segunda-feira, 21 de maio de 2018

CAIXA DE MÚSICA 315

Roberto Rillo Bíscaro

Enfadonho o mimimi de gente preguiçosa que não sai do pior das redes sociais e sintoniza apenas a macromídia mais peba e se lamuria de que não há mais música boa no Brasil.
Há fartura de projetos e carreiras musicais em tudo quanto é estilo. Existe grupo baiano de bluegrass, selo independente de noise eletrônico em Porto Velho, shoegaze em Sampa, stoner no sul, lo-fi em Minas.
Pros apreciadores da MPB mais “tradicional” (o que quer que isso signifique, mas neste blog é a que soa meio como a produzida nos 70’s e 80’s iniciais) a oferta também não é escassa; é só querer procurar na rede, porque ela abunda em sites, inclusive oferecendo muito material grátis.
Trabalho excelente da safra atual é o do compositor e multi-instrumentista Flávio Tris, que, felizmente, abandonou a advocacia pra se dedicar em tempo integral à música. Há uma década fazendo trilhas-sonoras e espetáculos, o paulistano lançou EP independente, em 2011. Cinco faixas compostas por Tris e executadas por ele, mais Tchelo Nunes, Maurício Maas e Gianni Dias, participando na guitarra da canção Pra Ver a Voz. As instrumentações são densas e lindas, com violino, harmônio (espécie de órgão), acordeão e percuteria.
A hibridez de subgêneros é um dos traços característicos da sigla MPB, criada lá pelos fins dos anos 60 pra dar conta, dentre outras coisas, da acelerada fusão de ritmos, estilos e influências na música popular feita por aqui, a partir da geleia geral tropicalista e da fusão bem mais subcutânea do pessoal do Clube da Esquina. É a isso que me refiro ao afirmar que o som de Tris vai agradar em cheio a fãs de MPB setentista: ele funde estilos diversos, mas sem chegar à contemporaneidade hip-hop ou electro. E claro que não seria defeito se o fizesse.
Alento Noturno abre só no violão pra se transformar em tango seresteiro valsificado. Asa de São João inicia com “quando olhei...”, como sua ancestral Asa Branca. E quem disse que fãs de Belle and Sebastian também não podem amar a pegada de violão bem semelhante à de If You’re Feeling Sinister? Escócia do baião! Em Pra Ver a Voz, a guitarra, que em sua maior parte segue acobertada pelo violão, rebela-se bem no finalzinho, quase ensaiando um noise básico.
A hipnótica Brisa Boa, Vento Leste é a única que não aparecerá no primeiro álbum de Flávio, mas o EP não é obrigatório só por isso. Mesmo as repetidas mais tarde, virão com arranjos diferentes.


Em 2013, saiu a estreia em álbum homônimo com 9 inéditas, além de 4 já constantes do EP. Nestas últimas, não dá pra dizer que são melhores ou piores; estão diferentes: Pra Ver a Voz ficou mais djavaneada; Alento Noturno tem cantar um bocadinho menos enfático e por aí vai. Qualquer colecionador (e Flávio merece ser colecionado) quererá ter ambas versões.
Nas inéditas, só material bom, como a faixa de abertura, com seus violões de madrigal e flautas misteriosas. Selva sassarica maliciosamente num clima jazzy anos 1920. Super Miss Fisher's Murder Mysteries! No bolero Sejas Tu, o sotaque de classe-média paulistana de Tris encontra o de Tulipa Ruiz. Este álbum tem uns balanços bons, tipo De Manhã com seu funk jazzificado e a marchinha final, Tudo, que acaba ligando Tris a seus coetâneos Pitanga em Pé de Amora. Os “efeitos sonoros” como pássaros cantando e macacos na xotosa Pandora e o clima épico de música de Festival sessentista suavizar-se-ão deveras no trabalho seguinte.


Entre 19 e 22 de dezembro, de 2016, Tris gravou Sol Velho Lua Nova, lançado ano passado e que representou bombástica novidade silenciosa. Despindo os arranjos ao mínimo necessário, sua poesia por vezes rosiana e voz quente à Dori Caymmi sobressaem-se em 9 faixas de calma e/ou mistério. O EP e o álbum primeiro são ótimos, mas faixas como a título, por exemplo, possuem aura de delicadeza até então inédita em sua carreira.
Não que seja álbum de, mas na pátria da bossa nova, Tris parece mais ligado a ela nesse trabalho, como mostra a primeira parte de Quinze Mil Eras, que também serve de exemplo pra dizer que o fato de Sol Velho Lua Nova ser mais minimalista e centrado na voz e violão, não significa que seja “música de barzinho”, em seu acepção mais breguinha. Há outra instrumentação e efeitos sonoros, no caso, chuva em Quinze Mil. O que ocorre é que o violão toma o centro e em seguida algum outro instrumento o acompanha.   
Difícil ouvir o louvor Terra Terra e não catalogá-la como canção-irmã daquela de Caetano, mas sem ser cópia. Em In Silence, o cantor-compositor adentra terreno folk sessentista; soa como se a qualquer segundo a gaita de Bob Dylan vá entrar. As influências afoxentas nordestinas ainda informam Flávio, como em Okiri ou Uma Canção, mas é tudo mais minimalista; às vezes primeiramente sinalizado no cantar, antes do que na esparsa instrumentação.
Inacessibilidade para ouvir essa maravilha não é desculpa, porque a excelente discografia de Flávio Tris sai de graça em seu site.
E vamos parar de dizer que a MPB morreu e outras sandices preguiçosas? Procura, que tem! 

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