terça-feira, 31 de julho de 2018

ESCALADA ALBINA

Albinas viram alpinistas para denunciar perseguição na África

Mariamu Staford é uma das que sofrem com o terror, tendo sido vítima de ataque de nativos que consideram amuletos partes dos corpos dos albinos



Além de todas as dificuldades sociais em viver na África, a tanzaniana Mariamu Staford, de 38 anos, é uma das centenas que sofreram pelo fato de ser albina no continente.


Em 2008, homens armados com facões invadiram a casa dela no distrito de Lake Tanzania, quando ela estava com seu filho de 2 anos, e lhe arrancaram os braços.

Ela buscou perspectivas de vida, equipando-se com próteses e passando a administrar um negócio de roupas, no qual ela opera uma máquina de tricô. Mas isso não bastou para ela.

Cerca de 10 anos após o ataque, seu objetivo agora é conscientizar o mundo sobre o drama vivido pelos albinos na África

Por isso, ao lado de Jane Waithera, 31, ela irá escalar o Monte Kilimanjaro, ao lado de cinco mulheres albinas, em uma expedição que buscará o topo da monhana de 6 mil metros de altura, no norte da Tanzânia, junto à fronteira com o Quênia.

A equipe, liderada pelo montanhista e cineasta Elia Saikaly, usará as mídias sociais durante a expedição de sete dias, prevista para setembro, para falar sobre os desafios que enfrentam na vida.

Waithera, co-líder da expedição, disse que a subida fornecerá "uma plataforma para ampliar nossas vozes do pico mais alto da África ... como símbolos de resiliência e fortalecimento".

134 albinos assassinados
Segundo o Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), foram informados 134 assassinatos de albinos nos últimos anos em 25 países da África até 2015. Além desses assassinatos, há outros tantos ataques que mutilam as vítimas. E existem também outros tantos que não são relatados.

Principalmente nas regiões da África Sub-ariana, cuja população de albinos é estimada em 15 mil pessoas, em países como Tanzânia e República do Malawi, crenças locais consideram amuletos partes dos corpos de albinos.

Em ataques violentos, eles são mortos ou mutilados para a retirada do que é considerado um símbolo de sorte e saúde. Estima-se que partes dos corpos de albinos chegam a ser negociadas por mais de 70 mil dólares.

Segundo Waithera, a violência sexual também é uma das práticas das quais as mulheres albinas são vítimas. Há o mito de que o sexo com com uma mulher com albinismo possibilita a cura do HIV/AIDS.

Waithera relata o abandono de muitas crianças albinas, pouco depois que elas nascem.

"A maior barreira, claro, é o estigma que começa desde o dia em que você nasceu."

Isso, inclusive, ocorreu com ela, que foi abandonada por sua mãe quando bebê e intimidada quando criança.

Cegas por conta do albinismo
Todas as participantes da expedição são cegas, tendo perdido a visão como consequência do albinismo, um problema genético que interfere na produção de melanina, responsável pela pigmentação da pele, do cabelo e dos olhos. Cada uma delas será acompanhada por um guia e usará proteção especial para os olhos.

Além da perda da visão, outra consequência pode ser o câncer de pele. 

Mas, pensando de forma otimista, Waithera dá a entender que iniciativas como esta têm grandes chances de sucesso, principalmente em função das redes sociais.

"Precisamos deixar a sociedade saber que não há diferença entre nós e eles. Acho que vamos realmente mudar a mentalidade. Já estava na hora."

No campo de refugiados de Bakassi, península na costa atlântica da África, a troca de mercadorias fala mais alto que o dinheiro: um pequeno pacote de lenha pode ser usado para comprar algum leite e uma tigela de peixe paga o óleo de cozinha.

TELINHA QUENTE 320

Roberto Rillo Bíscaro

Chegou a hora de cruzar pela derradeira vez a Ponte Øresund, que liga a capital dinamarquesa à sueca Malmö. Entre janeiro e fevereiro as TVs dos dois países transmitiram o fim da saga de Saga Norén. Mais bem-sucedida no estrangeiro do que em sua terra natal BronIIIIBroen não apenas gerou releituras, mas ignificou a tendência das parcerias extrafronteiras. De 2011 pra cá, é um tal de policial parisiense ir ao norte da Suécia trabalhar com colega de lá! Na maioria dos exemplos, seria mais correto afirmar que tais produções são efeitos colaterais de The Bridge (não confundir com a odiosa versão norte-americana, que tem na Netflix, ugh!), porque o uso do inglês como língua franca precarizou as atuações.
Como sua precursora Forbrydelsen, A Ponte terminou na hora que precisava. A quarta temporada veio até com dois capítulos menos do que a dezena das anteriores. A saída de Kim Bodnia jamais foi superada. Martin Rhode era o contraponto perfeito pra provável Síndrome de Asperger, de Saga. Não foi culpa do ator Thure Lindhardt, competente como Henrik, atormentado colega, que até se envolve amorosamente com a loira sueca. Mas, os produtores não podiam fazer da personagem um Martin 2, o Retorno do Barbudo, então parte vital da química do show se esvaiu.
Também não se trata de ranhetice de resenhista incapaz de lidar com novos cenários. O papel de Henrik nessa temporada final é bem menor; BronIIIIBroen passou a ser, literalmente, o show de Saga Norén, Länskrim Malmö. Na maior parte do tempo, ele é paciente, não agente, e é Saga quem lhe tira enorme tormento das costas.
Em termos de enredo, Hans Rosenfeldt e Camilla Ahlgren não podiam alterar nada, afinal, fãs esperam um Nordic Noir violento, irreal, triste e sombrio, com tramas aparentemente dispersas, que se clicam espetacularmente ao longo da travessia. Tudo isso é entregue, além de novidade esperançosal: essa é a única temporada que não acaba em desastre. Mas, não há do que reclamar, porque os roteiristas deram finais pra toda essa gente tão mais reservada que nós, mas que aprendemos a amar sem reservas. E ouvir Saga dizer o último “Saga Norén”, ao telefone, em cima da ponte, em seu carro vintage, arrepia.
Bron/Broen é daquelas séries pra ter e rever, rever, rever...

segunda-feira, 30 de julho de 2018

UMA FAMÍLIA EM PRETO E BRANCO NA GUINÉ-BISSAU

Dos oito filhos de Mafanta Cissé, três são albinos e agora a vida lhe deu três netos com a mesma alteração genética. Esta é a história de um clã que venceu medos e zombarias e vive em harmonia com os vizinhos



Mafanta Cissé, de 73 anos, senta-se à porta de sua casa no bairro de Missira, à sombra de uma imensa árvore. Lá ela vende saquinhos de sabão em pó a 75 centavos de euro para as vizinhas, uma maneira simples de ter uma pequena renda extra. Nos últimos dias tem muito tumulto em volta dela. Há apenas um mês nasceu Sumaila, seu neto mais novo, o último tesouro dessa grande família. Branco como a lua cheia, o pequeno se encolhe nos braços de Mafanta e recebe uma mamadeira quente para regozijo geral. De seus oito filhos, três são albinos e agora a vida lhe deu três netos com a mesma alteração genética. “Uma bênção”, diz a orgulhosa a avó.

