quinta-feira, 27 de setembro de 2018

TELONA QUENTE 255



Roberto Rillo Bíscaro

Os asilos de Madalena existiram entre o século XVIII e o final do século XX e eram chamadas de casas de "mulheres perdidas". Estes locais operaram por toda a Europa e América do Norte (mas parece que quem arcou com o grosso da fama foi a Irlanda) e abrigavam mulheres com deficiência física e mental, rebeldes, mães solteiras e suas filhas, vítimas de estupro e aquelas que se acreditava possuir caráter duvidoso, como as prostitutas. O primeiro asilo foi fundado em 1765, por Arabella Denny, na capital da Irlanda. A instituição recebeu o nome inspirado em Santa Maria Madalena, que segundo a compreensão católica, se arrependeu de seus pecados e se tornou uma das mais fiéis seguidoras de Jesus Cristo.
Em 2014, foram encontrados 800 esqueletos de bebês em apenas uma dessas casas de misericórdia e caridade, na Irlanda e filmes como Philomena chamam a atenção para a ilha. Indefensáveis as tais irmãs de caridade que perpetraram tanto sofrimento, mas a madre superiora dum desses asilos virulenta e certeiramente culpa toda a sociedade, que, com suas hipocrisias morais e religiosas empurrava suas mulheres e crianças “sujas” pra detrás daqueles muros e depois pagavam de chocadas, quando as barbaridades eram descobertas.
Esse tapa na cara é dado em The Devil’s Doorway (2018), longa de estreia da irlandesa Aislinn Clarke. Apesar de não ser grande filme, Clarke é nome pra se ficar de olho, porque há potencial. Provavelmente pra driblar questões orçamentárias, o formato escolhido foi o do found footage film, mas a novidade é que se trata dum filme de época.
Em 1960, 2 padres vão a um convento investigar estátuas lacrimejantes da Virgem. Father John é o jovem que filma tudo e está excitado e sedento por um milagre; tanto por questões de fé, mas dá pra sentir o tino comercial e a vaidade do que isso significaria. Father Thomas, como indica o nome, não acredita em mais nada, devido aos descalabros presenciados em nome da religião. Quando contatam uma menina endemoninhada no porão, o velho padre tem que reconsiderar seu materialismo.
Crer na existência do sobrenatural é tema recorrente em filmes de horror, afinal, do fantasmagórico depende a existência do subgênero. The Devil’s Doorway funciona como versão found footage d’O Exorcista, do qual repete todos os procedimentos e maneirismos aos quais acrescenta a correria de câmera balouçante e imagens truncadas dos found footage.
Ser de época também impõe dificuldade. Se já fica difícil crer que alguém manteria câmera ligada, enquanto tenta salvar sua própria pele, imagine isso com o trambolho pesado que devia ser o equipamento de quase 60 anos atrás. Além disso, apesar de tratadas, a imagem que vemos tem resolução boa demais pra ter tanto tempo e gravada em maquinaria tão “primitiva”.
Malgrado isso tudo, The Devil’s Doorway tem excelente interpretações de Lalor Rody e Helena Bereen, raridade em found footage films e mais, um roteiro! Muitas produções desse sub-subgênero solavancam em mais de um sentido, e pronto.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

CONTANDO A VIDA 250

ENTRE O “POSTE” E O “POSTO”. 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Para meus filhos: Felipe, Davi e Pedro. 

Ao longo de mais de uma década assinando crônicas em diferentes plataformas, aprendi duas lições: os leitores são uns, os eleitores são outros; nesta linha, a impossível neutralidade política tem que ser explicitada a fim de favorecer a objetividade de quem escreve e a recepção de quem lê. De forma suplementar, sempre, em todos pleitos passados, me posicionei claramente em textos que levavam o título, nada sutil, “declaração de voto”. Pois bem, este ano não tenho como fugir da raia. Aliás, nem pensei nisto. Confesso, porém, que me foi penoso, mais do que todas as vezes anteriores. A polarização está exposta e por mais esforços que os “centristas” se juntem não há espaços para drásticas mudanças. Resta, portanto, duvidar das surpresas de últimas horas. 

O mais dramático é admitir que não votarei confiante. Acredito que os Deuses e/ou Orixás armaram uma cilada para nós brasileiros, pois há de haver alguma razão purgatória para tanto paradoxo e desgraça. Por certo, os inventores da tragédia grega e Shakespeare estão rindo de nossos radicalismos perfeitamente contrários. Desdobramento imediato, em termos práticos, tenho que aceitar sem resignação que, como a grande maioria, estarei votando contra um dos dois colocados. Dói, não pouco, admitir que o critério de escolha se dá pelo inventário de erros das partes. Gostaria que fosse pelos programas, pelos argumentos políticos e propostas, mas um candidato simplesmente não tem linhas próprias (nem emprestadas), e outro apresenta um elenco de possibilidades testadas com fracasso. Popularmente, cabe o apelo ao dito “entre a cruz e a caldeirinha”. 

Tenho meditado sobre o Brasil como “país da piada feita”, e procurando o teor de sabedoria do dizer, concluo que o humor é elixir necessário na travessia consequente e arriscada pela qual vamos pagar por mais quatro anos. Chegamos a um ponto em que temos que nos salvar por nós mesmos, e no tumulto que vivemos, certamente, o ódio extremado em ataques virulentos não nos permite utopias. Que tristeza!... É lógico que há avesso nesse imbróglio, e um deles é a participação declarada da grande maioria que, de um jeito ou de outro, se manifesta. Isso é melhor que a alienação, claro. Mas não justifica a violência dos radicalismos e, assim, uma das práticas vulgarizadas diz respeito aos tipos de referências aos candidatos campeões: apelidos, alcunhas, hipocorísticos são usados sem piedade. “Coiso” ou “boneco”, “capEtão” ou “faz de conta” são epítetos que servem para diminuir os candidatos e nos faz menores ainda. É verdade que em diferentes meios ambas figuras são pouco conhecidas como Fernando Haddad que se foi inicialmente tido como “Andrade” e Bolsonaro chamado de “Borsomário”. 

