segunda-feira, 3 de setembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 330


Roberto Rillo Bíscaro

Embora tenha acesso ao Spotify, não o usava muito, por falta de costume (foi assim com o Youtube e a Netflix; coisa de velho) e porque as discografias têm buracos, além dos irritantes erros nas datas de lançamento. Desejava, porém, conhecer mais La Coscienza di Zeno (CoZ), cujo segundo álbum, Sensitivitá, esteve na minha lista de melhores de 2015.
Pra variar, falta o primeiro álbum no serviço de streaming, mas achei La Notte Anche Di Giorno (2015), terceiro álbum dos genoveses.
A formação do CoZ para esse incrível trabalho foi Alessio Calandriello (vocais); Davide Serpico (guitarras e violões); Luca Scherani (pianos, teclados, órgãos e bouzouki; instrumento de cordas grego); Stefano Agnini (sintetizadores e órgãos); Domenico Ingenito (violino); Gabriele Colombi (baixo) e Andrea Orlando (bateria e percussão). Para ampliar a luxuriante paisagem sonora, chamaram Simona Angioloni, para os vocais em Lenta Discesa All’Averno; Melissa Del Lucchese (violoncelo) e Joanne Roan (flauta).
La Notte Anche Di Giorno é constituído de duas longas suítes: Giovane Figlia, com 24 minutos e Madre Antica, de 20. Ambas subdividas em seções, procedimento tradicional no mundo prog, desde os Moody Blues.
CoZ sabe que pode haver vocalista igual (duvido), mas não superior, na atual cena progressiva da Bota e por isso abre Giovane Figlia com o potente e bombástico Alessio Calandriello. Sua voz é cristalina, poderosa, sobe, desce, dramatiza, comove, excita. A Ritrosa sobrepõe esse vocal a cinco minutos exultantes de puro prog sinfônico ITALIANO, não há outra definição. Se você não gostar da canção, nem adianta prosseguir, mas difícil um fã de rock progressivo sinfônico, cantado em italiano, desgostar do passeio de montanha-italiana que se inicia com A Ritrosa. Sempre melódica, a suíte intercala puro fogo com momentos de derreter o coração.
Il Giro del Cappio pode arrancar lágrimas dos saudosos pelos anos 70, mas a produção é impecavelmente contemporânea. Calandriello, violino com teclado sutil e o idioma italiano juntam-se em segundos de arrepiar, seguidos por intensificação em melodia e vocais vigorosos. E é o tempo todo assim: diferentes órgãos ejaculam com guitarras, numa orgia de mudanças de ritmo, tempo e clima. Milagrosas ressurgências melódicas, quando menos se espera. Tem hora que lembra Piazolla, há momento que entra o vocal em francês de Simona Angioloni e o clima vai pra folk medieval. Impecável.
Num trabalho onde títulos indicam antíteses, como notte e giorno, a segunda suíte chama-se Madre Antica, estabelecendo antipodismo etário, uma vez que à juventude da filha do título da suíte inicial, contrapõe-se a madureza da mãe desse conjunto de 4 canções.
Em sintonia com os opostos, o clima geral é mais desacelerado e a canção de abertura, Il Paese Ferito, começa mesmo sinistra, lembrando alguns trechos mais arrastados de The Lamb Lies Down On Broadway. Clima mais operístico, como o de Giovana Figlia só mesmo em La Staffetta, onde a melodia linda e vibrante unida ao vocal de Alessio logo dão espaço pra delicado madrigal de piano.
La Notte Anche Dio Giorno é daqueles álbuns que fornecem munição para detratores e amantes da grandiosidade de certo rock progressivo italiano. Caí de joelhos e, de quebra, passei a usar mais o Spotify.
Não paga pelo serviço? Nada de vitimismo, tipo "ah, é só pra quem pode" etc. Tem no Bandcamp e dá pra ouvir de graça!

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