É comum ouvir histórias negativas sobre o albinismo na África, histórias de pessoas perseguidas e até assassinadas por bruxaria. No entanto, aqui, neste lugar da Guiné-Bissau, a família Darramé é apreciada e respeitada. Como em muitos outros lugares do continente, embora apareçam menos na imprensa. “Minha irmã teve um filho albino e isso nos preparou de certa maneira. Eu tinha um pouco de medo e estava preocupada com o futuro deles, mas com o tempo entendi que nas coisas de Deus não devemos nos meter. Ele decidiu que as coisas são assim e sempre nos ajudará. Estou feliz por estar viva e cercada por todos os meus netos”, explica a matriarca deste heterogêneo clã.

Foi como uma roleta. O filho mais velho, Suleymane, nasceu com essa alteração, o que significa que Mafanta Cissé e seu marido Bamaro Darramé tinham o gene recessivo sem o saber. Em seguida vieram Mamadú, Issa e Awa, todos negros como seus pais. Depois Mariama e Brahima, albinos, enquanto as pequenas Djalica e Adara não. Na geração seguinte, as combinações também foram curiosas. Enquanto os filhos de Suleymane e Mariama (ambos albinos) nasceram sem a alteração, três dos quatro filhos de Issa (que não é) herdaram o albinismo.


Embora ele não tenha podido terminar seus estudos, as coisas não foram de todo más para Suleymane, que agora é professor de escola primária. Seu irmão Brahima também teve que desistir de ir à escola devido à falta de recursos financeiros e hoje está procurando emprego, além de ser um membro ativo da associação de albinos da Guiné-Bissau. “Quando era criança, de vez em quando me chamavam de barata branca e caldo de mancara, um prato que leva um molho clarinho. Ouvi dizer que é uma maldição, que somos crianças-serpente, mas devo dizer que do que mais me lembro da minha infância é como brincava com meus amigos Samba, Avelino e Saliú, e como me defendiam se alguém se metia comigo”, explica Brahima.

O albinismo é um distúrbio de origem genética e hereditária que faz com que os indivíduos afetados não tenham pigmentação na pele, nos cabelos e nos olhos. Eles geralmente apresentam problemas de visão e têm uma pele muito sensível, especialmente aos raios do sol. “Na Guiné-Bissau não há dermatologistas especializados”, continua Brahima, de 28 anos, “e isso é um problema. No entanto, a questão mais séria é a visão porque nos coloca no limite entre poder ler e escrever normalmente”, acrescenta.

Aisha e Lucmani, filhos de nove e sete anos de Issa, correm ao redor de Mafanta enquanto ela os repreende com aquela sábia mistura de autoridade e ternura que só as avós sabem conjugar. “Aqui todas as crianças são iguais, não fazemos nenhuma distinção”, diz a matriarca, “por aqui as chamam de brancos como um insulto, mas eu respondo que os brancos também são filhos de Deus”. A menina brinca com diferentes óculos de sol e Lucmani é um verdadeiro turbilhão de saltos e corridas. “Quando eu crescer, quero ser professora”, diz Aisha. “E eu motorista de carro”, diz o pequeno. Ambos frequentam uma escola de beneficiários do Projeto de Educação Inclusiva da Guiné-Bissau (APPEHL), implementado pela ONG Humanidade e Inclusão e financiado pelo UNICEF, pela União Europeia e a Agência Francesa para o Desenvolvimento.

O bebê se esconde envolto em um pano cinza entre os braços da avó, alheio ao alarido. De repente, Aisha começa a cantar o hino da Guiné-Bissau. “Eu gosto de cantar”, diz com o olhar baixo e um sorriso tímido. Lucmani, no entanto, prefere fazê-lo “apenas nos dias de Carnaval”. Duas vizinhas observam a cena sorrindo e se sentam debaixo da árvore da família, cansadas da caminhada e se divertindo com o redemoinho infantil. Dois meninos querem levar Lucmani para jogar futebol, mas ele prefere se esconder do sol até que fique menos intenso. “Meu jogador favorito é Cristiano Ronaldo”, finaliza.

Brahima Darramé colabora com a ONG Humanidade e Inclusão (antiga Handicap Internacional) na denúncia da discriminação sofrida por pessoas com deficiência. “Os problemas de pele e de visão significam que os albinos muitas vezes não conseguem terminar os estudos e ter um trabalho digno. Deveríamos ter algum tipo de ajuda do Estado”, explica. Em um país em que 80% da população vive com menos de dois dólares por dia e sustentado nos últimos anos por doadores internacionais, isso não é fácil. Nem eles nem quase ninguém. “Mas aqui estamos e temos uns aos outros”, diz, abrindo os braços e mostrando sua linda família, na qual cada membro contribui com o que pode. “Uma bênção”, repete Mafanta Cissé.

CAIXA DE MÚSICA 325

Roberto Rillo Bíscaro

Amora Pêra é filha de Gonzaguinha e da Frenética Sandra Pêra. Longe crer que talento seja geneticamente transmitido, mas ser neta do Rei do Baião e sobrinha de uma das atrizes mais respeitadas de sua geração proporcionou ambiente favorável pra que a moça tivesse acesso a manifestações culturais e desenvolvesse inclinações artísticas.
Integrante do trio Chicas, desde 1996, ano passado plantou carreira-solo com o álbum A Dúpé — Nós agradecemos em Iorubá. Em entrevista de 2011, Amora disse que seu nome frutal jamais lhe constrangeu. O máximo que acontecia eram chamarem-na de salada de fruta.
No país extremamente segregacionista, mas que adora projetar imagem de democracia cordial, A Dúpé utopicamente metaforiza a salada de frutas que gostaríamos que fosse a nação, onde um sabor completasse o outro e não houvesse um que sobrepujasse os demais. Xangô come Afrodite nesse universo sônico texturalmente rico de psicoodelia ioruba.
São 14 faixas, onde spoken word é embalada por canto de cigarra (Amandla Is Nie Dood Nie) e poesia cercada por canto ritual indígena (Iláborigenis). Mas, não é só falação, há muita música boa e densa em A Dúpé.
A abertura Peço e Posso sintetiza o todo: abre etérea, mas logo vem batuque afro coexistindo com distorcidas guitarras de ácida psicodelia, que informa também o final de De Quem Vai. Por mais ioruba que essa superplugada (diria Tulipa Ruiz) geração urbanita se pretenda, a influência do Tio Sam é tentacular, daí o bilinguismo do indie rock Newsome e as letras em inglês na apenas vocálica e meio spiritual When I Die e no blues alternativo de Belong.
Fãs de MPB com letras de perscrutação emocional e interpretação dramática à “Atrás da Porta”, delirarão com a belezura de Quem Encorajaria. Tá Na Cara é meio Marisa Monte anos 90, embalada por atabaques. Vê Lá Nunca Mais dá show de violão flamenco e Canto Cigano de Uma Noite já traz sua marca de nascimento no título. Mas, nada nunca é tão simples em É Dúpé. Esses estilos estão mixados com outros. Playground parece caixinha de música lúdica pra criança, mas começa a experimentar, assim como o coro afro do lamento Lágrimas do Sul não é bem-comportado e subserviente. Ouça focando nas vozes ao fundo e veja como se rebelam em relação à principal. Ficou mais orgânica do que a original do algo ligado-no-piloto-automático álbum de Milton Nascimento, de 1985, de onde foi extraída.
Melada com a forte voz de Amora Pêra, que tem hora parece cantar sorrindo, essa salada de frutas é colorida e suculenta.

