sábado, 30 de março de 2019

O PINGUIM BRANQUINHO

Pinguim albino extremamente raro nasce em zoológico na Polônia

O animal nasceu em dezembro de 2018 e corre o risco de ser rejeitado por outros membros da espécie
Nasceu, no zoológico de Gdańsk, na Polônia, um filhote de pinguim albino extremamente raro. O animal tem a plumagem completamente branca por causa de sua mutação genética, que fez com que ele tivesse que permanecer sob cuidados veterinários desde o seu nasciemto, em dezembro de 2018.
O albinismo ocorre quando um animal não tem melanina, o pigmento marrom escuro ou preto que ocorre no cabelo, pele e íris de pessoas e animais. No entanto, essa falta de pigmentação causa problemas e torna os animais albinos mais propensos aos efeitos da luz solar, como defeitos na pele e lesões oculares, que podem afetar sua capacidade de coletar alimentos.
O pinguim também corre o risco de ser rejeitado por não ter as características da espécie, o que diminuiria suas chances de sobrevivência. "Uma das maneiras pelas quais os pássaros se reconhecem é sua plumagem", afirma Vikki McCloskey, curadora do Aquário Steinhart, da Academia de Ciências da Califórnia, ao IFLScience. Apesar de McCloskey não ser afiliada ao Zoológico de Gdańsk, ela trabalha com uma colônia de pinguins africanos da e tem uma vasta experiência no manejo das aves marinhas.
Ela explica que os pinguins não desenvolvem seus "smokings" (com a pelagem escura) até passarem pela primeira muda adulta. “Se esse pássaro nunca tiver um smoking, então imagino que os outros pássaros o consideram um juvenil, não importa quantos anos ele tenha”, afirma McCloskey, acrescentando que já são conhecidos alguns pássaros com padrões de cores diferentes ou mais penas brancas no rosto.
Mas isso não torna o caso do pinguim albino menos importante, já que só se sabe de um outro caso do tipo, em que o animal nasceu nna Grã-Bretanha, em 2002, e morreu pouco depois.
Para o Zoológico de Gdańsk, o filhote é um presságio de sucesso no futuro. "É por isso que mantemos os dedos cruzados para o nosso pingüim, dando-lhe um cuidado especial".


sexta-feira, 29 de março de 2019

DUMBINHO ALBINO

Um elefante albino de dois ou três meses, de cor rosada, foi filmado por um guia turístico no Parque Kruger, na África do Sul. Estes animais são muito raros.

quinta-feira, 28 de março de 2019

TELONA QUENTE 281



Roberto Rillo Bíscaro

Observar o papel feminino nas narrativas cinquentistas é fascinante. No caso das produções sci fi, podia haver uma, no máximo duas cientistas numa tripulação. Mas, era sempre pra gerar interesse romântico e elas não eram chefes ou comandantes. Pelo menos estavam lá, porém.
Projeto Base Lunar (1953) chega a ser bipolar na representação da personagem feminina em comando e é exemplar em manipular plateias, ainda que tenha sido tudo inconsciente.
Originalmente, Project Moonbase era pra ser série de TV, mas o piloto não passou da fase de exibição pros chefões televisivos e não foi adiante. Orçamento da telinha nos 50’s era esmolar; não havia tantos anunciantes ainda. A Galaxy Pictures não queria perder os 30 minutos filmados, por isso, associou-se à Z-M Productions, que rodava Catwomen Of The Moon, e adicionou mais tempo à produção. Essa parceria implicou que os 2 filmes tivessem muitos cenários e adereços praticamente idênticos e fossem lançados com um dia de diferença.
Project Moonbase (PM) se passa na então futura década de 1970, quando os EUA inaugurariam sua estação-orbital pra vigiar o planeta e garantir a paz. Há espiões frios de potências inimigas dispostos a tudo pra destruir o projeto, mesmo que isso custasse suas vidas. À época do macarthismo, nem precisava nomear a nação rival; o público sabia que eram os russos, embora os atores nem tenham se dado ao trabalho de fingir sotaque estrangeiro.
Na véspera da decolagem, o General Greene (o Dr. Bellows, de Jeannie é um Gênio) avisa ao Major Moore que a missão ficará a carga duma mulher, a Coronel Briteis. A ansiedade cinquentista devido a uma mulher em posição de mando sobre um macho adulto branco explode na hora, com o moção se recusando a ir e depois com o General – numa cena inacreditável pros dias de hoje – ralhando por uma queixa de Briteis, dizendo que a colocaria no joelho e lhe daria palmadas no bumbum! 
Uma vez na missão e com as pressões por conta do espião e da própria viagem, Briteis desmorona, começa a agir “femininamente” (ela diz assim!) e o Machor Moore assume o controle.
Mais pro final, presos na lua, vem ordem presidencial pra que fiquem lá e iniciem colônia. Safadinho, Moore comenta com Breiteis que vai adorar brincar de Adão e Eva. Pouco depois, finalmente vemos que se trata duma presidenta, que, acaba “consertando” o problema da patente entre Moore e Breiteis. Ele deixa de ser Major, mas fica mais Machor: será o Comandante Geral da base lunar. Quer dizer, agora Moore e Breiteis estão em posições corretas, ele acima dela. Mas, acima de todos está uma mulher, que aliás, tem o poder de construir hierarquias. Isso torna PM complexamente bipolar, mas a manipulação está no fato de que o público se identifica e convive apenas com Breiteis e Moore, então são eles que interessam, eles que representam o próximo, o tangível. A presidenta aparece por menos dum minuto, através dum monitor, não se afigura como concreto, como algo preocupante de subversão ou inversão de papeis, até porque em inglês não existe marcação de gênero na palavra ‘president’ ou mesmo ‘the president’. A alienação da presidenta é tão grande, que está em outro planeta! Na lua, a colonização começará como tem de ser: com um casal, mas com o Machor no comando.
Planet Moonbase é superobscuro e seus detratores dizem que é muito palavroso. Dá pra entender, porque TV na época era bem estática, puro falatório, porque faltava grana pra tudo. Mas, as gracinhas compensam esses momentos de blá, blá, blá. Tem estação orbital, gente andando de ponta cabeça, tripulação indo pro espaço de bermuda e camiseta e usando touca que parece aquelas que a gente põe pra não molhar a cabeça na piscina.
Sou fã; já vi umas 3 vezes.