Dentre tantas referências pejorativas, duas me chamam atenção “poste” e “posto” (referência ao comercial do Posto Ipiranga, onde o dono não sabe o que lhe perguntam e indica um preposto). Valho-me exatamente dessas duas referências para explicitar meu voto. O “poste” remete a Fernando Haddad que seria – como dizem, “o que a Dilma foi” – um objeto colocado para amparar a política e as propostas do ex-presidente Lula. Bolsonaro equivaleria ao dono do “posto” despreparado para agir por si próprio, segundo seu dizer publicamente. O primeiro enquadrado na simplificação de esquerdista e o segundo reduzido a fascista, se tornam presas de uma equação esquisita. Pois bem, se resta escolher, meu voto vai para o “poste”. Sinto-me eufemisticamente confortado pelo fato de o “poste” permitir luz. E me explico também pelo pífio desempenho de um deputado que em 27 anos de governo teve dois projetos aprovados, sem nunca pertencer a uma comissão relevante. Pelo avesso, mais do que apregoar ódio consequente, Bolsonaro defende o uso de armas, a militarização das escolas, a diminuição de direitos das mulheres, a segregação dos homossexuais, e ainda agride sem pudor os negros, em particular os quilombolas. É lógico que como professor de história, não devo deixar de lado a vexatória passagem que nega a presença dos portugueses na África colonial, e reforça dizendo que africanos se entregavam à escravidão. Isso sem falar na consideração das reservas indígenas como possível corredor para invasores estrangeiros. É claro que cabe destaque a afirmativa do candidato a vice, general Mourão, ao dizer que lares liderados por mães e avós são “fábrica de desajustados”. Num concurso de horrores acumulados, os grãos de farinha do mesmo saco ressaltam a apologia à tortura e a escolha de Brilhante Ustra como ideólogo exemplar. Como se fosse possível piorar o caso, consideremos as declarações da possibilidade de “autogolpe” e mesmo a promulgação outorgada de uma nova constituição sem participação de uma assembleia. Nossa!!! 

É lógico que os predicados do dono do “posto” exigem a pergunta: mas e o outro lado? Alimento o sonho do renascimento. Sempre fui petista e mesmo profundamente decepcionado com o partido, magoado até meu chão pessoal, acredito que o esterco que nos sufoca pode virar adubo. Penso, para consolo meu, que o “poste” pode iluminar novamente a estrada escurecida e, sobretudo, colocar o dono do “posto” em seu lugar. 

(dedico esta crônica aos meus filhos em nome de tantos que não me entendem)

terça-feira, 25 de setembro de 2018

TELINHA QUENTE 328

Roberto Rillo Bíscaro

Quando eu era criança, parece que tudo virava desenho. Tinha versão animada de Jeannie é um Gênio, Jornada nas Estrelas (tem na Netflix) e As Panteras viraram panterinhas acompanhando o Capitão Caverna. Até astros pop transformaram-se em cartuns: tinha desenho dos Beatles e dos Jackson 5.
Lembrei disso, enquanto maratonava esbaforido O Príncipe-Dragão, produção deste ano, da Netflix. Criada por Aaron Ehasz e Justin Richmond, o show soa como versão animada de Game Of Thrones. No episódio um, até se comenta que o inverno está chegando...numa hora dessas.
Que isso não desmotive fãs do sucesso da HBO, irados por plágio ou quem não vê graça em DULLnerys Targaryen. Apesar das muitas semelhanças (inclusive uma platinada protegendo um ovo de dragão), O Príncipe-Dragão tem sua mitologia e não é cópia escarrada. Acontece que na cultura tudo se transcria, é isso aí, o autor de Game também não criou nada a partir do nada.
Em um mundo profundamente dividido entre humanos e elfos, crianças e uma elfa albina-sem-mencionar-albinismo têm que preservar lindíssimo ovo de dragão, esperança de paz praquele mundo cindido pelo ódio racial.
Com potencial pra agradar tanto adultos mais lúdicos quanto piás mais graúdos, O Príncipe Dragão tem boa história, situações aderentes e cliffhangers que te fisgam pro próximo episódio. Os vilões não se mostram imediatamente e são tão gostáveis quanto os mocinhos, no sentido de fazerem piadas, comentários irônicos. Sei lá se é defeito do roteiro (não interpretei assim) ou se desenho hoje é assim mesmo. Não vejo tantos. E por falar em desenhos, se você viu O Vazio e amou Kai, O Príncipe Dragão tem Callum, metralhadora de chistes infames. Em inglês é muito legal: tem um pedaço em que explicam com minúcia o que é hangry. Nem faço ideia de como traduziram essas partes.
Além de descolado, o roteiro ainda é inclusivo e multiétnico. Tem gente de tudo quanto é cor sem fazer diferença e uma general se comunica através da língua de sinais, não é o máximo? E sem alarde, é o natural dela, então já basta.
Aaron Ehasz tem credenciais respeitadas pelo sucesso de público e crítica de Airbender e O Príncipe Dragão tem potencial pra se transformar no novo Avatar, mas a Netflix é empresa e vive de lucro. Por isso, a primeira temporada é teste de apenas nove episódios. Frustra, porque dá muita vontade de mais. É torcer pra que tenha audiência e gere outra, mais longa. 

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 333

Roberto Rillo Bíscaro

Se em bandas comercialmente pequenas, como o Renaissance, o pau comia a ponto de virar litígio judicial, imagine em gigantes como o Yes. Baluartes do prog rock, nos 70’s e do AOR, nos 80’s, os britânicos sempre viveram entre tapas e beijinhos no ombro, afinal, milhões estavam em jogo e egos infla(v)am.
Atualmente, existem duas versões da banda. A controlada por Steve Howe e que este ano lançou releitura do competente Fly From Here (2011), da qual gostei, mas nem quis escrever, porque Yes – como afirmei na elogiosa resenha do Fly From Here original – tem que ter Jon Anderson pra fazer jus ao nome. E tem uma versão da banda com ele, também excursionando para comemorar o cinquentenário do conceito Yes e também lançando material este ano.
Para bonificar, a facção do Yes controlada por Anderson traz Rick Wakeman nos teclados. Assim, quando lançaram o ao vivo Live At The Apollo, no dia de nossa independência, apressei-me em escutar.
Essa briga de prima-donas esmaecidas pode até resultar em mais material, mas dificulta a vida dos decrescentes fãs. Ao procurar por Yes, no Spotify, não localizei o álbum. Tive que digitar o nome do álbum na busca para que aparecesse, porque esse Yes é featuring Jon Anderson, Trevor Rabin, Rick Wakeman.
Live At The Apollo registra show da turnê celebratória de meio século do Yes, em Manchester, ano passado. Além dos vocais de Anderson, teclados de Wakeman e guitarra de Rabin, há Lee Pomeroy, no baixo e Lou Molino, na bateria.  Se você quiser ver Rick Wakeman ainda vestido de capa de pequeno príncipe cravejada de lantejoula, há versão em DVD. Este texto é sobre o CD duplo, lançado pela Eagle Rock.
A introdução adequadamente imperial reflete o balanço delicado em termos de repertório. Acordes de Cinema e ameaça de que tocariam Hold On – ambas do estouro AOR, de 90125 (1083) – precedem o clássico Perpetual Changes, de um dos álbuns mais amados da fase prog áurea: The Yes Album (1971). Afiados como facas Gimsu laser alfa-plus, o quinteto trafega impecável tecnicamente por canções que oscilam de qualidade entre esses dois polos.
Jon Anderson já passara 2 anos da casa dos 70, quando do show e seus vocais ainda impressionam/irritam. Sua voz é uma das mais controversas do rock pela agudeza; nós fãs idolatramos, mas já houve quem o chamasse de “uma alface no cio”. Ambas facções ficarão igualmente satisfeitas em suas expectativas, porque Napoleão (baixinho mandão, dai o apelido) não deixa pedra sobre pedra em perfeições como Heart of Sunrise ou And You & I.
O gume de Rabin, os floreios majestáticos de Wakeman e uma cozinha que não tenta emular o falecido Chris Squire ou Alan White injetam sangue novo em números como Owner Of a Lonely Heart e Rhythm Of Love, que ganham mais músculo. Mas, nem a notável melhorada nos arranjos salva a chatusca Lift Me Up, humilhada entre I’Ve Seen All Good People e And You & I. Os 22 minutos de Awaken podem até permitir descanso à voz de Anderson, mas seus floreios que quase chegam ao new age enjoam. Em termos épicos, falamos duma banda que compôs Close to the Edge; dela pra Awaken é ladeira abaixo.
Sorte que na maior parte do tempo, repertório e execuções acertam em cheio e é hipnótico ouvir a calcinante guitarra de Hold On ou a corredeira de Roundabout.
Com repertório tão vasto e desigual em padrão de qualidade, o Yes poderia ter apostado em faixas como Siberian Katru no lugar de fillers como Changes. Será que algum fã reclamaria?
Mesmo com essa discrepância no repertório, Live At The Apollo não decepcionará Yesmaníacos, que, provavelmente farão novenas e macumbas pra que Anderson/Wakeman/Rabin lancem material de estúdio inédito, mesmo que a turminha de Howe/White não queira. 