domingo, 29 de julho de 2018

“SUPERANDO” O ESTUPRO


Roberto Rillo Bíscaro

As aspas no título expressam meu desconforto em – como homem – sugerir que uma mulher possa superar ato tão vil quanto abuso sexual. Dados estarrecedores indicam que a violência contra a mulher é alta em qualquer classe social e mesmo em países onde a igualdade de gênero é política pública, a violência contra elas não necessariamente diminui.
Pensamos mais na violência sexual, aquela envolvendo escoriações e penetração, mas mulheres convivem diariamente com práticas insidiosas: apalpadas, assovios, encoxadas em vagões lotados, cantadas, gracejos inconvenientes. É a preocupação de evitar passar por certos locais com uma roupa mais curta ou ser culpabilizada por algum avanço de qualquer espécie, simplesmente por se ter sido gentil. Uma pressão com a qual nós homens podemos até empatizar, mas duvido que entender em sua amedrontadora plenitude, por sermos educados para exercer o papel de donos do mundo.
Tudo isso vem à mente com a leitura do conciso Nunca Mais Olhei Para Trás, livro de estreia da escritora penapolense Carol Freitas, lançado de forma independente há algumas semanas.
A narrativa em forma de diário simples e direto, fala do drama de uma adolescente estuprada pelo padrasto e que depois sofre arrasadora perda familiar. Seus capítulos curtos e breves setenta e poucas páginas mostram como Maria Luísa encontrou forças para lidar com os traumas, através da espiritualidade, ajuda profissional e construção de carinhosa e protetiva rede de apoio fraterno.
Pode-se argumentar, que, como para compensar Maria Luísa pelo opróbrio, a narrativa faz com que tudo dê muito certo depois e ela só encontre gente disposta a entender o que passou. Mas, isso é secundário nessa obra, onde sobressalta a capacidade de se comunicar com o emocional do leitor.
Historiadora e advogada por formação, Freitas está mais preocupada com denúncia social que esclareça e inicie reflexões, do que com firulas linguísticas. Nesse sentido, atinge em cheio toda uma geração acostumada à linguagem mais direta da TV e da internet. Carol sabe construir suspense e dar indícios do que sucederá, especialmente na parte mais emocionalmente pesada, para depois mostrar como é possível uma recuperação e até o uso da experiência devastadora como motivo para ajudar os outros.
Por ser publicação própria, Nunca Olhei Para Trás só pode ser comprado diretamente nas livrarias de Penápolis, mas aos interessados de fora, deixo a página do Facebook, criada para a obra. Quem sabe você não faz negócio com a doce Carol?