terça-feira, 26 de março de 2019

TELINHA QUENTE 353

Roberto Rillo Bíscaro

Quando a primeira temporada da francesa Les Témoins debutou na Bélgica, em novembro de 2014, a Europa encontrava-se varrida pela gélida lufada do vento Nordic Noir. Dinamarca e Suécia congelaram e escureceram telinhas na Espanha, Reino Unido, França e outros.
A meia dúzia de capítulos reza obediente o breviário escandinavo: no cinzento, úmido e congelante inverno nortista francês, detetives problemáticos investigam crime hediondo.
Na costeira Le Tréport – que tem pouco mais de 5 mil habitantes – alguém está desenterrando cadáveres ainda frescos e dispondo-os em idílicas cenas de convívio familiar amoroso em uma casa-modelo num condomínio. Les Témoins pode ser escancarada cópia de Nordic Noir, mas em termos de morbidez supera sua inspiração.
Sandra Winckler, Justin e o tristonho policial aposentado por invalidez Paul Maisonneuve (olha o simbolismo uau do sobrenome!) mergulham no mundo das pistas falsas e conclusões sacadas de quase nada, que cobrem todas as motivações dum serial killer com recursos inesgotáveis, ubiquidade e controle até sobre o imponderável. Mas, será que é um só mesmo?
Les Témoins é pura diversão macabra implausível, porque se quiséssemos verossimilhança, veríamos datenices ao fim da tarde. Os capítulos e cliffhangers prendem e despertam curiosidade pro próximo; o clima macambúzio - embora menos que o típico escandinavo – envolve; as roupas de inverno são lindas e o elenco fotogênico. Que mais esperar duma série de policial noir?

Em 2017, Sandra Winkler e seu parceiro Justin voltaram pra mais uma mórbida aventura, mais decalcada ainda de Nordic Noir, porque o criador não poupou esforços pra chocar. Como tudo que é em excesso – mesmo excessivos shows policiais – parece postiço. Witnesses: a Frozen Death às vezes dissipa-se em seu próprio frenesi maluquete psicopata.
Num ônibus, são encontrados 15 homens congelados, imaculadamente vestidos e penteados. Simultaneamente, uma mulher retorna totalmente desmemoriada a Lille após anos desaparecida. Ponto de partida super Bron/Broen; não há como não grudar na telinha com um mistério desses.
Agora com 8 episódios e patologicamente centrada em Sandra, Witnesses começa a incorporar tantos elementos, que quando chega o final você nem se importa mais com a trama, apenas com o desenrolar do nonsense. É Minotauro, mulher traumatizada que pensa ser criança, velho maluco defendendo doideiras sobre suposta vontade infante por liberdade, enfim, evidencia-se demais a construção do roteiro. Não flui com naturalidade, é forçado, e pra isso há que se contar com tantas decisões estúpidas, que, muitas vezes dá vontade que Sandra ou quem tomou a decisão realmente se estrepe.
Fãs de policial bizarro oriundo de Nordic Noir gostarão, mas quando Sandra adentra uma espécie de comuna infantil o expectador já estará tão saturado de sandices, que o efeito é mais anestesiante do que excitador. 

segunda-feira, 25 de março de 2019

CAIXA DE MÚSICA 358


Roberto Rillo Bíscaro

Nani Medeiros cresceu influenciada por seus irmãos músicos, então, seu diploma de bacharel em direito (como o paulista Flávio Tris) tem menos importância pro mundo, do que seu trabalho como locutora, apresentadora e atriz. Fã de Elis Regina, Medeiros lançou seu primeiro álbum ano passado.
Valentia traz dezena de faixas, onde o samba dá o tom à metade do material: Sabor Amargo, Negra, Não Volto Atrás, Ilê e a faixa-título porão suas cadeiras pra requebrar.
Sétimo Drinque é samba, mas bossa, com letra totalmente sinestésica, uma maravilha, num trabalho que só traz inéditas e mostra que a MPB vai muitíssimo bem, obrigado. Tem até chorinho abolerado com letra de bofe sofredor, melodramatizando em mesa de bar, confira Batom Azul. Coisas Raras é seresta; Coração Passageiro, ijexá e Viver do Mar, aquelas solenes baladonas MPB só ao piano, linda.
Valentia traz arranjos límpidos, certeiros pra agradar apreciadores de vozes femininas cristalinas, entoando MPB com sabor anos 70.
Mais informações no site de Nani Medeiros.

Livia Mattos começou no circo, então, performance e criação musical pra cenas sempre estiveram em seu rol de habilidades e interesses. Sanfoneira e integrante da trupe de Chico César, Lívia excursiona pelo mundo, solo e com Chico. Além da música, dedica-se à carreira acadêmica. Formada em sociologia pela Universidade Federal da Bahia, dedica-se a resgatar narrativas e experiências de profissionais circenses idosos, pra preservar suas memórias.
Com tantos influxos artísticos, educacionais e de vivência estradeira, o som de Lívia Mattos não poderia se restringir a folclorismos sanfoneiros xotados ou forrozeiros. Não que houvesse erro se assim fosse. Em 2017, saiu o totalmente autoral Vinha da Ida, que mostra artista pesquisadora e unificadora de tradição e modernidade. 
A dezena de canções começa com o filé-mignon da faixa-título: sem usar electronica, Livia cria pop com sanfona fracionada e barulhinhos, que não faria feio se comparado aos experimentos do mineiro Psilosamples, em sua fase Mental Surf. Outro ponto acima da média é a circense Melodia-A-dia, música de picadeiro, cheia de efeitos e onde o limite do silêncio chega ao desconforto: há duas interrupções tão longas que você pode pensar que houve problema com seu player.
O resto de Vinha da Ida nem de longe é tão aventureiro, mas isso não significa debilidade. Quando a sanfona vem mais sassariqueira, carimbozada ou forrozada, sempre é em conjunção com toques latino-salerosos, uma delícia, como em Vou Lá, Mais Eu e O Que Eu Quero Levar? Pra descer o bundão até o chão! A malemolência reggae-xoteira de Amarear tem a participação de Chico César; Deixa Passar também flerta com o tradicional nordestino (o que quer que isso signifique), mas seu espírito é pop, porque tem outros temperos no caldeirão. E isso qualifica Vinha da Ida pra públicos mais amplos e sequiosos por novidade feminina na/da MPB.