domingo, 23 de setembro de 2018

"SUPERANDO" UM GENOCÍDIO

Roberto Rillo Bíscaro

A despeito da tediosa sequência de esquisitices e escândalos, Angelina Jolie tem um lado muito legal que é usar seu prestígio para possibilitar projetos fílmicos de empoderamento feminino. Já resenhei Difret (por que não tem na Netflix daqui ainda?) e A Ganha-Pão (esse tem).
A mais recente aparição da atriz em minha mira foi First They Killed My Father (2017), dirigido e roteirizado por ela, em parceria com Loung Ung, autora do livro que relata todas as barbaridades mostrada no filme. A coprodução ianque-cambojana só aumentou meu respeito pelo modo como Angelina usa parte de sua celebridade.
Pra causar efeito dominó de caos no sudeste asiático, os EUA secretamente encheram de bomba o “aliado” governo do Camboja (com amigo assim, heim?). Com a derrota no Vietnã, os norte-americanos queriam mesmo era que o circo pegasse fogo. E como pegou! O comunista Khmer Vermelho aproveitou a fraqueza do governo central e tomou o poder, iniciando guerra civil e ditadura genocida que ceifou um quinto da população cambojana. O roteiro de Jolie enfatiza o horror da ditadura, mas corretamente aponta que um dos culpados pelo triunfo vermelho no Camboja dos 1970’s foi precisamente o país que mais propaganda anticomuna propaga.
Mas, as espetaculares mais de duas horas de diegese vez mais centram-se nas agruras experienciadas por uma menina vilipendiada de todo jeito, como Difret e Parvana. Jolie ama mostrar histórias de garotas que superam seus traumas e fantasmas, depois de terem comido cobras e aranhas, literalmente no caso de First They Killed My Father (FTKMF).
A história de Loung Ung é de arrepiar. Menininha ainda, com seus cinco anos, é obrigada a deixar o conforto de sua casa de classe média na capital cambojana e inicia dantesca odisseia, marcada por fome, brutalidade e opressão nos campos de “correção”, mantidos pelos déspotas fanáticos do Khmer, que usam o comunismo como desculpa pra descontar recalques e impor sádicas vontades e disciplinas. Quanta atrocidade feita em nome do povo!
Com uma câmera na não, que filma na maior parte a partir do ponto de vista da pequena Loung, Jolie dá aula magna de enquadramento, perspectiva, intercalação de foco de primeira pra terceira pessoa, recurso que paraleliza o intercalar de segmentos de sonho/devaneio, com suas mudanças cromáticas.
Por ser dramática demais, com suas minas terrestres explodindo mães com crianças e gente esquálida de desnutrição, FTKMF não necessita se escorar em melodrama hollywoodiano, tampouco se esforça pra edulcorar a experiência.
Provavelmente não se pode dizer que Loung Ung tenha superado o genocídio que testemunhou, mas seu relato certamente comove e inspira. Procure na Netflix.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

UM URUBU MUITO BRANCO

Urubu-albino é registrado na zona rural de Estiva (MG)

O flagrante raro mostra a ave com penas, bico e patas brancas; o albinismo também pode afetar a visão da ave e comprometer a busca por alimento.

Que ave você identifica nessa imagem? É difícil acreditar que esse seja um urubu, já que o animal é conhecido pelas penas, cabeça e bico pretos. No entanto, o flagrante mostra um indivíduo do urubu-de-cabeça-preta, conhecido também por urubu-comum, corvo e urubu-preto.

O encontro com a ave surpreendeu Sofia Pereira, que registrou a espécie sem conseguir identifica-la. “Nunca tinha visto um urubu albino. No começo foi difícil identificar, achei que era outra ave”, explica a estudante, que pôde observar os comportamentos do bicho em um sítio em Esitva (MG).

“Ele estava incluso aos outros urubus, porém era arisco e só se juntava ao grupo quando tinha comida. Nas vezes que tentava interagir com os outros, era expulso”, completa.

PRETO OU BRANCO?
A ausência total de pigmentos é resultado do albinismo, um fenômeno genético que impede a produção de melanina e carotenoides. Penas, bico e patas são afetados, assim como os olhos que, por não possuírem coloração, apresentam a cor vermelha dos vasos sanguíneos.

Além da baixa resistência ao sol, a ave pode ter a visão afetada, o que dificulta a alimentação e a sobrevivência na natureza. “No caso do urubu-de-cabeça-preta a visão mais debilitada pode afetar a capacidade da ave de localizar as carcaças, já que ela é conduzida pela visão, e não pelo olfato”, explica o biólogo Willian Menq.

A ESPÉCIE
Considerada a mais comum entre os urubus, a espécie se distribui por todo o País e pode ser observada sobrevoando centros das cidades, fazendas e áreas abertas. Nos voos é possível notar as penas brancas nas pontas das asas, características que ajudam a diferenciar a ave de outras espécies.

No período reprodutivo o urubu nidifica em ocos de árvores e entre pedras. Os dois ovos são incubados por até 39 dias e o filhote nasce com penugem amarelada.

