terça-feira, 4 de setembro de 2018

TELINHA QUENTE 325


Roberto Rillo Bíscaro

Evito usar a palavra surpresa em resenhas, porque a considero mais ofensiva/paternalista do que elogiosa. Surpresa é algo inesperado. Ora, se alguém diz que está surpreendido com algo que fiz, é porque não esperava que fosse capaz.
No caso de Fallet (2017), que a Netflix adicionou a seu catálogo recentemente, não tenho como evitar. Não esperava nada dessa sátira sueca ao Nordic Noir. Não porque desconfie da expertise escandinava. Ao contrário, devem sorrir com ironia os leitores mais assíduos. É que não sou muito de comédias mesmo.
Como os episódios têm cerca de meia hora, são apenas 8 e são escandinavos (ai ai) resolvi dar oportunidade. E não me arrependo; é bem inteligente e funciona mais ou menos até como caso (fallet, em sueco) policial.
Apreciarão melhor os mais acostumados às convenções das séries policiais anglo-escandinavas, mas especialmente dessas últimas. Recomenda-se imersão nas temporadas de BronIBroen, porque Fallet tem até vilão mascarado de porco. Mas não é condição sine qua non: dá pra entender/curtir de boa sem sequer saber quem foi Inspetor Morse ou os Midsomer Murders, mencionados (pelo menos nas legendas em inglês, que foi como assisti).
Um inspetor-chefe incompetente britânico e uma policial sueca igualmente desastrada e que tende a atirar pra matar em inocentes, são reunidos pra resolver o assassinato dum cidadão britânico na pequena Norrbacka, na Suécia. Deflagrada por The Bridge, a cooperação entre policiais de distintos países é cada vez mais criticadas por fãs de Scandi Drama, porque perpetra sofríveis interpretações em inglês. Em Fallet ela faz todo sentido, porque satiriza essa estratégia oportunista escandi pra conquistar mercados.
Fallet tem todos os chavões formo-temáticos dos Nordic Noirs: Suécia escura e sinistra; chefe de polícia prestes a se aposentar; detetive emocionalmente remota (não há dúvida de que Sophie Borg seja a versão negativa da antológica Saga Norén). Mas, como é sátira, quase sempre sai errado ou a cena é feita no sentido de mostrar como a convenção é, na verdade, até meio estúpida.
Exemplo: em qualquer série de detetive, existe um mural na chefatura, cheio de fotos e setas sobre o caso, para o qual o detetive passa largo tempo olhando, até que epifania ocorre e ele raciocina algo que estava na sua fuça, mas passara despercebido. Em Fallet, o policial bocó olha, olha, olha e nada acontece.
Há um caso a ser resolvido, porém, então nem tudo falha, mas mesmo assim, Fallet mostra o quão improvável é o material satirizado. Depois de absurda reviravolta melodramática na trama, o DCI Tom Brown relembra em minuciosos flashes, uma torrente de detalhes e consegue desvendar o mistério.
Com personagens secundárias interessantes e até Dag Malmberg no elenco, pra ficar claro que a sacanagem mor é direcionada a BronIBroen (Dag é o Hans, das primeiras – e melhores – duas temporadas), Fallet garante bons momentos de diversão leve, pra contrabalançar a sisudez mórbida do Nordic Noir.

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