sábado, 28 de julho de 2018

O BEATLE MAIS FOFO


Ringo, o gato albino e surdo mais meiguinho do mundo

Ele chegou no comecinho de noite em um domingo de setembro de 2010, uma semana antes do meu aniversário. Minhas irmãs o trouxeram escondido no ônibus e no metrô. Para elas, ele também era ela… mas ao chegarem, eu olhei bem aquele pequeno ser que parecia uma bolinha, que se não estivesse tão suja e cheia de pulgas seria branca, e percebi que era um menino.
Quieto, parecia estar com muita fome. Ele estava acompanhando outro gato pela rua quando decidiu entrar na casa delas, algo meio suicida, levando-se em conta que elas têm um pit bull nada amigável com outros animais. Elas o resgataram, esconderam no quarto e me ligaram. Afinal, o que era mais um gato para quem já tinha quatro? E eu não tive como recusar.
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Ringo e Sting
Eu o separei dos demais, como ensinam, quando já se tem gatos. O correto é ir introduzindo o novo habitante aos poucos. No dia seguinte, ele já tomou banho no pet shop e passou por uma consulta veterinária. Estava tudo bem, deveria ter uns três meses. Eu o batizei de Ringo, em homenagem ao quarto beatle, Ringo Starr. Ele tem olhos azuis, uma carinha alegre e é estrábico. Aos poucos, ele logo conquistou a amizade do Sting, que havia sido o último adotado (outro dia conto a história dele, que é bem bonita também). Os dois se tornaram inseparáveis, até a chegada do Pelé, que também vale outro perfil aqui.
Voltando ao meu bebê, pois ele sempre será meu bebê, não sei ao certo quando me dei conta de que havia algo estranho com ele. Quando algum som muito alto assustava os outros gatos, ele permanecia igual, só se alterava ao notar a mudança do comportamento dos demais. Quando se usava o aspirador de pó em casa, por exemplo, os gatos todos saíam de perto, exceto ele. Comecei a desconfiar, e fiz uns testes bem caseiros, do tipo gritar bem perto dele. E nada. Assim, descobrimos que Ringo é surdinho. Mais, descobrimos que ele é um gato albino.
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E o que são gatos albinos? Explicando de forma bem simples, são gatos totalmente brancos, graças a uma mutação genética, e muitos deles são surdos. Interessante que aqueles que têm olhos de cores diferentes costumam ser surdos apenas do ouvido do lado do olho azul. Eles não podem tomar muito sol, por correrem o risco de desenvolver câncer de pele.
E, adivinhe se Ringo não ama tomar sol?! Sempre preciso ficar atenta, e chego ao extremo do ridículo de não tirá-lo do sol, mas abrir uma sombrinha e criar uma boa proteção sobre ele. E ser surdo não atrapalha a vida dele, aliás, em dias de jogos ou em época de festas de fim de ano, ao contrário dos outros, ele não sofre nada.
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Bom, Ringo já é um gatinho especial, certo? Mas não parou por aí. Um dia, estava exatamente como estou agora, escrevendo algo quando senti um movimento forte embaixo da mesa, ao olhar, ele estava se debatendo. Desesperada, notei que estava tendo convulsões, comecei a gritar e minha irmã mais nova, que estava aqui, me ajudou a tirá-lo do chão.
Eu o peguei no colo e desci as escadas do meu prédio correndo, sem caixa de transporte, sem celular, sem bolsa e fui direto para o veterinário, que atendia na mesma rua em que moro. Cheguei lá e falei que achava que ele tinha tido um choque, pois havia fios e tomadas. O rapaz me disse que ele ser epiléptico era menos perigoso que levar um choque. Para eu tomar cuidado.
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Ringo tentando se drogar ao enfiar o focinho no meu tênis…
Dias depois, acordei assustada, sentindo um movimento fora do normal embaixo da minha cama. Achei que alguns gatos estavam brigando, ao olhar, era Ringo tendo outra convulsão, e perto de uma tomada novamente. Eu o tirei do chão imediatamente, o coloquei na cama e fiquei desesperada… era de madrugada. Chorando, falava que ia passar… e passou. No dia seguinte, levei-o na veterinária, que entrara no lugar do rapaz que havia saído. Ela não pode fazer muita coisa, pois, novamente, achava que ele havia cutucado a tomada.
Porém, na terceira vez que ele teve convulsões, descobri que não era por causa de possíveis choques elétricos. Ele estava dormindo na caixa de transporte. A partir deste dia, a veterinária me disse para dar Gardenal, mas que o correto era procurar um veterinário especialista, um neurologista. Fui até à Faculdade de Medicina Veterinária da USP, onde fui muito mal atendida e perdi muito tempo. Conversei com ela que, então, me disse para procurar um dos mais conhecidos da área, que dava aulas e atendia na Faculdade de Medicina Anhembi-Morumbi: João Pedro de Andrade Neto. Consegui agendar e lá fomos nós.
ringo na janela
Todo gato tem muito de equilibrista, não?
É muito interessante ver como fazem o diagnóstico, com testes e tal, mas, claro, foram pedidos raio X do cérebro e, se fosse possível, uma ressonância magnética. Sendo que este segundo exame, como sabem, é bem caro. Porém, o raio X apontou que havia algo no cérebro do meu bebê, sim. Só que não fazem cirurgias no cérebro de animais, ao menos aqui no Brasil. O que deve ter acontecido a ele é que, ainda bebê, tenham batido na cabecinha dele ou ele mesmo a bateu, mas algo criou uma lesão que está lá, parada, não cresce, não diminui, mas causa as convulsões.
Começamos o tratamento, mas não há muito o que fazer. Ele toma Gardenal até hoje, porém, em doses que foram aumentando durante os anos. Depois, ele começou a ser atendido por outro neurologista da Anhembi-Morumbi, também muito prestigiado, Wagner Sato. Desde então, ele está sobre controle, mas, de tempos em tempos, infelizmente, ele tem convulsões. O que me faz chorar, sempre…
Outro momento que me deixa chateada são as duas vezes por dia em que tenho de dar remédio para ele. Ringo, claro, odeia. Ele tenta se esconder debaixo da cama, baba, me olha como se me perguntasse “por quê?” e eu peço desculpas e digo que o amo muito.
Talvez eu dê mais atenção a ele que aos outros, por motivos óbvios, mas Ringo é tão meiguinho, tão doce, um gato diferente mesmo. Apesar de surdo, ele mia, e muito, e alto… Talvez por não ter noção alguma de sons.
ringo na caminha
Preguiça, preguiça, preguiça…
Rotina
Quem tem gato sabe que eles adoram rotina, alguns têm lugares preferidos pela casa, o lado certo de ficar na hora de comer, parecem o Sheldon da série The Big Bang Theory. Por exemplo, todas as noites, quando me sento ou deito no sofá para assistir ao jornal ou outra coisa na televisão, Ringo vem e se deita no meu colo. De vez em quando, estou em pé e ele se esfrega em mim, ou “escala” minhas pernas. Claro que esta última me machuca, mas eu tento resistir, como resisto em me levantar ou me mover para não incomodá-lo quando está colado em mim. Entendedores, entenderão!
ringo passar roupa
Você mandou me tosar, agora não vou te deixar passar roupa…
Uma coisa que ele faz, e que eu acho muito engraçada, é “montar” nos outros gatos, como se fosse “cruzar”, ele morde a nuca e começa a fazer uns sons engraçados. A veterinária diz que é para mostrar domínio, não é algo sexual. Mas é engraçado de se assistir.
Poderia escrever mais mil coisas sobre meu bebê, que hoje tem oito anos. Ele já é um adulto, quase um idoso na “conta felina”, mas para mim ele é e sempre será “meu bebê”.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

TELONA QUENTE 246


Roberto Rillo Bíscaro

A reação mais interessante à resenha do russo Leviatã foi dum Faceamigo dizendo que ficara curioso, mas que parecia por demais deprimente pra ver durante a crise generalizada, pela qual passa o Brasil. E quem pode culpá-lo por querer evadir-se no tempo e no espaço, bem à moda do Romantismo? Quem não está enjoado/enojado de ministros de supremo com boca de sapo?
Dia desses, achei pequena e defeituosa válvula de escape nos recônditos da Netflix. Nem título em português deram pra Jag älskar dig - En skilsmässokomedi
(2016). Google me disse que a tradução é algo como “Te Amo – Uma comédia de divórcio”. Na verdade, ele me contou em inglês, eu que traduzi livremente pro português.
Depois de anos num casamento cujo amor e tesão evaporaram, Marianne abandona o marido Gustaf, advogado previsível, com óclinhos de Woody Allen e que não a enxerga.
Esse é o mote pruma comédia romântica pedestre, mas que cumpre mais do que a função de nos subtrair da sórdida política nacional tomada por trambolhos com cara de vampiro trash. Além de apresentar gente bela, lindas paisagens de Estocolmo no outono/inverno, Jag älskar dig - En skilsmässokomedi nos mostra que “desenvolvidos” podem fazer bobagens tão grandes como as detratadas em nosso cinema. Isso não é pra desestimular ver a película. Vi até o fim e me diverti, mas há que se ter o senso crítico desperto, mesmo quando se quer fugir.
Jag älskar dig - En skilsmässokomedi existe numa Estocolmo ideal, onde as personagens andam de táxi o tempo todo, como num filme de Woody Allen, e a trilha-sonora é cópia escarrada do padrão hollywoodiano pra esse tipo de produção.
Como é sueca, a comédia é desinibida pra com nudez masculina e as roupas de frio são lindas. Tudo vai redondinho, num roteiro onde todo mundo não passa de esboços. Do meio do nada, o cara diz que reencontrou a mãe que não conhecia. Deu pra sacar na hora quem seria, o que aconteceria etc.
Pra ver sem pensar, espiar a linda capital sueca, pra despressurizar que, é, afinal, uma das funções desses filmes que mostram pessoas largando empregos pra terminarem um livro e não se preocupando com dinheiro. A gente vê, se projeta neles um pouco, fica com vontade de “seguir o sonho”, mas na manhã seguinte volta pro trampo com metade do filme já esquecido.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