Habituada a viver em grupo de até 10 indivíduos a ave é considerada migratória e é amplamente distribuída nas Américas.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

TELONA QUENTE 254

Roberto Rillo Bíscaro

Até meio difícil de crer hoje, mas durante toda a década de 1950 até talvez a de 80, floresceu indústria dedicada à criação de abrigos subterrâneos pra quando estourasse a inevitável guerra nucelar entre as superpotências.
Não só nos EUA; em Praga há um que recebe visitas turísticas; parece que na Bósnia, também. Mas, nos EUA o negócio realmente pegou fogo, porque a população classe-média pra cima tinha dinheiro e acreditava que ficar a poucos metros da superfície por alguns dias a salvaria do holocausto.
Revistas como a Popular Science publicaram vários artigos a respeito de modelos de bunkers, a maioria em tom “faça você mesmo” tão caro ao empreendedorismo ianque. Havia até dicas de como aproveitar o porão pra construir um abrigo subterrâneo pra se proteger da Bomba.

Paranoia de se esconder da Bomba feito tatu, aliada à influências de Julio Verne e Edgar Rice Burroughs informam Unknown World (1951), hoje e mesmo na época, tão obscuro quanto o mundo que pretende explorar, mas não tem dinheiro.
Produzido pela mesma equipe e companhia de Rocketship X-M, Unknown World (UW) mostra equipe de cientistas que desce ao centro da Terra, em busca dum lugar habitável, pra que parte da espécie humana se refugie pra quando venha a guerra, inevitável, aos olhos do exagerado Dr. Morley.
Embora situado nos “avançados” anos 50, quando a energia nuclear podia inclusive ser usada pra impulsionar a engenhoca que cava seu caminho superfície abaixo, UW parece tirar seus conceitos científicos do século XIX. A premissa pra descida é que o interior de nosso planeta não é composto por magma, mas um labirinto de cavernas e que pode haver sítio com água, luz (!) e ar, que permita vida. Eles descem pela cratera dum vulcão extinto, mas o roteiro não se importa com a incongruência de usar um canal trafegado pela lava, negada na cena anterior.
Na verdade, o roteiro de UW não se importa com coisa alguma, porque não há grana e então nada acontece na maior parte do tempo. Muita cena na escuridão de cavernas, escalada e rapel, o interior paupérrimo da suposta nave e nada mais. Mesmo, porque não há vida no centro da terra, embora haja luz (!). Se hão há monstro ou homem-tatu pra servir como antagonista, que ação dramática é possível?
A viagem ao centro da terra desses cientistas valeu tanto quanto os bunkers serviriam numa guerra atômica real
Vi no Youtube e o som está ruim.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

CONTANDO A VIDA 249

UM MUNDO SEM CELULARES: riscos da Nomophobia 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Muito se tem falado sobre avanços da medicina e não são poucos os que se encantam como a chamada robótica médica. A tecnologia empregada a favor das ciências tem produzido milagres surpreendentes. Basta termos alguém que necessite de amparo clínico para que se note os passos grandes dados em favor de bons diagnósticos, monitoramentos precisos e possibilidades ampliadas de recuperação. Uma coisa leva a outra e o mesmo se diz do aparato eletrônico empregado em escalas crescentes também em outras áreas como nos serviços domésticos, nas atividades de recreação e esportes. É claro que temos que saudar a tecnologia como virtude, mas, exatamente para que se a legitime como conquista é de se considerar também seu avesso, ou seja, os malefícios que pode produzir. É aí que a medicina volta a significar. 

Como mercadoria, os celulares têm cumprido a tarefa de democratizar a comunicação em geral e, nessa linha, os preços a cada dia mais acessíveis facilitam contatos e podem promover aproximações variadas. Assim, progressivamente somando possibilidades, de tal forma os celulares se tornaram usáveis que não se consegue pensar o mundo sem eles. Os tais aparelhinhos, por sua vez, sorrateiramente se integraram no cotidiano como se fossem órgãos ou componentes inerentes ao nosso corpo. “São como parte da gente”, há quem diga. Dia desses, ouvi uma colega dizer, sem muito pudor, que sem o celular, esquecido em casa, ela se sentia como que mastectomizada. Fiquei chocado, quis explorar mais a figura de linguagem empregada e de volta ouvi algo ainda mais estarrecedor “ué, com você não é assim? Se fosse homem, sem celular eu me sentiria capado”. Calei. Não respondi... Não respondi, mas levei para pensar. 

Não há dúvidas que o mundo ficou inimaginável sem os tais dispositivos eletrônicos. A existência de um profícuo ramo de negócios voltados a isso nem mais espanta. Onde quer que se vá, lá estão pessoas “passando o tempo” com as telinhas brilhantes, iluminadas e latejantes. Seja no metrô, ônibus, no mercado ou nos consultórios, é imediato constatar pessoas entretidas, mergulhadas em informações e contatos. Parece feitiço... Confesso que já vi pessoas em igrejas, cemitérios, teatro e cinemas como os equipamentos em funcionamento sem nenhum constrangimento. Nas escolas o celular virou tema de conflitos entre professores e alunos, e a linha divisória entre poder ou não ingressar com esses aparelhos tornou-se objeto de pesquisas educacionais e muita discussão. Dentre tantas experiências recentes, uma me impactou bastante. Indo para a Universidade de Stanford, na Califórnia, entre as mais reputadas do mundo, fiquei pasmado em saber que os alunos não podem usar máquinas – celulares ou computadores – durante as aulas regulares, em muitos cursos. Nem mesmo para as tais consultas suplementares ou para registros e anotações são permitidas tais presenças que, segundo explicações competentes, se formulam como forma de derivação da concentração. 

Pois é, o grau de gravidade da situação tornou-se tamanho que o fenômeno virou doença já descrita por especialistas. Sob o nome de Nomophobia, termo derivado de no-mobile-phobia, ou seja, pavor de ficar sem acesso às redes sociais e à comunicação imediata, a situação já é tratada como doença. Os dramáticos efeitos são próximos da conhecida síndrome de pânico, e decorrem de casos corriqueiros como a falta de energia elétrica, pane no aparelho ou mesmo o prosaico fim das cargas de baterias ou dos vazios de cobertura. De modo geral, nosso cérebro vai ficando dependente a tal ponto que há pessoas que acordam a noite com a sensação irresistível de verificar o que chegou. Sabe-se de casos de tipos que ouvem sinais de chamada mesmo quando o aparelho não está ativado. De tal forma a privação eletrônica se manifesta que as crises de ansiedade levam a depressão mais ou menos prolongada, fato que ameaça a vulgarização desses casos tidos já como epidêmicos. Em conjunto, a expressão desses tiques se constitui no que tem sido reconhecido com “Reação FOMO” (Fear of missing out) ou, em tradução livre: medo de estar perdendo algo. O pior é que tudo tende a se agravar posto que ao mesmo tempo em que se diagnosticam casos e se descrevem detalhes dessa manifestação, novos avanços colocam no mercado de consumo aparelhos cada vez mais sofisticados. O grande paradoxo notado, porém, é que exatamente a medicina, uma das áreas mais beneficiadas pela eletrônica é ela mesma a denunciadora de malefícios. Médicos atentos ao agravamento da situação já prenunciam que as doenças nomofóbicas serão o mal do século XXI. Temendo, desliguei o meu aparelho... Vou ficar assim uns quinze minutos. Depois conto o resultado.    

