segunda-feira, 17 de setembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 332



Roberto Rillo Bíscaro

Tanta coisa pra comentar, álbuns envelhecendo na fila de espera de audição/postagem. Isso requer dobradinhas mais frequentes. Hoje, vamos de duas divas negras, que uniram soul music a outros subgêneros. Uma se deu bem; a outra, não.

Priscilla Renea manda muito bem como compositora, tendo canções em álbuns de consagrados como Rihanna, Madonna, Demi Lovato, Selena Gomez e mais. Isso não se repete na trajetória como cantante: seu álbum de estreia – Ujkebox (2009) – vendeu umas cinco mil cópias globalmente.
Deve ter sido por isso que a norte-americana só lançou seu segundo trabalho nove anos mais tarde, em 22 de junho. Coloured ainda não teve dados de vendagem divulgados, mas não deve ter feito muito melhor que seu predecessor. Chato, porque algumas letras sobre problemas raciais e a adição de elementos country, recomendam-no.
Criada na parte rural da Flórida e expulsa de casa pela mãe, quando começou a lutar pelas próprias opiniões, Priscilla junta suas raízes country e tom confessional de agora-vencedora, na abertura Family Tree, cujo country é meio alternativo, daquele do tipo da Handsome Family. Ela respeita tanto o subgênero que foi à sua capital, Nashville. Por isso que Jonjo tem suave aroma rural, mas sobreposto por produção meio trap, com refrão grudento. E, claro, não podia faltar baladaça country: If I Ever Loved You não deixa pedra sobre pedra e tem até solo de guitarra meio country rock.
E por falar em pedras, ela sugere ao amado construir uma casa com as pedras atiradas pelos desafetos, em Let’s Build a House, puro drama de diva soul country. Drama gritado com sua possante voz. E é isso, Coloured pode ter indícios country e até faixa reggae (Different Color), mas Coloured é soul music de grande qualidade. Heavenly é paradisíaca pra nós que amamos diva R’n’B gritando, acompanhada de dedos estalando e pianinho. You Shaped Box também é puro drama, mas a letra é de incentivo e a melodia levada por violões, que se tornam hispânicos em seu auge.
Em Gentle Hands ela sapecamente pede a papai do céu um bofe escândalo, devoto, grandão e de mãos suaves. Essa idealização vem sensualizada numa espécie de blues com salamaleques trap.
Que pena que ainda exista tanto racismo, senão a linda Land Of the Free poderia ser sobre outra coisa e não violência policial contra afrodescendentes. Tem até o hino nacional estadunidense solado na guitarra, como apêndice.
Priscilla Renea não inventou a fusão entre soul e country – aqui no blog mesmo resenhei um álbum de K. Michelle que possui traços comuns -, mas Coloured merecia tê-la colocado mais forte no radar do público que ainda consome black music não totalmente produzida como trap.

Jhené Aiko parece personagem dessas séries modernas de TV que querem passar desesperadamente imagem de paz étnica nos EUA. Filha da mãe nipo-americana e pai afro-americano, a moça circula nos meios musicais desde o início do milênio, mas seu álbum de estreia por grande gravadora veio apenas em 2014, com Souled Out. Compensou a espera, porque Aiko desfrutou de sucesso comercial e crítico, descolando 3 indicações pro Grammy, em 2015.
Dia 22 de setembro do ano passado, a cantora lançou de surpresa, seu segundo trabalho: Trip. Na era dos vazamentos na internet, ela conseguiu surpreender no marketing gerado pela “inusitado” do lançamento. Pena que as surpresas tenham parado por aí.
Trip significa viagem, que pode ser entendida em sentido alucinógeno, vide o número de canções com títulos como Lsd, Sativa, Psilocybin, Mystic Journey, Trip, mas também em termos de egotrip, como em Jukai, que alude ao salvamento de alguém que tencionava se suicidar na conhecida floresta japonesa famosa por esses atos. Parece que Aiko quis fazer álbum conceitual de soul psicodélico (olhe essa capa, que lôka!).
Mas, a jornada proposta provavelmente só poderá ser desfrutada por alguém viajando sob os efeitos dalgum dos narcóticos de escolha da cantora. Trip é longo demais pra muito pouca variedade nos arranjos, ritmos e andamentos. São mais de 80 minutos de música lânguida, de electronica diluída, com uma ou outra diferençazinha, tipo aqui um pianinho ou trompete jazz, mas o essencial acaba parecendo a mesma canção, não depois de muito tempo que se começa a ouvir o álbum. O único número mais animado é OLLA, que sequer chega a ser dance mediano e mesmo pros chapados deve cortar a viagem malemolente do restante.
Ano passado, o essencial Brown Sugar, do D’Angelo, completou 20 anos (nossa e eu ainda me refiro a ele, como artista/álbum novo!...). Dá só uma escutada na faixa-título, ode meio mal disfarçada à maconha, e veja como reduz todo o álbum de Jhené Aiko à pó, ou fumaça. Ou whatever.

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