CONTANDO A VIDA 241

MONTEIRO LOBATO E DONA PUREZINHA

José Carlos Sebe Bom Meihy

Sempre desconfiei da expressão “atrás de um grande homem, existe uma mulher”. E minhas dúvidas variavam do eventual elogio do feminino, ao reforço do machismo, pois, afinal, o referente principal é a existência de um “grande homem”. A mulher ficaria, assim, como complemento. Tudo se complica na medida em que se aprofundam os questionamentos suplementares, algo do tipo “e atrás dos homens, não tão grandes”? Pior ainda, quando se inverte a equação “e atrás de alguma mulher grande”? Os desdobramentos podem se multiplicar ao infinito e, de qualquer conclusão, sabe-se que não despontará nada que qualifique a mulher por si, sem homem que lhe garanta protagonismo. Essas minúcias decorreram de uma situação concreta e surpreendente. Estive no arquivo da Unitau, em Taubaté, investigando sobre a documentação de Lobato. Por ouvir falar, uma amiga solicitou que eu buscasse os cadernos de Dona Purezinha, esposa de Lobato. Coisa aqui, coisa ali, acabei por demorar, até que surgisse a possibilidade de examinar o material específico. Confesso que fui prevenido, pois imaginava (e acertei em cheio) a precariedade do acervo e a modéstia nas condições de guarda. Mas fui, até o fim da proposta. 

Com simpatia, a atendente me ajudou a achar as quatro caixas com os documentos supostos. Começava aí minha perplexidade. Em primeiro lugar, devo dizer que não me abati frente o maltrato do material. De início, defensivamente, nem fiz muita questão, posto que nenhuma grande revelação ocorria. Aconteceu que na última caixa, encontrei um pequeno tesouro: um caderno de anotações de Dona Purezinha. Sabe-se que ela, na surdina das companheiras de personagens famosos, selecionava e reescrevia textos inteiros ou fragmentos significativos de documentos pessoais. E no caso, foram sete cadernos que não estão reunidos e sequer considerados. Na lógica rasteira dos biógrafos, é Lobato o centro das atenções. Sem nenhum cuidado requerido, como qualquer outro papel sem valor específico, um gasto caderninho guarda os tais registros da ainda pouco conhecida Dona Purezinha. As cópias que a esposa dedicada fazia do marido famoso dizem muito dele, mas dizem muito mais dela. Com cuidadosa letra, cartas inteiras ou pedaços foram juntadas à outras informações, também fracionadas: relação de parentescos em suposta árvore genealógica; princípios espiritualistas e informações contábeis. Entre as cartas, uma me enterneceu mais que todas, e esta foi, talvez, a primeira, escrita quando esteve fora de Taubaté, e, com cuidados e vergonha avisava a todos os familiares que havia sido reprovado nos exames. No outro extremo, uma carta escrita na cadeia, em 1941, ele falava da experiência de ser preso. É sabido que no presídio, Lobato escreveu muitas cartas, mas esta, a primeira, ele enviou para a esposa. 

Independente dos tópicos da carta da prisão, há algo mais que clama reflexões, e dentre tantas, uma pergunta desponta sobre todas: qual o papel de Dona Purezinha na vida de Lobato? Na aparência seria ela mais uma das tais “mulheres atrás de um grande homem”? Por certo, não se trata de deslocar o personagem de seu papel no complexo panorama da história das mulheres. Dona Purezinha não poderia fugir do desempenho desenhado para o gênero de acordo com os padrões de sua época. E nada dessa lenga de “mulher fora de seu tempo”. O tempo de cada qual é o tempo que lhe cabe, e pronto. O que distingue essa mulher das demais é a dedicação irrestrita à seu marido. E isso se mede pelas delicadezas com que acompanhou o agitado escritor e como ela recortou fatos marcantes de sua admiração. O fato de ter guardado as cartas, feito cópias delas, revela também a colagem de temas fundamentais para se pensar a própria biografia dessa mulher desfocada. Discreta, cuidadosa, receptiva, ela ocupou o lugar que lhe cabia, mas com mais solenidade do que se esperava. 

Um dos problemas que muito me encafifam nas análises sobre Monteiro Lobato é a despersonalização de suas manifestações. Visto sempre como “homem público” parece que ele foi só editor, só defensor do petróleo, só escritor de sucesso, tudo, porém sem vieses humanos. E ela, figura apagada. Por ironia, foi pelas letras escritas que o “taubateano rebelde” se fez conhecer. Será que não é pelas letras de Dona Purezinha que a devemos reconhecer?

terça-feira, 24 de julho de 2018

TELINHA QUENTE 319


Roberto Rillo Bíscaro

Todo governo tem um segredo, o do espanhol é o ministério do tempo. O país possui centenas de portas que conduzem ao passado, todas concentradas no enorme prédio da repartição. Essa é a premissa dos 34 capítulos divididos em 3 temporadas, de El Ministério del Tiempo (2015-17), produção da TVE, com participação da Netflix em sua temporada final, o que garantiu sua disponibilidade nos catálogos mundiais do serviço de streaming.
A função do ministério é preservar a história espanhola. Qualquer alteração no passado que possa modificar o presente é corrigida pelos agentes intertemporais da organização. Pode-se e deve-se viajar ao passado pra evitar que Cervantes se dedique só ao teatro e deixe de escrever o Quixote, por exemplo. Mas não se pode salvar a mucama da morte, porque isso pode alterar a História. Vai que se ela não morrer, acabe por assassinar um tetratetratetravô dalgum importante de Espanha, que então não nasceria. Embora isso seja aceito como ponto pacífico, diversas personagens ao longo das temporadas rebelam-se contra o favoritismo dado aos grandes da História, enquanto os comuns ganham apenas a lei.
A série é dinâmica, as personagens muito simpáticas, a produção caprichada e a trama vai se complicando. Portas desconhecidas pelo Ministério são reveladas, usadas por inimigos, insurretos e até uma agência de turismo temporal ianque. Geralmente, enquanto os agentes Amelia, Alonso e Julian estão em algum lugar do passado, o corpo administrativo do Ministério tem que lidar com algum (enorme) problema ou perigo também.  Além disso, as vidas pessoais dos agentes principais interferem, porque querem salvar entes queridos ou alterar destinos de gente que lhes caiu bem durante as missões.
O roteiro não se esquece de explicitar a dor e agonia que inevitavelmente surgem de se bulir com a cadeia temporal. Aquela pessoa ultragracinha que você conheceu na última viagem a 1843 hoje não é nem mais pó e ninguém sabe que existiu. E isso dói. Entretanto, El Ministério del Tiempo não afunda em melancolia. Pelo contrário, é cheia de humor, seja pelo choque cultural de gente se enfrentando com épocas de costumes e tecnologias tão distintas, seja mesmo pelas atitudes e histórias. Um capítulo em que Cristovão Colombo cai nas lábias de um argentino é impagável. E Velasquez – o pintor, sim – trabalhando como desenhista do ministério, ególatra e egocêntrico? Amo. Mas tem drama, também. De vez em quando, eu marejava...
Não é necessário conhecer história espanhola pra entender as histórias, mas professores da área poderiam muito bem usá-la como trampolim pra pesquisas. El Ministério del Tiempo tem pleno potencial pra unir utilidades e agradabilidades.
Viciante em suas duas primeiras temporadas, o ritmo cai na que será provavelmente a última, a não ser que a Netflix intervenha, mas parece improvável. Personagens queridos saem, algumas tramas do miolo da temporada são arrastadas e, claro, a fórmula já tinha dado. 
La Casa de Papel parece que foi sucesso algo inesperado. Bem que a deliciosa El Ministério del Tiempo podia ser também. Daí, quem sabe a netflix não pensaria em lançar mais séries espanholas pra nós? Crematorium, El Barco, El Internado, ai que vontade de ver tudo isso!