terça-feira, 18 de setembro de 2018

TELINHA QUENTE 327

Roberto Rillo Bíscaro

Antes da ITV lançar a série Mr. Selfridge, em 2013, o fundador da famosa loja londrina andava meio esquecido. A primeira vista, estranho, nesta era que preza, incentiva e acredita tanto no empreendedorismo. Mas, deve ser meio duro explicar como um sujeito tão esperto comercialmente morreu na miséria, depois de expulso pelo conselho diretor da empresa que criou, por torrar dinheiro com mulheres e jogatina.
Supostamente autor da platitude comercial que o freguês sempre tem razão, o norte-americano Harry Gordon Selfridge introduziu conceito revolucionário na Inglaterra eduardiana: ir a uma loja pra passear e, se der vontade, comprar algo que talvez nem soubesse que precisa ou mesmo sem necessitar, porque a disposição das mercadorias se encarregará de despertar essa falsa necessidade. Tão óbvio hoje, isso não acontecia na metropolitana Londres de início do século XX, quando os consumidores iam às lojas pra comprar sabendo o que queriam, sem ter acesso ao estoque. Numa época em que mulher de classe-média pra cima sair sozinha era vulgar, imagine vagar por um estabelecimento comercial. Selfridge democratizou o acesso ao comércio; usou truques publicitários pra chamar freguesia; apoiou causas sociais, desde que percebesse possibilidade de lucro; tratou melhor os funcionários (desde que não ameaçassem casar com seu filho, claro!).
Secrets of Selfridge’s é boa introdução pra acompanhar a série, até porque ambos estão na Netflix.
Desde que você não acredite em tudo e não saia falando que viu uma série que conta a vida do cara que fundou aquela loja famosa em Londres - não a Harod’s, a outra -, os 40 capítulos das 4 temporadas de Mr. Selfridge (2013-16) são totalmente maratonáveis pra galera que ama série “de época”.
Mr. Selfridge é Downton Abbey em loja de departamentos. A diferença é ser menos pretensiosa. A série de Andrew Davies (criador de Bleak House, dentre outras) é novelão descarado e uma coisa há que reconhecer: Downton, também da ITV, não foi regular em padrão de entretenimento; há episódio que dá sono, porque nada de consequente acontece. Em Mr. Selfridge o motorzinho do drama funciona que é uma belezoca; é ação, conflito, drama, fofura em ritmo acelerado. Amo Mr. Crabb; Mr. Grove; Miss Mardle, depois Mrs. Grove; KItty, depois Mrs. Edwards; Lady Loxley, assim como amo Mr. Carson, Mrs. Hughes, O’Brian, Lady Mary, em Downton Abbey.
Pra ficção ficar mais interessante e assistível, não dá pra seguir à risca a biografia dos envolvidos. Tem que ficcionalizar; quer saber a “verdade” (sabe nada inocente!) vai ler biografia ou ver documentário. Então, pra haver mixagem entre classes sociais, o Mr. Selfridge ficcional se mistura bem mais com seu staff, a ponto de conduzir funcionária ao altar, porque ela não tinha família. Na vida real, Mr. Selfridge tinha seu próprio elevador.

Seu fim também é edulcorado pra virar caída em pé, de protagonista exemplar de novela. Não combinaria com o tom prevalente e empreendedor, mostrar um Mr. Selfridge ancião, de roupas gastas, rondando a frente de sua ex-loja, nos anos 1940, então providenciemos um quê de esperança.
Gostei de ter visto o documentário antes e lido na Wikepedia sobre as Dolly Sisters, por exemplo, e comparar com o material da série. Constatei diferenças, atalhos, suavizações e embelezamentos do roteiro, mas curtí a série pelo que é, e não como proposta de biografia. Até porque Mr. Selfridge mesmo não me interessou: seu espalhafato empreendedor otimista me fazia amar ainda mais a reserva britânica de Mr. Edwards e George Towler. Mr. Selfridge é um mal necessário em Mr. Selfridge: se pra eu ver as caras de espanto de Mr. Crabb era mister acompanhar as peripécias de seu chefe, que fosse.
Embora o tempo não passe pra quase  nenhuma personagem – acho que a única a envelhecer perceptivelmente é Mae; e não conto as crianças, porque daí seria inverossímil demais – a produção é opulenta e os detalhes e roupas enchem os olhos. Mr. Selfridge é escapismo sem vergonha de sê-lo.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 332



Roberto Rillo Bíscaro

Tanta coisa pra comentar, álbuns envelhecendo na fila de espera de audição/postagem. Isso requer dobradinhas mais frequentes. Hoje, vamos de duas divas negras, que uniram soul music a outros subgêneros. Uma se deu bem; a outra, não.

Priscilla Renea manda muito bem como compositora, tendo canções em álbuns de consagrados como Rihanna, Madonna, Demi Lovato, Selena Gomez e mais. Isso não se repete na trajetória como cantante: seu álbum de estreia – Ujkebox (2009) – vendeu umas cinco mil cópias globalmente.
Deve ter sido por isso que a norte-americana só lançou seu segundo trabalho nove anos mais tarde, em 22 de junho. Coloured ainda não teve dados de vendagem divulgados, mas não deve ter feito muito melhor que seu predecessor. Chato, porque algumas letras sobre problemas raciais e a adição de elementos country, recomendam-no.
Criada na parte rural da Flórida e expulsa de casa pela mãe, quando começou a lutar pelas próprias opiniões, Priscilla junta suas raízes country e tom confessional de agora-vencedora, na abertura Family Tree, cujo country é meio alternativo, daquele do tipo da Handsome Family. Ela respeita tanto o subgênero que foi à sua capital, Nashville. Por isso que Jonjo tem suave aroma rural, mas sobreposto por produção meio trap, com refrão grudento. E, claro, não podia faltar baladaça country: If I Ever Loved You não deixa pedra sobre pedra e tem até solo de guitarra meio country rock.
E por falar em pedras, ela sugere ao amado construir uma casa com as pedras atiradas pelos desafetos, em Let’s Build a House, puro drama de diva soul country. Drama gritado com sua possante voz. E é isso, Coloured pode ter indícios country e até faixa reggae (Different Color), mas Coloured é soul music de grande qualidade. Heavenly é paradisíaca pra nós que amamos diva R’n’B gritando, acompanhada de dedos estalando e pianinho. You Shaped Box também é puro drama, mas a letra é de incentivo e a melodia levada por violões, que se tornam hispânicos em seu auge.
Em Gentle Hands ela sapecamente pede a papai do céu um bofe escândalo, devoto, grandão e de mãos suaves. Essa idealização vem sensualizada numa espécie de blues com salamaleques trap.
Que pena que ainda exista tanto racismo, senão a linda Land Of the Free poderia ser sobre outra coisa e não violência policial contra afrodescendentes. Tem até o hino nacional estadunidense solado na guitarra, como apêndice.
Priscilla Renea não inventou a fusão entre soul e country – aqui no blog mesmo resenhei um álbum de K. Michelle que possui traços comuns -, mas Coloured merecia tê-la colocado mais forte no radar do público que ainda consome black music não totalmente produzida como trap.