Da cena recifense vem Isadora Melo, poliartista, que atua na TV e teatro, além de sempre ter estado envolta em música, desde a infância. Depois de participar de álbuns e turnês de diversos músicos, Isadora decidiu aventurar-se solo e em 2016, saiu Vestuário, delicado álbum de estreia, onde os arranjos doces e discretos realçam a delicada voz. Não é pra qualquer uma ter o violoncelista Jaques Morelenbaum já tocando no início da carreira. Ele é internacionalmente renomado como instrumentista e arranjador de trabalhos emblemáticos de Tom Jobim, Caetano Veloso, Gal Costa e Ivan Lins.
Vestuário não utiliza percussão, apenas acordeão e cordas, como violão, baixo, guitarra e bandolim. Esse minimalismo de renda fina não apenas ressalta o canto cristalino, como faz com que muitos arranjos sejam uma espécie de eco de subgêneros. As duas versões de Partilha comprovam que o leque propositalmente bem finito de instrumentos jamais deixa o álbum cair no tédio repetitivo, além de definirem bem essa ideia de “eco”. A primeira versão é nitidamente a desaceleração d’alguma xotice nordestina, mas as cordas não escondem a influência fadista da música portuguesa na nossa. Daí, quando se escuta a versão que encerra o álbum, constata-se que a despeito da igualmente parca instrumentação, a canção vira outra coisa.
Mimoso e intimista, Vestuário traz pelo menos uma faixa indispensável, a divina Braseiro. Se fosse só por ela, Vestuário já merecia audição. Mas não é, ele é todo lindo.

quinta-feira, 21 de março de 2019

TELONA QUENTE 280


Roberto Rillo Bíscaro

Nos anos 1980, Stepnhen Frears filmou com sucesso o romance Ligações Perigosas, do general francês Choderlos de Laclos, onde a nobreza mostra sua face libertina. Ano passado, da própria França, veio Mademoioselle Vingança, outra fábula sobre a amoralidade da decadente classe social que perdeu seu trono pra burguesia.
Constante do catálogo da Netflix, a produção é sobre um predador travestido de liberalidade e boas-intenções, que corteja até seduzir a Marquesa de La Pommeraye. Esta vivia isolada em sua linda propriedade campestre e, apesar de saber que o Marquês de Arcis fazia o estilo carcará (pega, mata e come, não necessariamente nessa ordem), se deixa levar por sonhos bovaristas de fidelidade e amor eterno. Uma das leituras possíveis é que as relações por conveniência descaradamente aprovadas pela nobreza são mais eficazes do que a idealização romântica burguesa. E é isso que confere a esse aparente dramalhão novelesco uma qualidade de farsa bastante irônica.
Por se tratar de filme “de época” (e qual não é?), Mademoiselle Vingança é bem palavroso em sua exposição e fica mais divertido, quando a marquesa começa a encetar sua terrível vingança. Racionalizando que a ação é para vingar todas as mulheres, Madame não parece se importar com os danos colaterais que poderá causar à Mademoiselle de Joncquières, peça fundamental para a armadilha. O título original é Mademoiselle de Joncquières, convém, então, prestar bastante atenção ao seu papel simbólico no desfecho da história, deliciosa.
Cécile de France está impecável como a Marquesa de La Pommeraye em um filme cenicamente lindo e mais perverso do que a superfície deixa ver.

quarta-feira, 20 de março de 2019

CONTANDO A VIDA 270

TRÊS MORTES CARNAVALIZADAS 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Há tempo venho pensando em transformar em crônicas certas histórias que gosto de contar. Já consegui formatar algumas, e outras se avolumam em vontades incontidas. Como se fosse ponta de lança, no entanto, uma muito recente convocou urgência. Talvez pela bizarrice, talvez pelo quase paradoxal, um velório repontou como tema. Trata-se da morte de um personagem tipicamente carioca, o Alfredo Jacinto Mello – Alfredinho como era conhecido, respeitado e amado por todos. Aos 75 anos, ele era dono de um boteco desses poucos que podem ser chamados de “meu”. O Bip Bip, ou Bip como era conhecido, se tornou um dos locais preferentes de artistas, jornalistas, e boêmios em geral. O próprio dono foi seu fundador, em 1984, e dele dizia que “este estabelecimento foi parido na abertura política”. Aliás, como legítimo espaço democrático, lá se deram alguns dos mais incendiados brados de defesa das liberdades democráticas. Sinceramente, não há, em todo Rio de Janeiro, point que se iguale no gênero “turma fiel”. Tudo no Bip é autêntico e quase inacreditável. Vale começar pelo atendimento. Imagine, em plena Copacabana, um lugar frequentadíssimo, mas sem nenhum garçom, sem comanda, sem cardápio. O pedido é feito diretamente no caixa e cada qual se serve de bebidas no frigobar. A informalidade ganha mais destaque ainda, quando se vê que a maioria das pessoas não se espreme dentro da casa e se esparrama na rua. Aliás, há frequentadores que levam os próprios banquinhos para garantir algum conforto nas longas horas de convívio sempre afinado. As pequenas paredes – acredito que o bar não tenha 20 metros quadrados – são cobertas por fotos de frequentadores famosos, por cartazes políticos (de esquerda, é claro) e por cenas do Botafogo, time do coração do proprietário. Chico Buarque, Beth Carvalho, Milton Nascimento quando vem ao Rio, Neguinho da Beija-flor, figuram entre os assíduos, e lá, na paz, gozam de tranquilidade impensável em outro lugar. Durante anos, Alfredinho manteve rotina de atendimento que contempla segunda e terça, chorinho, marca da casa; os demais dias dedicados à bossa nova e MPB em geral (música estrangeira, só jazz, de vez em quando). Ah! não era difícil ver gente dançando na rua ou ouvir “parabéns pra você”. Não bastasse tanta autonomia, o dono do Bip Bip, o Alfredinho, fez questão de morrer no sábado último, abertura do carnaval. Pode uma coisa destas?! Pode?!?!?!... 

Por certo, um dilema se instalou nas almas foliãs, frequentadoras daquele templo de alegria e resistência: e agora?! Confesso que, logo que soube, me veio à cabeça os primeiros versos de Olavo Bilac ao dizer à amada morta “nunca morrer assim num dia assim! de um sol assim!”. Sem dúvida, porém, nos frequentadores, outra perplexidade reinou. Numa rede de comunicação imediata, sem demora alguma, apareceram soluções que se abraçaram em consolo coletivo. E parecia unânime a proposta de manter a festa viva, ou seja, não cancelar os planos da celebração carnavalesca. E mais, resolveram junto à família, que o velório seria no próprio bar. “Nem pensar no Alfredinho em uma capela mortuária, jamais” disse o chefe do grupo do whatsapp. O Bip Bip foi aberto para a visitação do corpo e rolou muita música, velhos sucessos e bebedeira. O “cortejo-folião”, como foi chamado o acompanhamento, saiu em procissão, no domingo, rumo ao cemitério São João Batista, onde foi, finalmente, entoado o samba-canção “carinhoso” de Pixinguinha e João de Barro. 

