira, encontrou o seu próprio corpo. A presença em academia começou na época em que era engenheira, para desestressar, e ficou encantada com a relação entre professor e aluno e quis investir nessa profissão. “Na educação física descobri a corporeidade, eu não tinha nada, era só área técnica, nunca tinha olhado para o corpo e fui descobrindo isso”. Começou a participar de workshops, eventos e logo estava criando projetos com suas performances – e sendo contemplada. “O primeiro eu chamei de ‘Percebendo’ e eu dialogava com o espaço físico, sem privilegiar a visão. Eu questionava o que você acessava do espaço, sentir as texturas porque geralmente você faz a leitura visual, mas não encostou em nada. E a partir disso deu certo, comecei a dialogar com a minha imagem e foram acontecendo as coisas”.

Abraçou essa nova carreira. E paralelo a isso, Andreza já atuava há bastante tempo com o grupo de albinos. Ela criou uma comunidade nas redes sociais a partir da vontade de conhecer outras pessoas como ela. “Eu tenho mais dois irmãos albinos e queria ver outros, não tinha visto mais nenhum na vida e fui pesquisar na internet e só tinha comunidade negativa. Era coisa como ‘tenho medo e nojo de albinos’, ‘brancos feios’, era horrível e aí resolvi criar uma”. Hoje o grupo já migrou de plataforma e conta com cerca de 1700 membros, entre albinos e pais de crianças albinas. No futuro, ela gostaria de criar uma associação de albinos e pretende atingir mais pessoas.

Segundo Andreza, quem mais precisa de assistência são aquelas que não acessam a internet. “Minha preocupação é com essas pessoas. Mas hoje tem mais informação. E acompanho os projetos de lei no senado, escrevo para os deputados, falo da necessidade de políticas públicas, mostro que a gente existe, que não é uma ilusão. Há um projeto de política nacional voltado a quem tem albinismo para distribuição de protetor solar para pessoas de baixa renda, distribuição de óculos. Isso é importante”.

Acredita que será possível conquistar esses direitos. Pode levar um pouco de tempo, mas isso faz parte, ela bem sabe. E está tranquila e disposta a esperar – e batalhar – por essas mudanças. Como fez em outros momentos de sua vida. “Fui levando mais na esportiva até os apelidos. Quando me chamavam de ‘branquela’ eu odiava. Hoje, se falam isso, eu digo que sou mesmo. Se estão me olhando muito, eu mando um beijo, dou tchau, comecei a mudar a forma como dialogava com isso. Hoje eu uso a minha imagem a meu favor. Tudo que eu vivi, fez eu ser o que eu sou”.

Não importa o tamanho – e a força – da tempestade.

CAIXA DE MÚSICA 348


Roberto Rillo Bíscaro

Em 1979, o vocalista/tecladista Gary Daly e o guitarrista Eddie Lundon formaram o China Crisis. Como eram dos arredores de Liverpool, assim como o OMD, Echo & The Bunnymen e A Flock Of Seagulls, a imprensa musical inventou uma espécie de cena, que jamais houve. Eram (hmmmm, são, porque todas ainda existem) propostas diferentes.
Com formação flutuante, o China Crisis (CC) não passou de sucesso mediano: a colocação mais alta nas paradas britânicas de álbuns/singles não passou de oitavo e isso se repetiu no resto do mundo com dinheiro pra consumir, dos anos 80.
Gary e Eddie descontinuaram o CC, em 1995, mas faziam ocasional show aqui e acolá; de vez em muito quando, até nos EUA e mais frequentemente naqueles lugares sedentos por velharias 80’s, tipo Filipinas.
Não me recordo de China Crisis nas FMs do sertanejo oeste paulista, na minha década favorita. Pelo menos não de 83 pra frente, quando obtive acesso a essa frequência modulada. Conheci-os na era do Youtube, quando me inteirei de delícias ora amadas como Nowhere Girl, do ainda mais obscuro B Movie. CC não me convenceu, ouvi diversas faixas e me soaram sem sal, com alguns maneirismos de produção superfaceless, daí não tentei mais.
Os algoritmos do Spotify perceberam que pesquiso e escuto bastante coisa relacionada aos 80’s e há algumas semanas sugeriram-me lançamento do China Crisis. Constava que Autumn in the Neighbourhood fora lançado ano passado. Como sempre dou chance a oitentistas, aventurei-me na primeira canção e a sonoridade estava bem mais orgânica, acústica, sem aquele verniz genérico de quando quiseram ser New Wave.
Dois ou três trechos mais e já baixava pra ouvir offline, enquanto procurava por informações sobre. Confiar em data do Spotify é como crer em promessa de campanha: Autumn in the Neighbourhood saíra em junho de 2015! Como o Swing Out Sister, Daly e Lundon recorreram à vaquinha no PledgeMusic para produzir as onze faixas.
Eliminadas as camadas de teclados despersonalizados e a bateria eletrônica artificial, Autumn In The Neighbourhood ficou uma delicinha naquela vibe adult contemporary.
Smile começa os trabalhos com arremedo de música “clássica”, que me remeteu imediatamente à versão extended de Since Yesterday, do Strawberry Switchblade, antes de se transformar numa espécie de New Wave semiacústica, composta por quem ouviu muito Ashes To Ashes, quando adolescente. E é também em clima New Wave, mas em registro mais midtempo, que termina o álbum. Quem ouvia FM no início dos 80’s, não terá objeção alguma.
Cheio de melodias lindas, o China Crisis compôs um álbum integralmente agradável. Quem curte Prefab Sprout encantar-se-á com Down Here On Earth, mas aposto que muito devoto de Burt Bacharach não resistirá ao charme easy listening de Fool. Totalmente Tears For Fears, encarnação Advice to the Young at Heart, até com guitarrazinha soft rock.
Easy = fácil. Assim é tudo, independentemente das inflexões. A faixa-título, Being In Love e Bernard incursionam pelo blue-eyed soul. Essa última tem até coro de menina fazendo papapapa; assim não guento!
Because My Heart tem guitarrinha country, que também assombra a maior parte da longa introdução de Tell Tale Signs. Wonderful New World passeia bem pelo gosto do indie rock atual, que pode ser apreciada por certos fãs de Belle And Sebastian (sonicamente, não em termos de letra, claro). Joy And the Spark é tão balada oitentista que tem até discreto saxofone, instrumento-símbolo da década. My Sweet Delight faz jus ao nome, com seu delicado clima de valsinha folk, com acordeão e tudo.
Quem diria que o China Crisis me conquistaria apenas em sua encarnação século XXI? Pra ver como os anos 1980 recusam-se a morrer.