Jhené Aiko parece personagem dessas séries modernas de TV que querem passar desesperadamente imagem de paz étnica nos EUA. Filha da mãe nipo-americana e pai afro-americano, a moça circula nos meios musicais desde o início do milênio, mas seu álbum de estreia por grande gravadora veio apenas em 2014, com Souled Out. Compensou a espera, porque Aiko desfrutou de sucesso comercial e crítico, descolando 3 indicações pro Grammy, em 2015.
Dia 22 de setembro do ano passado, a cantora lançou de surpresa, seu segundo trabalho: Trip. Na era dos vazamentos na internet, ela conseguiu surpreender no marketing gerado pela “inusitado” do lançamento. Pena que as surpresas tenham parado por aí.
Trip significa viagem, que pode ser entendida em sentido alucinógeno, vide o número de canções com títulos como Lsd, Sativa, Psilocybin, Mystic Journey, Trip, mas também em termos de egotrip, como em Jukai, que alude ao salvamento de alguém que tencionava se suicidar na conhecida floresta japonesa famosa por esses atos. Parece que Aiko quis fazer álbum conceitual de soul psicodélico (olhe essa capa, que lôka!).
Mas, a jornada proposta provavelmente só poderá ser desfrutada por alguém viajando sob os efeitos dalgum dos narcóticos de escolha da cantora. Trip é longo demais pra muito pouca variedade nos arranjos, ritmos e andamentos. São mais de 80 minutos de música lânguida, de electronica diluída, com uma ou outra diferençazinha, tipo aqui um pianinho ou trompete jazz, mas o essencial acaba parecendo a mesma canção, não depois de muito tempo que se começa a ouvir o álbum. O único número mais animado é OLLA, que sequer chega a ser dance mediano e mesmo pros chapados deve cortar a viagem malemolente do restante.
Ano passado, o essencial Brown Sugar, do D’Angelo, completou 20 anos (nossa e eu ainda me refiro a ele, como artista/álbum novo!...). Dá só uma escutada na faixa-título, ode meio mal disfarçada à maconha, e veja como reduz todo o álbum de Jhené Aiko à pó, ou fumaça. Ou whatever.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

ALBINO INCOERENTE EM CAPIVARÍ

Ontem estive na cidade paulista de Capivari, no campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Foi um dia intenso, com viagem de 5 horas pela manhã e outras 5 à noite e uma tarde com bate-papos com alunos e professores sobre inclusão, minhas experiências como estudante e docente com albinismo/deficiência visual. Tudo muito leve, com risadas, sem vitimismo, gente muito simpática e atenciosa.

Naquele campus, há uma aluna com albinismo, a Alexia, que faz curso técnico integrado em química. Que maravilha ver pessoas com albinismo se qualificando, interagindo, indo à luta. Química requer experimentos e manuseio de instrumentos que exigem leituras precisas de pesos e medidas. Alexia me contou suas táticas para alguns dos desafios e foi muito interessante. 

Obrigado a todos pelo carinho, especialmetne aos colegas-servidores Everton e Glauciane que dirigiram quase mil quilômetros para me buscar em casa e me trazer de volta. Foi muito gostoso. Gratídão.











TELONA QUENTE 253

Roberto Rillo Bíscaro

Depois de adicionar o bastante adulto A Ganha-Pão à grade brasileira, a Netflix disponibilizou o totalmente maduro Anomalisa (2015), do cultuado Charlie Kaufman. Cuidado se planeja ver o longa com seu júnior, porque há nu frontal e tórrida cena de sexo entre os bonecos.
Anomalisa é feito em stop motion tão perfeito e sofisticado, que às vezes esquecemos estar diante de bonecos, o que apenas aumenta a estranheza desse filme, cuja trama é bastante acessível e se enquadra no vasto sub-subgênero das crises de meia-idade em machos adultos brancos, mas, sem cair no chavão de botar algum despossuído trazendo de volta a alegria de viver pro bofe, que volta a curtir sua carteira cheia, enquanto o desvalido segue sem valia.
Michael Stone é bem-sucedido autor de livros sobre atendimento ao cliente e palestrante motivacional. Essa fortaleza indicada até pelo pétreo sobrenome é apenas fachada, porém. Insatisfeito e provavelmente incapaz de empatizar, todo mundo pro coroa tem a mesma cara e voz.
Não é à toa que se hospeda no Hotel Fregoli, alusão à síndrome homônima, raro distúrbio em que o paciente delira que diferentes pessoas são de fato uma única, que muda de aparência ou está disfarçada.
É no hotel que conhece a interiorana, insegura e cicatrizada Lisa, que considera adorável anomalia, porque tem voz e rosto distintos dos demais. A propósito, ao discutirem, na cama, o conceito de anomalia, o Brasil é usado como exemplo: todos nossos vizinhos falam espanhol, menos nós.
Anomalisa é fascinante e hipnótico em sua minúcia técnica e narrativa. É o cartão-magnético pra abrir o quarto, que falha várias vezes; é o trajeto da recepção até o quarto pelos corredores do impessoal hotel; é o tédio existencial e a rotina que carcomeram o afável e externamente simpático Stone. E na hora em que seu discurso se desintegra, não deu pra não recordar de seu ancestral humano, Harry Stoner, interpretado pelo grande Jack Lemmon, em Save The Tiger (1973).

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

CONTANDO A VIDA 248

“GENTILEZA GERA GENTILEZA”, JÁ VIOLÊNCIA...