Pois é: ironia cruel da história! Cruel e não menos paródica, pois o Pixinguinha, o tal autor de “carinhoso” também morreu em um dia de carnaval. O caso, aliás, chega a ser intrigante, pois Pixinguinha também morreu aos 75 anos, mas faleceu dentro de uma Igreja, Nossa Senhora da Paz, onde havia ido para apadrinhar uma criança. Era um domingo e a Banda de Ipanema já percorria seu tradicional trajeto quando avisado, na porta do templo, Albino Pinheiro que comandava a passagem da Banda, ao invés de interromper, exatamente na esquina da Igreja, entoou “Carinhoso”, fato que acontece até hoje. 

Mas há outra morte fatal em pleno folguedo de Momo. Em 1912, às vésperas do carnaval morria o Barão do Rio Branco. Hermes da Fonseca, então presidente, decretou luto oficial e no ato determinou que os festejos fossem transferidos para o mês de abril. A população em geral, no entanto, não acatou a ordem e manteve suas atividades festivas como se nada de novo houvesse. A insistência do decreto, porém, fez obedecer à ordem decretada, e no dia 6 do mês de abril, realizou-se outro carnaval que, aliás, valeu deliciosa marchinha popular: “Com a morte do Barão/ Tivemos dois Carnavá/ Ai, que bom! Ai, que gostoso! Se morresse o Marechá!”. 

Mas, o que se aprende com estas mortes carnavalescas? Sobretudo, ressalta-se o vigor da vontade popular. Nos dois eventos – morte de Alfredinho e Pixinguinha – valeu a ternura do público em geral. Frente ao decreto cívico oficial – da morte do Barão – além da desobediência popular, vibrou a ironia contra o poder estabelecido, militar, que insistia em disciplinar o indisciplinável: a vontade legitimada do povo. 

terça-feira, 19 de março de 2019

TELINHA QUENTE 352

Roberto Rillo Bíscaro

Em 1910, G. K. Chesterton criou detetive amador antitético ao famoso Sherlock Holmes, de Conan Doyle. Ao contrário do frio dedutivismo de seu colega muito mais famoso, Father Brown resolve tudo através da intuição e inerente conhecimento da alma humana, obtido no confessionário.
Poucas adaptações das aventuras do padre católico na anglicana Grã-Bretanha haviam sido feitas até que em 2013, a BBC deve ter se surpreendido com o estouro de sua série vespertina. A emissora tencionava revigorar suas tardes e conseguiu, ou pelo menos, o pessoal deve gravar adoidado ou ver em streaming. Fato é que agora Father Brown é exibido em umas duas centenas de territórios ao redor do globo. Algumas Netflixes têm várias ou todas as sete temporadas. Assinantes brasileiros, chovam pedidos pra empresa, porque é muito fofo demais da conta.
Os episódios são adoráveis e misturam discreto humor com história de detetive. É tudo desavergonhadamente inverossímil. Na pequena aldeia de Kembleford - que tem desde bares barra-pesada obscuros a seitas pagãs secretas – e em incontáveis mansões agrárias, o rechonchudo, chapeludo e guarda-chuvado pároco mete o nariz em tudo e resolve todos os crimes, pra desespero dos inspetores locais, que vivem prendendo alguém erroneamente no meio ido episódio.
Não há nada de novo na fórmula: é crime digestível resolvido pela Miss Marple local (diversas vezes, é feita a comparação), por um bando de gente irrealmente fofa. Tem lady que investiga junto com seu chofer; sobrinha de lady sapequinha, mas nada esnobe e a fofoqueira adorável Mrs. McCarthy. Ai que vontade de comer seus  “award-winning strawberry scones”!
Dos detetives injuriados com a perspicácia superior do prelado, de longe o melhor é o Inspetor Mallory, mas você terá que esperar umas 3 temporadas. Jack Deam está perfeito com seu bigode postiço, suas consoantes finais explodidas, assim como seus ‘gês’ finais do gerúndio.
Mark Williams é irrepreensível como Father Brown. Sua entonação impossivelmente branda o tempo todo, sua capacidade irrestrita de compreensão, simpatia e amor cativam. Ter visto as cinco primeiras temporadas sem intervalo dos meses das férias televisivas deu pra perceber direitinho como o ator torna as expressões faciais e os movimentos da personagem bastante “forçados” pra realçar sua comicidade e charme simpático.
Totalmente viciante cuti-cuti nóxa-nóxa.

As sacrossantas temporadas de Father Brown são verdadeiros massacres: além das mortes das vítimas, que podem chegar a três em certos episódios, as histórias se passam nos 50’s, quando a pena de morte vigorava no Reino Unido, então, some aí os enforcamentos dos perpetradores e você terá um banho de sangue.
Menos mortandade ocorre nos 43 episódios de Father Dowling Mysteries, durante suas três temporadas, entre 1989-91. Como seu colega inglês, o norte-americano também foi baseado numa personagem, no caso, do escritor Ralph McInerny, que ainda tinha uma freira detetive.
O pianista Padre Dowling investiga sequestros e eventuais mortes, em Chicago, o que implica a presença da máfia em diversos episódios. Ele é auxiliado pela improvável Irmã Stephane, que, por ter sido criada na rua, sabe arrombar portas, trapacear no pôquer e até pilotar avião. Há dois alívios cômicos, que mais enchem do que divertem, especialmente o carreirista egocêntrico Padre Prestwick. Dowling foi interpretado com simpatia pelo finado Tom Bosley, que coadjuvara em Murder, She Wrote, como o xerife Amos Tupper, até ganhar seu próprio show.
Father Dowling Mysteries não apresenta nenhuma característica destoante da média das séries de detetives amadores dos anos 70/80/90; é tudo fórmula. Com o tempo, simpatizamos com Sister Stephanie e Dowling é superfofo, mas não dá pra recomendar em detrimento de Father Brown, que deveria ser prioridade pra quem pretende se iniciar em religiosos detetives.

segunda-feira, 18 de março de 2019

MARCHA ALBINA

Albinos exigem proteção contra homicídios e mutilações


Uma marcha de protesto contra a incapacidade do Malawi para proteger os albinos chegou bastante próximo do palácio presidencial, apesar de as autoridades o terem proibido. Cerca de 200 albinos, mais 500 simpatizantes, exigiram que o governo faça mais para parar os raptos e assassínios de membros dessa comunidade. Só nos últimos quatro anos houve mais de 150 vítimas.