segunda-feira, 23 de julho de 2018

CAIXA DE MÚSICA 324


Roberto Rillo Bíscaro

Um leitor reclamou que eu dava espaço pra menos famosa Tamar Braxton e nenhum pra mana Toni. De fato, resenhei os álbuns Calling AllLovers e Bluebird Of Happiness, de Tamar, e, a parte Un-Break My Heart, pouco conheço de Toni Braxton. Em minha defesa, a diva noventista não lançava solo desde 2010 (o trabalho de 2014 foi com Babyface) até ressurgir dia 23 de março, com o conciso Sex and Cigarettes.
(Bem) Passado seu ápice comercial (o único primeiro lugar do álbum foi na parada britânica de R’n’B, e isso significa nada), Toni Braxton não veio interessada em inovar sonoramente. As 8 faixas apresentam produção conservadora à anos 90/década passada. São baladas de muita sofrência, cantadas com sua voz que de quando em vez enrouquece. Apoiadas em piano e/ou violão, a faixa-título e Deadwood são pra ouvir dramatizando muito. Long As I Live tem clima mais arejado, meio de soul jazz funkeado, bem FM descolada d’outrora. Tem o easy listening de Sorry e a sem-gracice de My Heart. Coping ensaia virar dançável durante todo seu tempo, promessa que só se concretizará na derradeira Missin’, que mesmo assim, não é nenhuma locomotiva dance.
A única novidade é que Toni Braxton entra pro time das divas bocas-sujas, que falam “bitch” e “motherfucker”. Na esparsa FOH (Fuck Outa Here), a base sônica é familiar, mas a sofrência vem com chuva de impropérios. 
Ao contrário das Braxton que estão sempre sob holofotes, Krishunda Echols é praticamente invisível. Sua página no Facebook não tinha 800 seguidores, quando escrevi esta postagem e seu álbum I Miss You, lançado no início do ano, tem produção bem humilde. Não lembro como me deparei com ele, mas dá pra conferir no Spotify, CDBaby, enfim, quem pesquisa, acha.
Quem cresceu/adolesceu nos anos 80, ao som de Gregory Abbott, Rockwell, Nu Shooz, ou os Jermaines Jackson ou Stewart vai se sentir em casa com a simplicidade pop soul de I Miss You. As canções brejeiras, como a percussiva Wiggle e Let´s Party falam de como é bom festar e dar, como em Last Night, onde canta “rock me all night long/like my back ain’t got no bone” Eita!
Quando é pra sofrer, tem até copioso choro no final, como no puro melodrama de How Can This Be. Get Through To You saiu do mesmo tecido que deu ao mundo canções como For Your Babies, do Simply Red e Hold Me In Your Arms, do Rick Astley, só que a produção tem menos dindim. O funk de Give It Up enfurecerá feministas, porque volta praquele tempo em que as negras exortavam as colegas a colocarem seus homens no trono e tratá-los como reis, desistindo de si mesmas.




Adriana Evans passou infância imersa em jazz e música caribenha, devido à origem e/ou profissão de seus pais. Vivendo na cosmopolita San Francisco, o influxo musical incluiu soul, rock e, mais tarde, em Los Angeles, Evans conheceu melhor o mundo hip hop. Um vozão e tantas influências resultaram em carreira musical rica, embora pouco valorizada comercialmente.
Talvez por essa falta de reconhecimento, Evans tenha se refugiado no Brasil após seu primeiro álbum (1997). A estadia por aqui se faz presente em sua música, que não vem frequentemente desde 2010. Em novembro do ano passado, saiu apanhadão chamado Lost And Found, com (re)mixes, versões alternativas e instrumentais (as 3 últimas, a parte mais chatinha dum álbum delicioso).
As nove faixas restantes, porém, são paraíso pra fãs de quiet storm, jams do final dos 70’s, urban soul, enfim, povo retro-soul em geral, que não resistirá a delicias como Distant Lady ou o dueto Candy Man. To Know You vem em versão soul pra depois ressurgir em uma soft rock, que derreterá o coração de quem se recorda de Rita Coolidge, Nicolette Larson e Juice Newton. Hey Now tem aquela vibração Club Tropicana, pra deslizar por calçadões à beira-mar ipanêmicos ou franceses. Midnight In Mantanzas agregará fãs de acid jazz aos admiradores de Adriana; enquanto a guitarrinha Nile Rodgers, de Summertime, trará à bordo, os fãs do velho Chic. Cold As Ice é funkeada, mas calma e o remix de All For Love aponta como a música brasileira influencia Evans, embora não seja o único exemplo no álbum.

domingo, 22 de julho de 2018

SOMBRAS DA SUPERAÇÃO

A narrativa retrata, através do teatro de sombras, um tema muito presente nos tempos atuais; a violência e os desafios de quem convive com a perda de um ente querido. No caso em foco a história de uma família é interrompida por uma bala perdida, onde a mãe é atingida, momento em que pai e filho se vêm perdidos. Buscamos retratar, o ponto de vista do filho que se desorienta com a perda trágica e repentina de sua mãe, o conflito interno e os desafios de superação que são interpretados de forma lúdica, dando a cada espectador a liberdade de interpretação quanto aos sentimentos ali revelados. Por fim, a esperança é poeticamente ilustrada pela presença da mãe, já no plano espiritual. 