José Carlos Sebe Bom Meihy

Em um texto sedicioso, Artur Xexéo troça sobre um dos temas mais perturbadores de quantos escrevem crônicas. Sob o título “A falta de assunto” (O GLOBO, 09/09/18), o autor evoca outros tempos, quando cronistas como Rubem Braga, José Carlos Oliveira, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, mestres do gênero, colocaram em palavras um dos mais expressivos dilemas de cronistas: a falta do que abordar, fenômeno também conhecido como “síndrome do papel em branco”. Humildemente, confesso que raras vezes padeci desse trauma, e me filio a Xexéo ao reclamar do reverso, ou seja, da fartura de assuntos a serem abordados. No cenário internacional, a começar pelas estripulias de Donald Trump, passando pelas tragédias da onda de imigração africana e da Venezuela, pela crise argentina, e da leva de corrupção na América Latina, as escolhas são infindáveis. Minha dificuldade não é, pois, com a carência de tema, mas sim de tempo.

Um giro rápido pela cena brasileira pode confundir ainda mais qualquer escolha temática, e, basta ilustrar isso com uma semana que se iniciou com o incêndio do Museu Nacional, teve dois dias depois, o esfaqueamento de um candidato a Presidente da República, em plena campanha. Não bastasse, tivemos em seguida a declaração de impedimento eleitoral de outro político, preso por corrupção, e ainda a substituição da chefia da chapa. Como a vida está movimentada, não? Pautas não faltam, e desgraças multiplicadas desmentem o aguardado setembro que viria soterrar o difícil agosto, “mês do cachorro louco”... A mim, como historiador, não há como deixar algumas relações históricas de temas do passado, continuados nos fatos imediatos. Atento ao que Gumbrechet chama de “produção do presente”, no entanto, cabe avisar a picardia da história no tocante às agressões políticas que, inexplicavelmente, têm sido mostradas como novidade, fato sem precedente. Bobagem, a história de nossa política institucional tem sido superpovoada de extremismos. 

Tomando como ponto de partida outros atentados políticos, me veio à mente um acontecimento ocorrido em 5 de novembro de 1897 quando o jornal Folha da Tarde noticiou que “O soldado Marcellino B. de Miranda, investira contra o Sr. Presidente da República. Neste momento o S. Marechal Ministro da Guerra, em um rasgo de sublime heroicidade colocou-se entre o soldado e cobiçada vítima dos furores jacobinos, protegendo-se com seu corpo e com sua espada... A arma homicida penetrou fundo no coração do bravo e leal ministro”. Atenção ao nome do perpetrador: o “B” de Marcellino era Bispo. Notem bem: Bispo de Mello. Infeliz coincidência o nome do atual agressor do ex-capitão Jair Bolsonaro ser Adélio Bispo de Oliveira, personagem que se diz mandante de Deus. Pior ainda, os dois Bispo agiram com facas em atos políticos. Antes, porém de admitir maldição ao nome Bispo, convém lembrar que houve outro homônimo, Artur Bispo do Rosário, “profeta” que viveu o reverso e que, em vez de matar apregoava concórdia, harmonia. Paradoxo, pois este homem que ficou conhecido como criador da famosa frase “gentileza gera gentileza”, também dizia agir em nome do Criador. 

Façamos uma viagem pelo reino da ironia histórica. Os dois bandidos – Marcellino Bispo de Mello e Adélio Bispo de Oliveira – foram autores de atos extremos e violentos. Já o Bispo do Rosário, queria a paz, vestia-se de branco e declarava amor a humanidade. Este extremo entre a brutalidade e a harmonia convoca reflexões. Convém lembrar que as paixões políticas, principalmente no Brasil republicano, têm se repetido mais do que a vã memória deixa vazar. Mesmo sem chegar ao (convenientemente) inexplicado caso Marielle, é bom trazer à lembrança o crime contra o senador Pinheiro Machado, em 1915, apunhalado pelas costas, no Rio de Janeiro. Em 1930, João Pessoa, então candidato a vice-presidente na chapa com Vargas, foi assassinado à tiros no Recife. Depois, e, em 1954, tivemos o famoso atentado a Carlos Lacerda, também no Rio. Não bastasse, em 1963, o senador Arnon de Melo, pai de Collor, desferiu um tiro em opositor e tendo errado matou outro colega em pleno Senado.

Seria mecânico terminar esta crônica constando a insistência do nome Bispo em polos diferentes - dois do mal, um do bem. Derrubando a barreira perversa que ilude a tradição política como pacto cordial, cabe mostrar a extrema violência da política nacional. É exatamente aí que vale mais a lição do Bispo do Rosário: gentileza gera gentileza. Já violência... Violência expressa ódio e legitima e certos políticos que ferem a sociedade como um todo apregoando radicalismos.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

TELINHA QUENTE 326

Roberto Rillo Bíscaro

Dia de dobradinha. Duas deliciosas minisséries de suspense, cujo nome em inglês é o mesmo: The Disappearance.

O Canadá está se saindo melhor que a encomenda com séries fofentas tipo a primeira temporada de Anne With An E e também a inicial do Canoir, Cardinal.
Entre outubro e novembro do ano passado, a CTV cravou outra joia na coroa televisiva canadense com a meia dúzia de capítulos de The Disappearance.
O pequeno Anthony tinha que apresentar trabalho escolar sobre os hábitos e costumes de sua comunidade suburbana ou de pequena urbe, não dá pra perceber. Para isso, saiu fotografando por entre as ruas frequentemente úmidas. Na hora de apresentar em classe, a baita surpresa: o pequeno bisbilhotara e registrara a roupa-suja de toda a vizinhança. O primeiro episódio – e o menos legal, porque é quase pura exposição – também nos apresenta os pais divididos pelo divórcio e o vovozinho ex-juiz, um amor de senhor, mas, epa, há flashback pra aprendermos que seu passado tem segredo nervoso.
Como é aniversário de Anthony, apesar das broncas pela indiscrição, vozinho tá preparando caça ao tesouro, com pistas pregadas no cemitério, em loja de imigrante, enfim, tudo normal. Afinal, que família não encoraja seus guris a perambularem sozinhos por cemitérios e florestas? Daí, o precoce Anthony desaparece.
Dispondo de pletora de suspeitos em potencial, devido à arte do pequerrucho, The Disappearance evita o caminho Broadchurch. Ao invés, passam-se 2 anos e evidências afloram de que Anthony esteja ainda vivo. O carrinho da montanha-russa dramática, que apenas subira, dá a primeira descida e os restantes cinco capítulos são desvairados loopings, que envolvem de mamãe dando pra estranho pra conseguir prova e pistas que dependem de conhecer o peso atômico do arsênio. Afinal, que detetive desconhece a tabela periódica?
Se você consegue suspender a descrença o tempo todo e genuinamente adora tramas melodramáticas, onde planos bolados com anos de antecedência ocorrem quase sem falhas, então a mini estrelada por Peter Coyote, (já fazendo papel de avô!), de ET – O Extraterrestre, é pra você.
Como não rolar de rir com a pista do arsênio? Mas, não riso de escárnio. Imagine. Risadona gostosa de excitação por reviravoltas, revelações, bomba, drama, afinal, tédio a gente já vive no dia-a-dia.
The Disappearance não imita estilo Nordic Noir, também não reinventa nenhuma roda. Não detetive depressivo vasculhando ambientes nevados. É mais sobre família devastada pelo passado, que, segundo opinião prevalente nos roteiros de cine e TV, jamais consegue camuflar totalmente.
Pra maratonar.