Os albinos, portadores de uma condição genética que impede a pigmentação da pele e lhes dá uma aparência inconfundível – além de os tornar mais vulneráveis a cancros da pele, entre outras doenças – contam milhares de membros só no Malawi. A somar ao forte estigma social que os atinge, vivem em risco permanente por causa de superstições que atribuem poderes mágicos a partes dos seus corpos. Mutilações e assassínios de albinos são relativamente frequentes em vários países africanos.

As dificuldades em compreender a situação ficaram bem ilustradas quando o mês passado o ministro da Segurança Interior disse que não adiantava fazer reclamações no país ou fora dele, porque os albinos estavam a ser mortos pelas suas próprias famílias. A indignação com essas palavras foi generalizada. Desde uma associação nacional que representa os albinos até à Amnistia Internacional, todos condenaram as palavras do ministro.

Perante o agravamento da situação, várias medidas têm sido propostas. Casos como o de um homem que no dia de Ano Novo teve os seus braços e órgãos sexuais retirados à frente de um filho menor levaram a reconsiderar a utilização da pena capital, que se mantém na lei mas não é aplicada desde 1994. A semana passada, o Presidente Peter Mutharika anunciou uma recompensa de cerca de 7000 dólares (6200 euros) para quem fornecer informação que leve à descoberta de conspirações para raptar ou matar pessoas com albinismo.

Esta quarta-feira, Mutharika não se encontrava na sua residência quando a marcha se aproximou, pois tinha viajado para fora da capital. Mas os albinos reiteraram as suas reivindicações, incluindo uma das principais: que o governo forneça a cada albino um alarme ligado a uma esquadra de polícia.

CAIXA DE MÚSICA 357


Roberto Rillo Bíscaro

Não me surpreendi, quando achei o álbum de estreia de Kali Uchis em listas de melhores de 2018, tanto de publicações mais hipsterizadas, quanto mais mainstream (mas, não demais). Adoto política inflexível com relação à permanência de álbuns em meu celular: assim que resenhados, dão lugar a novos. Como me recuso a adicionar espaços de memória além dos fornecidos por fábrica e ouço bastante coisa “nova” e nova, tal rotatividade é necessária. Gosto tanto da síntese de Uchis, que Isolation ficou quase um ano mais visível/acessível. Agora, finalmente, repousa na biblioteca do serviço de streaming.
Karly-Marina Loaiza nasceu e cresceu na ponte Colômbia-Estados Unidos. Sempre envolvida por/com música e vídeo, seu pai sugeriu-lhe o nome artístico Kali Uchis. Desde adolescente, vem lançando material e colaborando com gente do naipe de Snoop Dogg. Dia 6 de abril, de 2018, finalmente saiu seu primeiro álbum cheio.
À primeira vista, Isolation parece título inadequado:
- Uchis já mostra seu poderio ao juntar-se a tanta gente boa e famosa em sua estreia: a lenda Bootsy Collins; Damon Albarn, do Blur e Gorilaz; a ascendente Jorja Smith, que faturou BRIT Awards, ano passado. Isso pra mencionar apenas os mais graúdos (pra mim).
- bilíngue e abordando temas como imigração e exploração trabalhista, além do usual amor e bravatas pós-modernas, Isolation é nada isolacionista ou ensimesmado. Ao contrário, é cadinho fervilhante e fervente de ajuntamentos.
A menina, porém, é sábia além da tenra idade (nasceu em julho de 1994) e cônscia de sua posição no pop contemporâneo. Isolation tem esse nome, porque ela não quis seguir as principais tendências sônicas e de produção atuais. Sem exagero, Uchis inventou sua sonoridade, através de caleidoscópica recombinação de elementos, às vezes, tantos em uma só canção, que daria resenha à parte para algumas delas. Kali está isolada no cenário; sabe disso, orgulha-se e demonstra segurança e a coragem de desbravadora. O resultado nas paradas foi o esperado: a maioria não ouviu, mas quem o fez, não teve remédio senão cair de joelhos, daí as resenhas reverentes chovidas de todo canto.
As quinze faixas jamais derrapam e até os interlúdios se sustentam, como minicanções. Uchis arriscou-se: atira pra todas as direções, mas acerta os alvos, sem exceção. Seja com vozinha de anjinha ninfetada na bossa-jazz de Body Language, seja no synthpop chiptunado, de causar inveja a qualquer beldade gelada da Escandinávia, de In My Dreams, Uchis canta com segurança e os arranjos são inventivos e originais. Os timbres de Just a Stranger fazem-na soar como se produzida nalguma dimensão paralela, que estivesse experienciando uma década de 70 coetânea aos nossos 2010’s. A balada soul Flight 22 causa a mesma impressão, às vezes. Ela desacelera o reggaeton em Tyrant e Nuestro Planeta; desliza pelo urban soul, em After the Storm e é influenciada por Amy Winehouse na modernidade retrô de Feel Like a Fool.
Resenhar álbuns tão inovadores é desafiador, porque descrições como “balada soul” são redutoras e ineficazes. Cada canção é montada a partir da simbiose de tantos elementos. Miami, talvez o Everest de Isolation, é exemplar nesse sentido. Em seus quatro minutos, las cabroncitas Kali Uchis e BIA cantam sexy, proferem bravatas rap, em cima dum arranjo que é uma galáxia nova: tem cheirinho bem suave de trap, guitarras plangentes à Steve Howie e clima de Lana del Rey, produzida por Serge Gainsbourg tudo ao mesmo tempo ou se alternando. E mantém a qualidade pop de ir direto ao ponto.
Experimentação e desbravamento afugentam os sem paciência para inacessibilidade. A genialidade de Isolation, dentre outras coisas, reside na capacidade canibal de Uchis e seus produtores de recombinarem elementos e transformá-los em pop perfeitamente acessível. Isolation é música ‘fácil”, para curtir, só não é conformista.

domingo, 17 de março de 2019

A SUPERAÇÃO DE ELIJAH

GAROTO ALBINO RECEBE CONVITE PARA MODELAR E MELHORA AUTOESTIMA

Elijah Enwerem, de apenas 5 anos, se achava diferente por não ser da cor da família, daí veio a oportunidade de mostrar que ser diferente faz dele uma criança única.

A mãe de Elijah, Lucy, diz que seu filho tinha dificuldade em aceitar que sua diferença. “Apesar de toda a atenção, Elijah era muito tímido sobre sua aparência – ele não gostava de se envolver com as pessoas, embora muitas vezes quisessem tocar nele na rua ”, explicou Lucy .
Ela conta que tudo mudou quando ele fechou um contrato de modelagem com a Primark, uma loja de roupas, com sede no Reino Unido.