Equipe: Ricardo Silveira - Vinicius Ellwanger - Carini Silveira - Victória Terragno - Fernando Queiroz - Douglas Silveira 

sexta-feira, 20 de julho de 2018

O CAMALEÃO ALBINO

Homem albino tatua 90% do corpo e remove os genitais e mamilos por não combinarem



Tonalidade de sua pele pálida e com aspecto doentio o incomodava


Após ser diagnosficado com câncer há 12 anos, um homem russo albino decidiu tatuar a maior parte possível de si mesmo, incluindo seus globos oculares. No entanto, cobrir 90% de seu corpo com tinta preta não foi o suficiente e, no último sábado, Adam Curlykale, de 32 anos, passou por uma cirurgia para remover seu pênis, testículos e mamilos.

Embora tenha vencido a doença, Adam disse que ficou deprimido durante sua recuperação, numa época em que seu sistema imunológico ficou enfraquecido. A tonalidade de sua pele pálida e com aspecto doentio o incomodava.

"Eu sempre soube que eu era diferente do resto da sociedade. A minha cor favorita, por exemplo, sempre foi cinza, em tons diferentes, e é por isso que minha cor de pele atual é grafite", explicou.

No último ano, o russo ganhou fama nas redes sociais após participar de um programa de televisão polonês, onde relatou sua história e explicou suas razões para alterar sua aparência natural. No Intagram, ele tem mais de 25 mil seguidores.

Ao site britânico "Metro", Adam afirmou que não se sentia bem com seus genitais tendo cores diferentes do resto de seu corpo. Para a realização do procedimento, o homem procurou os médicos do Hospital Jardines em Guadalajara, no México.

"Eu desenho minhas tatuagens porque é o meu corpo. Eu tenho uma visão específica para mim e vivo passo a passo. A vida é tão curta que parei de imaginar o que vai acontecer amanhã. A vida está aqui e agora", frisou.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

TELONA QUENTE 245

Roberto Rillo Bíscaro

John Doe provavelmente começou a ser usado nas cortes e tribunais da Inglaterra do século 14, para satisfazer formalidades técnicas do judiciário: era o nome dado ao arrendatário denunciante na ação de desapropriação. Hoje, nos EUA é utilizado pra designar cadáveres/suspeitos de identidade desconhecida e seu feminino é Jane Doe.
É precisamente uma dessas defuntas anônimas, que cai nas mãos do experiente legista Tommy e de seu filho-assistente, em The Autopsy Of Jane Doe (2016), primeiro filme em inglês de André Øvredal, diretor norueguês que ganhou renome internacional com o divertido Trollhunter (2010), eficiente contribuição escandinava ao sub-subgênero dos found footage films.
Øvredal fez claustrofóbico horror com praticamente apenas duas personagens, movendo-se em pequeno necrotério subterrâneo, em intervalo de poucas horas. Aristóteles aprovaria. Tommy e Austin se preparavam para encerrar a maratona de autópsias ao som de rock’n’roll, quando o xerife aparece com uma morta nua, cujo corpo não apresentava sequer um arranhão. Mas, quando o bisturi corta, as coisas se complicam.
A Autópsia, como conhecido no Brasil, não é para estômagos delicados e em seus dois primeiros atos cria suspense e intriga com maestria. Isso até mais ou menos um sensacional momento de corte, lá pelo quadragésimo-quinto minuto.
Depois disso, perde um pouco da originalidade. Há alguns clichês e o rigor formal autoimposto cobra seu pedágio: contando apenas com o par protagônico, a explicação para o mistério brota em longo monólogo expositivo, como se a personagem tivesse tido epifania.
Nada disso compromete a diversão de The Autopsy Of Jane Doe, que ainda se permite o luxo de ser filme B com excelente atuação de ator do calibre de Brian Cox.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

CONTANDO A VIDA 240

PELA REVISÃO DA LEI DA ANISTIA.

José Carlos Sebe Bom Meihy

As recentes denúncias de que houve corrupção no governo militar brasileiro (1964 – 1985) trouxeram de volta um tema que deve dilatar debates. Na verdade, não se tratava de nenhuma grande revelação, pois grande parte da população menos ingênua sabia á sobejo. Talvez, o impacto recente da “novidade” tenha sido mais flamejado devido o destaque veiculado pela mídia em geral que, aliás, tem insistido no tema. Nessa linha, por exemplo, a camaleoa Rede Globo de Televisão, de maneira latente, tem noticiado agravantes, em todos os seus horários mais concorridos. Por lógico, o referendo da poderosa Central Intelligence Agency (CIA) dos Estados Unidos, lastreou a discussão, até então sempre interdita, quando não silenciada. Permitida pela legislação norte-americana que autoriza a publicidade de documentos confidenciais, 50 anos depois, a notícia liberou a chave que abre cravelhas de onde o mau cheiro de memórias enterradas voltam a intoxicar o já poluído ambiente político brasileiro. Em cena, portanto, convocam-se personagens que um dia foram aproximados de salvadores da pátria corrompida e ameaçada por ideologias que não as suas. Alinhada à corrupção, outras feridas foram abertas, deixando expostos vestígios refinados de torturas, mortes, desaparecimentos, violência sexual.

Protegidos por processos censores eficientes, e pela mitificação de um período de trevas, frente ao inevitável aparecimento de “novas provas”, coloca-se em questão a integridade dos ditadores e asseclas, soldados sempre protegidos pelo controle da opinião pública. A farsa vem caindo dia a dia, e raspa-se o verniz dos pretensos guardiões incontestáveis da honestidade, da moral cidadã. Os interessados em saber sobre tal divulgação podem encontrar aparo na edição do jornal O Globo do dia 04/06/2018, ou mesmo pelo site http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/06/para-eua-havia-corrupcao-na-ditadura-brasileira-diz-texto-da-cia.html. Com manifestação explícita do historiador Carlos Fico se esclarece que “Durante a ditadura militar, houve muita corrupção, mas não havia visibilidade da corrupção, por conta da censura política. Então, muita gente tem a imagem de que naquela época não havia corrupção, mas isso é uma ingenuidade completa”. Frente a isso, laconicamente, sem forças para se justificar, o escândalo que macula os ideais das Forças Armadas, o atual Ministério da Defesa afirmou que “os telegramas revelados (pela CIA) são conhecidos pelo governo desde 2015 e que não há nenhum novo posicionamento a ser feito”. Finalmente, junto ao bom senso em admitir seus crimes, ratifica-se uma verdade reveladora “não há nenhum posicionamento a ser feito”. É exatamente apoiado nessa admissão que se pode perguntar: não mesmo? Do lado da sociedade civil, não deveríamos incentivar a mudança de postura e rever tais ações, pactos de anistia? Tendo derrubado um governo eleito pelo povo, Goulart, teriam os militares direito de não prestar contas públicas por atos feitos em nome da ordem e do progresso? Mas as coisas não param por aí...