Ao pé da letra, Disparue (2015) traduz-se como Desaparecida, mas quando a BBC4 a transmitiu, os oito capítulos foram anglicizados pra The Disappearence. Como sua posterior xará canadense, a mini francesa evita referência direta ao Nordic Noir, mas os cromossomos das primeiras temporadas de Forbrydelsen e Broadchurch estão nesse genoma.
Na véspera de seu aniversário de 17 anos, a estonteante Léa Morel desaparece e Disparue dispara pra esmiuçar não apenas a investigação policial, mas os devastadores efeitos psicológicos nas famílias envolvidas. Matematicamente, o roteiro se divide em 4 capítulos pra descobrir o que houve com a loira e os restantes pra deslindar as consequências.
Não faltam suspeitos, pistas, decisões estúpidas/questionáveis, segredos & mentiras e, claro, reviravoltas, dentro dos conformes duma história de detetives. Também coincidências inverossímeis, que tem de ser aceitas pra efeito de dramaticidade e valor de choque. Entretanto, isso está acoplado a ótimas atuações de gente bonita, na linda Lyon e conectado emocionalmente com o espectador, porque bastante tempo é devotado a detalhes dos relacionamentos e cotidianos, antes e depois de aprendermos porque Léa sumiu.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 331

Roberto Rillo Bíscaro

Ao ouvir o belo álbum de estreia de Conrado Pera, você jurará tratar-se dum nordestino cordelista, conhecedor da tradição psicodélica de estados como Pernambuco, além dos cirandados ritmos locais.
Como local de nascimento pode não passar de acidente geográfico, Pera é, na verdade, paulista, embora radicado na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Multi-instrumentista e filho de músico, dedica-se à intensa pesquisa de ritmos e canções populares desse imenso Brasil, desconhecido pra tantos de nós.
Um dos resultados desse trabalho de prospecção musical é o intenso Enlaçador de Mundos, lançado independentemente, em 2015. Como bem dita o título, a dezena de canções percorre e une diversos subgêneros e culturas, além de reunir convidados.
Vem Plantar Tudo de Novo enlaça Nordeste com cítara indiana e Jangadeiros é maracatu atômico, ao misturar berimbau com guitarra. Quilombola tem participação de Janaína Pereira nas vocalizações sem letra duma canção que africaniza, mas guarda parentesco com certa hipnose psicodélica.
Num álbum farto de instrumentos e timbres/harmonias vocais, Corredeira emocionará e sacudirá fãs de som tipo Dorothy e Dércio Marques, Elomar, Shangai, Luli e Lucina e tantos outros que pesquisa(ra)m nossos ritmos; neste caso, Conrado mistura moda de viola com baião. Ele ainda vem com frevo fervido em Fervim e coco, em Quebra-Coco (A Barra Pesa).
Cigana Vida realiza a integração de nossas raízes com as de nossos hermanos latino-americanos, com ritmo andino e letra bilíngue com espanhol. Fãs de MPB não se decepcionarão com faixas como Caminho, que tem o violino do ocupado Ricardo Herz.
Enlaçador de Mundos faz jus ao nome não apenas por reunir culturas, mas por enredar o ouvinte em seu planeta de belezas sonoras.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

CAVIAR ALBINO

A ova do esturjão é considerada o símbolo da riqueza por muita gente – o que faz sentido, já que o ingrediente é bastante caro. O caviar mais famoso é o do esturjão-beluga, espécie ameaçada de extinção e encontrada apenas no Mar Cáspio e no Mar Negro. Para que o peixe comece a produzir o caviar é preciso esperar pelo menos dois anos, até que ele atinja a maturidade, e para retirar suas ovas é preciso matar o peixe. O caviar mais caro do mundo foi o de um esturjão-albino, vendido por US$ 34,5 mil o quilo.

TELONA QUENTE 252


Roberto Rillo Bíscaro

Há tempos que o ancião sub-subgênero slasher vem tendo suas convenções subvertidas/explicitadas/confundidas/modificadas/parodiadas. O marco é o influente Pânico (1996), de Wes Craven. Poder-se-ia citar Cherry Falls (2000), em que as vítimas do maníaco são virgens; Terror nos Bastidores (2015), que problematiza as clássicas final girls, além de injetar A Rosa Púrpura do Cairo, no horror e A Morte Te Dá Parabéns (2017), que ao aludir a elemento de Feitiço do Tempo (1993) no roteiro, prevê a possibilidade de mudança no destino das personagens.
Mesmo em seu auge comercial, na primeira metade dos 80’s, slashers continham elementos de humor, por vezes involuntários, como o clássico final de Sleepaway Camp (1983). Neste milênio, o tom cômico/paródico prevalece, pra satisfazer uma geração esperta, irônica, cheia de referências, que já viu “tudo” (da segurança de suas telinhas).
Ano passado, passou quase batida uma espécie de fusão slasher com Patricinhas de Beverly Hills (1995) caça-curtidas de rede social.
Tragedy Girls, escrito por Chris Lee Hill e Tyler MacIntyre, com direção deste último, brinca com algumas convenções slasher, ao mesmo tempo que comenta a fome insaciável pós-moderna por atenção internética. Curioso, que a associação dos jovens atuais com vício em redes sociais já esteja tão velhusco quanto a forma slasher. Tempos velozes!
As superfofas e melhores “migas” McKayla Hooper e Sadie Cunningham são na verdade, duas psico/socipatazinhas, que, pra bombar seu canal na internet, assumem a vez do assassino mascarado, legendário nos filmes slasher. Provavelmente, o pedaço mais subversivo seja a cena de abertura, que distorce a clássica convenção dos namorados se catando no carro, quando um deles ouve um barulho e sai pra investigar, ao invés de simplesmente ligar a p**** do automóvel e vazar!
Tragedy Girls poderia ter mais mortes, mas as poucas são até interessantes, inclusive uma que parodia a franquia Premonição, que o roteiro faz questão de frisar, caso sua audiência não entenda a piada. Tem citação a Dario Argento pra mostrar que os criadores são hipster e conhecem o que a maioria de seu público provavelmente não, e as falas das meninas (ótimas) são repletas de farpas e naquele estilo meio na garganta ou com voz de caricatura de desenha animado.
Pra nós, fãs mais antigos de slasher (cada vez menos existimos, claro), faz falta histórias “sérias”, como a segunda temporada de Slasher (tem na Netflix), mas Tragedy Girls saciará a fissura e quem sabe, ocasionará boas risadinhas se você simpatizar com esse tipo de guria. Eu amo.