“Desde que ele foi modelar sua confiança cresceu maciçamente. Ele agradece educadamente às pessoas se elas dizem como é incrível o cabelo dele, ou quão bonito ele é. Anteriormente ele odiava!

Antes, Elijah questionava se ele não “deveria ser negro”, como o pai.

Vida nova

Agora ele está feliz exatamente do jeito que é, e adora saber que existem outras pessoas (e até animais) por aí que se parecem com ele.

O garotinho foi capaz de se conectar com outras pessoas na mesma condição, por meio da sua conta no Instagram, incluindo alguns modelos profissionais diferentes!

Os pais de Elijah não poderiam estar mais orgulhosos de como seu filho está ajudando a normalizar esta condição na sociedade.

“Eu gostaria de pensar que Elijah está ajudando a difundir a conscientização e a descartar alguns dos mitos que cercam as pessoas com albinismo”, disse Lucy.

“Ele é um jovem brilhante, carinhoso e bonito que celebra suas diferenças e irradia a mensagem de que ser único é uma coisa maravilhosa. Somos todos únicos e especiais e merecemos amor e bondade ”.

sábado, 16 de março de 2019

ALBINO ROUBANDO A CENA

Urubu albino “rouba a cena” durante passarinhada

Pode não parecer, mas esse é um urubu-preto. Facilmente identificada na natureza pela cabeça, bico e penas pretas, a ave chamou a atenção da observadora Maria Helena Oliveira.



Durante uma passarinhada por Mineiros (GO), a admiradora da natureza avistou o urubu albino e não perdeu tempo: registrou a ave em vídeo e fotos.

“A emoção foi muito grande. Nunca tinha visto um animal albino”, conta Helena, que observa aves há 10 anos e não abre mão das passarinhadas.

Urubu-preto branco?


O albinismo é um fenômeno genético que impede a produção de melanina e caratenoides, o que resulta na ausência total de pigmentos.

Além das penas, do bico e das patas, os olhos são afetados pela mutação. Por conta da ausência de coloração, são vermelhos, cor dos vasos sanguíneos. Essa é a principal característica que diferencia animais albinos de animais com leucismo.


Isso porque, a deficiência genética típica do leucismo também ocasiona alterações no corpo dos indivíduos através da perda da melanina, porém somente nas estruturas de cobertura, já que as tonalidades da íris, mucosas e derme permanecem normais.

No caso do indivíduo albino, baixa resistência ao sol e visão afetada são características que podem dificultar a capacidade de caçar e sobreviver na natureza.

“Faxineiros” da natureza

Famoso por se alimentar de animais mortos, os urubus nem sempre são bem quistos. No entanto, os hábitos da ave são de extrema importância para a manutenção dos ecossistemas: a dieta dos urubus permite que os ambientes se mantenham limpos, evitando propagação de bactérias, possíveis causadoras de doenças.

quinta-feira, 14 de março de 2019

TELONA QUENTE 279


Roberto Rillo Bíscaro

A Nigéria tem produção cinematográfica tão grande, que sua indústria foi batizada Nollywood. É a terceira maior do globo, perdendo apenas pra Holly e Bollywood. Um dos maiores e mais populosos países da África me é desconhecido cinematograficamente, por isso, aproveitei que a Netflix tem The Arbitration (2016).
À modesta produção, falta foco, mas mantém a atenção para quem gosta de dramas de tribunal. Dara e Gbenga trabalham na área de informática, desenvolvimento de aplicativos, telecomunicações, todos mercados fervilhantes na Nigéria. Gbenga é casado, mas Dara tinha um caso com ele assim mesmo, até que o milionário lhe passa a perna, não no sentido carnal. Espera, mas também no sentido carnal, e por isso Dara o acusa de estupro. The Arbitration parece que discutirá o limite entre sexo consensual e forçado, mas não o faz; é sobre uma mulher querendo botar as mãos no que julga ser seu e que pode lhe ter sido tirado por ser mulher e menos que Gbenga.
O filme é uma batalha entre Davi e Golias tanto no âmbito do caso, quanto no da defesa: uma arrogante advogada defende Gbenga, ao passo que uma iniciante, Dara. Nesse contexto mítico, difícil o expectador não prever o desfecho: nossa sociedade ama uma historieta educadora e mistificadora, como essa do anão enfrentando o gigante.
The Arbitration está longe da sofisticação exigida por cinéfilos descolados. Há falhas na mixagem, alguns diálogos são tediosos e o roteiro tem que explicitar com uma cena final sem diálogos. Seria apenas focar na epígrafe fílmica, que afirma que uma estória tem os dois lados de quem a narra e a verdade. Isso já serviria pra desconfiar de todos os testemunhos, mas o diretor Niyi Akinmolayan e o roteiro Chinaza Onuzo não quiseram/puderam representar isso de modo mais simbólico.
Indicado apenas pros pacientes com certa falta de sofisticação, mas incentivadores de pluralidade de fontes de entretenimento. Não se trata de ver The Arbitration por dó, mas lembrando de que vemos com leniência muita porcaria de centros produtores bem mais endinheirados e com mais obrigação de oferecer produtos melhores, porque contam com mais oportunidades.

quarta-feira, 13 de março de 2019

CONTANDO A VIDA 269

A MULHER DO ANO (mês de março, abril, maio...) 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Basta o enunciado do tema/pretexto do mês março e as mulheres ficam oiriçadas, empinam o nariz e reivindicam “lugar de fala”, “empoderamento” e “direitos iguais”. Nada contra, imagine; pelo avesso, perfilo presença entre os tietes desses seres que são a um tempo geradores de vida, mantenedoras de férteis contradições, incessantemente obstinadas em suas certezas. Não o faço, contudo, ingenuamente e sem reconhecer que na humanidade feminina combinam graças e venenos, afetos e desconfianças, tudo subjugado a úteros, TPMs, menopausas. Que também seja rasgada a simplificação do darwinismo de botequim que contrapõe força máscula à fragilidade feminina. E que fiquem fora do jogo os tais que insistem em mostrar o lar como espaço em que elas devem exercer como “rainhas”. Digo até mais, que numa golfada de vômito se ponha, definitivamente para fora as malditas divisões eivadas do pior preconceito cromático como os expressos pela pastora/ministra que reduz a complexidade das nuanças biológicas humanas a um azul e rosa, tão idiotamente definidos como ela própria. 