Em meio a muitas outras denúncias, todas filtradas por documentos inquestionáveis, uns mais alarmantes que outros, todos de fácil acesso na internet, permite-se saudar a democracia como espaço aberto para discussões que fortaleçam as opiniões. É nesse bojo que se valorizam as retomadas sobre tratos perpetradas pelos militares e seus asseclas contra os opositores sempre colocados como suspeitos. Torturas requintadas, a “casa da morte”, a violação de mulheres, os desaparecimentos, tudo apurado, não seria matéria de reexame? Não seria saudável para a saúde nacional reconhecer publicamente os agentes hoje identificados? Vejam que há relação detalhada das responsabilidades de cada um... Segundo a Comissão Nacional da Verdade, aliás, são indicados todos os 377 nomes dos agentes do Estado que, de acordo com a categoria de atuação, são referenciados. Esta farta variedade de detalhes pode ser facilmente acessada no https://jornalggn.com.br/noticia/a-tortura-e-os-mortos-na-ditadura-militar. Mas não se para por aí. Os tribunais internacionais atentos ao zelo dos Direitos Humanos são claros em dizer que os crimes feitos contra a humanidade, jamais prescrevem. Um caso em especial tem merecido reconsideração. Os documentos da CIA são claros ao retomar o assassinato da mais expoente vítima dos maus-tratos impingidos pelos porões da ditadura, Vladmir Herzog. A Corte Interamericana de Direitos humanos, publicamente, condenou o Brasil pelo inominável assassinato do jornalista, em outubro de 1975 e, agora, sua família pede reenquadramento. Sobre o assunto, com zelo e cuidado sugere-se que se leia: https://oglobo.globo.com/brasil/corte-interamericana-de-direitos-humanos-condena-brasil-por-assassinato-de-vladimir-herzog-22851806

Por certo, os documentos da CIA são mais insistentes nos casos do final da longa noite de 21 anos, pela qual nossos pesadelos foram testados. Há, contudo algumas inquietações que clamam por respostas, além das tais revelações “novidadeiras”. Dentre tantas, cabem duas questões que não podem mais ser caladas: 1- como conseguiram os militares permanecer acobertados por anos, sem que suas torpezas fossem publicamente admitidas? 2- o que fazer agora que sabemos o suficiente para a retomada da questão? O primeiro caso é simples e de fácil enunciado: o golpe não sanou a crônica prática de corrupção, típica de democracias em construção, alicerçadas em estruturas patriarcais, patrimoniais, colonizadas e de rala participação popular. Por lógico o pacto de silêncio conciliou a vocação libertária, latente no povo brasileiro, com a cumplicidade do regime que se viu esgotado em mandos e desmandos. A segunda questão, porém, é bem mais complexa, porque mexe em revisões valentes de países vizinhos e que passaram pelos mesmos processos, O Chile, a Argentina e o Uruguai tiveram coragem de enfrentar a própria realidade e se propuseram, à luz de informações indubitáveis, sem medo de feridas reabertas, rever seu passado ditatorial, cruel e ineficiente, e condenar os mandatários por crimes contra a humanidade. Em nosso caso, pervivendo a clássica matriz que reza que no Brasil reina a tradição do impasse que, a cada problema grave, sugere o clássico deixa disso, e em nome de um pacto surdo e discutível remontamos o que João Alexandre chamou de “tradição do impasse”. Entre o que se considera estabelecido e as novas posturas, despontam desafios que convidam a revisão da Lei da Anistia: teremos fôlego para tanto? Ou é melhor deixar como está para ver como fica, mais uma vez?

terça-feira, 17 de julho de 2018

TELINHA QUENTE 318


Roberto Rillo Bíscaro

A Finlândia quis aproveitar um bocadinho do sucesso Nordic Noir de suas vizinhas escandinavas com os 11 capítulos de Sorjonen (2016), coprodução da Netflix com o canal Yle. Entrou na grade brasuca domingo passado. Em inglês, a série ganhou o nome de Bordertown, ou seja, cidade da fronteira.
Atormentado pela violência perturbadora de Helsinki, o detetive-inspetor Kari Sorjonen se transfere com mulher e filha pra Lappeenranta, no sudeste finlandês, fronteira com a Rússia. São Petersburgo fica a uns 200km. Claro que a violência acompanha Kari pra onde vá e, mal chega, crimes hediondos começam a acontecer. Seu medo de permanecer na capital era que a violência se metesse em sua família, por isso foge. Em vão, porque é lá que isso acontecerá.
O nome em inglês enfatiza a geografia, que, por sinal, é soberba. Lappeenranta fica à beira dum lago, cercada por florestas, então os visuais são de cartão-postal. E dá-lhe imagem de drone sobrevoando pontes e mais pontes. Lindo e plácido e limpo como qualquer Nordic Noir, mas sem neve, porque tudo se passa no verão.
O título finlandês é Sorjonen, o sobrenome de Kari, ou seja, o original pede que atentemos pro detetive, algo bastante comum no subgênero, vide Irene Huss, WallanderInspector Morse. As histórias podem nem ser tão originais – prendem a atenção, porém – mas o ator Ville Virtanen constrói mais um detetive memorável pra fãs do subgênero.
Kari Sorjonen possui aptidões dedutivas dignas dum Sherlock Holmes e pitadinha de Saga Norén. O que não o torna cópia carbonada dos colegas inglês e sueca é que Kari pode ser socialmente meio desengonçado, mas é possível se identificar com ele mais fácil e rapidamente, porque está conectado com a mulher e a filha adolescente. É esquisitão, mas gostável, embora tenha jeito meio mecanizado. Ajuda bastante pra estrangeiros, o idioma finlandês, com o qual, convenhamos, não somos familiarizados. A cadência da voz de Virtanen é hipnótica em sua aparente robotização pra nossos ouvidos.
Outro diferencial de Sorjonen – prefiro mesmo o título finlandês – é que são 3 ou 4 casos divididos entre os 11 episódios, então, dá pra fazer minimaratonas. É o usual Nordic Noir, na verdade, o usual detetivesco: garotas – como a mulherada é dizimada na ficção policial, não? – russas comercializadas como escravas sexuais; crimes horrendos, tipo deixar uma jovem submersa durante dias, respirando mediante tubo (imagine a hipotermia e como fica a pele!) e afins. E Sorjonen sempre deduz tudo com sua memória fotográfica.
Há uma trama maior que perpassa todos episódios, sobre o prefeito que quer construir um cassino e é descrito como meio corrupto, mas pra falar a verdade, nunca o vemos fazer algo errado, é mais o roteiro sugerir seus descaminhos do que apresentá-los. Assim fica complicado: espectador é com São Tomé, tem que ver pra crer. No fundo, as demais personagens apenas realçam os traços de Kari. Normal, a série leva seu sobrenome.