De certa forma, que se repita minha assertiva de ser um feminista avant la lettre e ostentador muito orgulhoso do reconhecimento delas em plano de paridade, parceria e união. Sinceramente, nem precisei esperar o vapor do politicamente correto para aquecer sentimentos de profunda simpatia pelo mulherio em geral. Creio que a raiz disso se deve à admiração amorosa que devoto a minha mãe, mas que se dimensiona também através dos reflexos especulares dados pelo olhar devolvido pelas mulheres que sempre enfeitaram minhas relações próximas ou distantes. Olhando-as pela ótica do pretérito, vejo exaltado sempre o melhor de mim, o que tenho de mais afetivo. 

Mas, longe de alvos imediatos e tangíveis no âmbito pessoal, entre tantas, me pergunto: quem seria a mulher do ano, a pessoa que mereceria reconhecimento pelo público que emblema? Com que argumentos poderíamos exaltar alguém com a força de uma ode justificadora do que mais representativo temos em termos de brasilidade? E como flor que brota da lama, o nome de Marielle Franco surge na recitação de atributos da mulher brasileira moderna. Comecemos pela combinação de sínteses ou encontros que marcam nossa cultura: mulata, dona que foi de uma cabeleira solta e livre, vestindo sempre estampados de matriz africana, mas muito mais que isso, exaltadora de causas de minorias, declarou-se, ela própria, lésbica assumida na dignidade de quem antes tinha sido mãe. Depois de vida difícil como camelô, estudou e, sendo beneficiada por cotas estudantis na PUC/RIO, foi eleita a quinta mais votada vereadora em 2016 onde, na capital fluminense, exercia seu primeiro mandato com estrada aberta para um futuro promissor. Juntamente com seu motorista Anderson Gomes, no dia 14 de março do ano passado, Marielle foi premeditadamente assassinada. Com nítidos nós amarrados no cipoal político, as investigações patinam e não chegam à revelação de nomes bandidos. A provar o empenho da jovem edil, Marielle saia de um evento inscrito na causa da mulher negra, portanto em seu labor político, e isso por si só, fica a provar a seriedade de seus empenhos militantes. Os enquadramentos policiais adequados, pois, o inscreve em crimes de responsabilidade pública, circunstância que ainda mais causa perplexidades a quantos clamam por justiça institucional. Como os investigadores não descobrem (não descobrem ou não revelam?) os mandatários do atroz dolo, a memória coletiva alimenta exaltação que já está plasmada no libertário DNA nacional. A longa ausência de culpados fura um calendário que, por infeliz coincidência, completa um ano exatamente no “mês da mulher”. Sem respostas públicas, o triste enredo desta trama diabólica sugere articulações comprometedoras das malhas políticas dominantes. E, mais que tudo, isto aturde nossa democracia, deixando latente a certeza de mudanças que, por paradoxal que pareça, hão de vir pela voz popular que se afina. 

No pulsante coração do corpo brasileiro, Marielle continua viva e vê, dia após dia, crescer seu exercício de busca de liberdade. Em resposta ao silêncio denunciador de estratégias mirabolantes, o coro dos contrários entoa brados de indignação. Resposta dialética aos não ditos da justiça, Marielle Franco vive e já virou nome de rua e praças, de movimentos políticos, de escolas, e com afeto se eternizou em blocos e sambas que desfilaram neste carnaval. E não foram em agremiações miúdas, não! A Estação Primeira de Mangueira no Rio de Janeiro e a Vai-vai, coletivos populares que agregam as mais inflamadas torcidas carnavalescas, provam isto. Pouco se pode dizer do futuro do processo criminal da vereadora saudosa, mas, a certeza do amor popular por Marielle há de vingar atrocidades mascaradas. É exatamente na exaltação a ela, que são assumidas suas causas combatentes, e isso a faz merecedora da escolha de mulher do ano. E ela materializa em sua ausência física todas as demais mulheres e seus homens, seguidores. Marielle vive...

terça-feira, 12 de março de 2019

TELINHA QUENTE 351

Roberto Rillo Bíscaro

O Hitchcock Que Virou MacGyver

Deve ser coisa acentuada a partir do século XIX essa idealização e romantização da gravidez. Maternidade e mulheres esperando bebês sempre derretem corações, mas uma recrutadora me contou que evitava contratar mulheres, porque davam prejuízo à empresa com licença maternidade e afins. E você leu corretamente, recrutadorA.
Os dois capítulos iniciais de The Replacement (2017) funcionam maravilhosamente bem como crítica social a certos comportamentos e expectativas com relação à gravidez e gestantes. A minissérie é sobre Ellen, arquiteta bem-sucedida, em Glasgow, que engravida em meio ao projeto mais importante de sua carreira. A firma contrata Paula Reece pra substitui-la na licença-maternidade e não demora até que Ellen suspeite que a novata esteja tramando pra assumir seu posto, em mais de uma instância.
Os dois terços inicias de The Replacement apontavam pra mais um arraso da BBC. Ellen e Paula possuem históricos suspeitosos, então estabeleceu-se clássica ambiguidade de thriller psicológico: Paula é psicopata ou tudo não passa de paranoia de Ellen, que se sente insegura de perder o emprego e a individualidade, porque todo mundo passa a tratá-la paternalisticamente e a ver apenas um bebê numa mulher e não mais o ser-humano Ellen. Algo como Alfred Hitchcock filmando um episódio de Black Mirror. Atente para o uso dos silêncios e das portas de vidro do escritório.
No terceiro episódio, parece que o diretor/roteirista Joe Ahearne viu episódios de MacGyver e filmes como A Malvada. O que cozinhava em banho-maria vira sucessão de ações sem nexo, divertidas porque de suspense, mas sem nuance alguma. Sabemos quem é a vilã, o marido de uma toma decisão estapafúrdia, assim, do nada, e tem até ligação direta em airbag. Porque, afinal, todo mundo que fica preso num carro sabe como sair inflando o airbag mediante ligação direta, né? Básico, gente, ensina na autoescola, ah vá! Sem contar que a personagem estar presa no auto não tem lógica, mas isso você descobre se decidir dar uma chance pro sotaque escocês difícil de decifrar de The Replacement. E se você entender, me conte porque uma melhor amiga marcaria encontro à noite, numa construção, pra contar algo que poderia ser dito tranquilamente pelo telefone ou frente a uma caneca de machiatto.
Ah, e ao final, quando um cara fala uma frase que é supertípica em inglês, de alguém ser um “emprego em tempo integral”, a mulher - devidamente fora do mercado de trabalho - replica “ela não é um emprego, é minha filha”. Margo Channing deve ter se sentido orgulhosa.

segunda-feira, 11 de março de 2019

CAIXA DE MÚSICA 356


Roberto Rillo Bíscaro

Os algoritmos do Spotify me entendem melhor do que os da Netflix. Supostamente baseada no que vejo ou adiciono a minha lista, a plataforma de vídeo vive me sugerindo coisas que nem de longe me atraem. O serviço de streaming musical, por outro lado, tem me fornecido sugestões tão boas a ponto de correr o risco de ficar preguiçoso e me fiar apenas nelas.
Victory Boyd nasceu em Detroit, uma de muitos membros duma família de músicos e cantores, que se apresentam como coral em escadarias de metrô e, mais recentemente, no nova-iorquino Central Park. Foi lá ou através de um de seus vídeos acústicos no Youtube, que a moça captou a atenção de Jay Z. Depois de um EP, ano passado saiu o primeiro álbum de Victory, The Broken Instrument.
Com sua jovem voz meio rouca, Victory cravou um trabalho sem erros, rico em influências e otimismo. É mesmo o trabalho de uma jovem entusiasmada com a vida, mas cônscia de que existem barreiras raciais.
The Broken Instrument abre com Against the Wind: começo discreto de violão e percussão, bem folk, para aos poucos se transformar em hino orquestral sobre encarar a vida. É o folk que informa boa parte do álbum, mas sempre com elementos de música negra e certa sensibilidade pop. Weatherman e First Night Together seguem essa linha, com suas inflexões gospel e soul.
Muito embora o influxo folk seja bem sentido, colocando Victory na tradição de Roberta Flack e da oitentista Tracy Chapman, o álbum percorre outras veredas. Jazz Festival é delícia de brisa, que abre discreta pra desabrochar em sambinha-jazz. A Happy Song tem título autoexplicativo e clima balançante de Motown, que dá vontade de sorrir sozinho na rua. O mesmo alto-astral ocorre na midtempo Open Your Eyes, com sua batida começo dos anos 90. Who I Am é fluida e com discretos metais funk, com letra que reconhece a necessidade de luta por igualdade racial. Extraordinary é balada folkeada, que valoriza a singularidade individual.
O triunfo de The Broken Instrument termina com a faixa-título, dividida em três seções, sendo que a do meio é uma narração. Dramática, orquestral, a canção conta a história de um instrumento musical que se quebra, vai parar num lixão e é resgatado. A estória é metáfora para o poder divino em proporcionar redenção.    
Sem preocupação em soar como a última tendência da produção musical, Victory venceu com um álbum orgânico, que demorará muito pra soar datado, porque aposta no poder do canto e na acusticidade.

sexta-feira, 8 de março de 2019

PAPIRO VIRTUAL 131

Roberto Rillo Bíscaro

Quase todos os slasher films clássicos foram refilmados no século XXI. Desde o sempre negligenciado Black Christmas até o essencial pro subgênero, mas não necessariamente slasher, Massacre da Serra Elétrica. Exceto por Halloween, nenhum gerou sequelas, como suas inspirações setentistas/oitentistas.
Slashers: do Original ao Remake é uma dissertação de mestrado, de Bruno Miguel Silva e Cunha, apresentada em 2015 à Universidade Católica Portuguesa. O trabalho se pretende como estudo comparativo entre cinco slashers clássicos e suas respectivas releituras no novo milênio. Os filmes analisados são: O Massacre da Serra Elétrica (1974), Halloween (1978), Sexta-Feira 13 (1980), Dia dos Namorados Macabro (1981) e A Hora do Pesadelo (1984). Aos que conferirem o texto, não estranhem a discrepância nos nomes. Bruno utilizou os títulos portugueses; eu, os brasileiros.
Como se vê, Black Christmas novamente fica de escanteio, mesmo apresentando mais elementos inspiradores de Halloween do que Massacre. Cunha minucia dados técnicos de cada produção, como número de mortes e características da final girl. As comparações são estabelecidas entre original x refilmagem e depois entre todos. Chega a ser um tanto monótono, mas os fissurados por estatísticas adorarão.
As conclusões de tamanho esforço comparativo não são muitas. Grosso modo, dão conta de que as características e o papel da final girl mudaram e de que as releituras enfatizam o gore, ao passo que suas matrizes investiam no terror psicológico pra suprir deficiências tecnológicas e orçamentárias pra explicitar as mortes. A redação, em um par de vezes, deixa escapulir que tal mudança seja “progresso”, o que é algo problemático: quer dizer que, per se, filmes com mais sangueira e correria são melhores que aqueles mais sugestivos e lentos? O status do Halloween, de John Carpenter, desdiz essa falácia.  
Slashers: do Original ao Remake está disponível para leitura online ou donwload:

 https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17795/1/Tese%20de%20Mestrado_Bruno%20Cunha.pdf

quinta-feira, 7 de março de 2019

TELONA QUENTE 278

Roberto Rillo Bíscaro

De toda parte, têm surgido histórias abordando os horrores da p/materninadade.  Siembamba - A Canção do Mal (2019), da África do Sul; Madre (2016), do Chile, são exemplos apenas de produções menos centrais. O diretor estreante Lee Cronin combina essa tendência com uma neura muito característica dos filmes sci fi dos anos 1950: a despersonalização, a saber a invasão de corpos e mentes por poderes alienígenas, sobrenaturais ou “comunistas”.
Cada vez mais fértil no campo do horror, da Irlanda vem The Hole In the Ground (2018), que trata do terror produzido em uma mãe que percebe que o corpo de seu filho está habitado por algo malévolo. Provavelmente fugida de marido abusivo, Sarah vai viver com seu filhinho Chris, no meio da floresta, decisão não muito esperta em narrativas de horror. Há enorme cratera no meio da mata e um dia, a moça nota que a casca corporal do garoto é a mesma, mas algo dentro dele mudou pra pior.
Num relacionamento mãe-filho, que muito lembra o do australiano The Babadook, o filme apresenta boa ideia, infelizmente, não desenvolvida a contento para um roteiro de noventa minutos. O primeiro terço arrasta-se sem quase nada acontecer, o que pode levar à desistência nessa época de oferta tão fácil e farta. Optando por menos gore e mais suspense psicológico, The Hole In The Ground não explica qual é a do buraco, centrando-se no par protagônico. Tal escolha narrativa deixa gosto de incompletude na obra, que, para seu crédito, tem bons momentos de suspense, especialmente, quando Sarah está colocando Chris à prova pra saber se é ele mesmo.
Estreia promissora, mas o filme é apenas mais um.