quinta-feira, 29 de março de 2018

TELONA QUENTE 229

Roberto Rillo Bíscaro

De acordo com o filme Abzurdah (2015), a Argentina é o segundo colocado em casos de distúrbios alimentares como a anorexia, perdendo apenas para o Japão. Talvez seja por isso que a autobiografia de Cielo Latini tenha esgotado edições no vizinho platino.
A diretora estreante Daniela Goggi manteve o nome do livro em sua transposição para as telonas, a qual também foi muito bem sucedida em seu país de origem.
Abzurdah é o apelido que Cielo usa no ICQ – a história se passa no início dos anos 2000, quando o já extinto MSN ainda não triunfara e acessar a internet ainda fazia aquele barulhinho irritante e a linha telefônica permanecia ocupada – mundo onde tenta suprir com amigos virtuais a escassez de pessoas reais em sua vida.
Adolescente voluntariosa e arrogante, Cielo é o arquétipo da angustiada propensa a dramatizar tudo ao máximo. Se acha diferente e superior, sem que na realidade tenha algum traço distintivo. É boa escritora, mas até aí, quem não possui alguma habilidade?
Insatisfeita consigo, com os pais e com tudo, Cielo conhece Alejo, dez anos mais velho, com quem flertava virtualmente. Por ter mais idade, o rapagão tatuado aparenta ser mais seguro e, claro, faz todo o tipo cool (canchero, na gíria argentina), enlouquecendo Cielo, que o considera a última bolacha do pacote (a pobrezinha não aprendera ainda, que essas se quebram com muita facilidade). 
Quando Alejo começa a enjoar da pegajosa carência da menina, Cielo desparafusa e cai numa espiral de automutilação e anorexia, inclusive criando um blog onde incentiva o “modo de vida”.
O filme tem o mérito de trazer o assunto à baila e pode ser usado como motivador de discussões e alertas, além de manter a atenção. Mas, é tudo difuso; no final das contas ninguém nos é apresentado com profundidade. Cielo joga a culpa nos pais, mas temos apenas sua palavra – com aquela cabecinha tão perturbada?! – porque não vi nada de desabonador no casal.
Quem não suporta teens ou tem problema mais tangível na vida, poderá até pensar que Cielo faz tempestade em copo d’água. Claro que não é assim, alterações mentais e neuras são reais e graves; não são frescura, falta de serviço ou qualquer asnice compartilhada em rede social. Mas, a falta de profundidade pode conduzir a leituras que tais. Nada é discutido, explicado; parece episódio de série de TV, tradicionalmente menos profunda.
Abzurdah está no catálogo da Netflix.

terça-feira, 27 de março de 2018

TELINHA QUENTE 302


Roberto Rillo Bíscaro

Andava maluco pra ver a segunda temporada de Bajo Sospecha, exibida pela Antena 3, entre fevereiro e março de 2016. Curioso como a imprensa e as próprias redes espanholas sabotam a produção nacional, seja com críticas sempre negativas no caso da primeira, seja com exibição errática, no caso das segundas. Diz-se que a minissérie estava indo bem de audiência até que a emissora cambiou a noite de exibição, o que reduziu o número de expectadores. Síndrome de vira-lata não é exclusividade brasuca.
Passei os 10 primeiros dias de 2018 na Argentina, acompanhado de meu tablet com o app da Netflix e pra minha surpresa os 10 episódios da segunda temporada apareceram como indicação. Não hesitei e baixei-os pra desfrutar off-line.
Enquanto a primeira temporada (resenhada aqui) se passava no Nordic (Noir) espanhol, a ação da segunda transfere-se pra claustrofobia dum grande hospital madrilenho. Uma médica francesa desaparece e em seguida uma enfermeira é assassinada e outra sequestrada. Hora de infiltrar policiais no enorme edifício pra descobrir as inúmeras tramas paralelas, que às vezes podem ter relação com a central. Lá dentro, grande teia de mentiras será descoberta, como de praxe nos thrillers espanhóis, que a imprensa local critica por serem inverossímeis, o que precisamente me encanta neles.
Novamente, Victor Reyes, com sua cabeleira esculpida, será o policial disfarçado lá dentro, desta feita de enfermeiro. À parte dele, apenas seu pai, o Comissário Casas e o sarcasticamente humorado Inspetor Vidal remanescem da temporada inicial. Vidal foi tão amigavelmente escroto, que deve ter cativado o público (eu o amo): apenas isso justifica sua presença longe de sua Cienfuegos. A policial Laura Cortés – cuja atriz fora massacrada pela crítica – desapareceu da equação. Mas, como o caso envolve francesa de pais graúdos, uma comissária à Saga Norén vai codirigir a investigação com o espanhol Casas. Sob suas ordens, um detetive francês, infiltrado no corpo clínico como médico.
É na relação e nas trocas verbais entre os policiais franceses e espanhóis que reside um dos aspectos mais antropologicamente curiosos de Bajo Sospecha. A afirmação de que a Europa começa depois dos Pirineus está escancarada ali, escrita por roteiristas espanhóis!
Outra graciosidade – provavelmente involuntária – é que a relação erótico-amorosa entra Victor e a Dra. Belén não tem um terço da voluptuosidade das trocas de olhares e toques do investigador Vitor e do francês, Alain, no começo inamistosos, mas com o tempo viram camaradas.
Com relação à trama, Bajo Sospecha prende o interesse com seus vários suspeitos e reviravoltas ao som de insistente trilha tensa. Pena que o fecho careça de força dramática. Dizendo d’outro modo: quando descobrimos, porque tudo aconteceu, difícil não exclamar: ”tantas mortes, mentiras e sequestros, por isso? Por que não procuraram a polícia logo duma vez?” Mas, se o tivessem feito, não haveria história pra nos entreter e o durante compensa o final em sua maior parte. O elenco é ótimo, inclusive com a adição de Concha Velasco, que faz personagem idêntica à Doña Carmen Cyfuentes, de Telefonistas (essa na Netflix brasileira).  
O que pode desagradar e cansar alguns é que os produtores não aprenderam com a primeira temporada e mantiveram os capítulos de 70 minutos e dessa vez sequer editaram pra que tivesse 8 episódios, como a primeira. São 10 e às vezes a peteca cai.

segunda-feira, 26 de março de 2018

CAIXA DE MÚSICA 307


Roberto Rillo Bíscaro

Chanté Moore cresceu cantando em igrejas, devido à influência de seus pais evangélicos, mas o que sempre quis mesmo foi adquirir fama profana. Participou de concursos de beleza, foi modelo e no começo dos anos 90 iniciou carreira como cantora profissional, lançando álbuns. Seu maior êxito até agora foi Chanté's Got a Man, faixa do LP de 1999, que entrou pro Top Ten da Billboard.
Multitarefas, também virou atriz e estrela de reality show sobre R’n’B, um dos únicos canais possíveis pra certo tipo de soul music mais “tradicional” obter algum destaque, de acordo com cantoras como Jazmine Sullivan, Angie Stone e outras.
Sem nunca abandonar a carreira de cantora, ano passado Chanté lançou seu sétimo LP, The Rise Of The Phoenix, que saiu no finalzinho de setembro e não chegou nem ao Top Twenty da parada específica de R’n’B, da Billboard.
Pena, porque Moore canta bem e a sonoridade é apropriada pra fãs de urban soul e pop soul dalguns anos atrás. Soa contemporâneo, tem influência de hip hop às vezes, mas não é aquela coisa nervosa pós-trap.
Entre canções e vinhetas, o álbum é estruturado como uma jornada, afinal, o título sugere repaginação, reinvenção, através da ave mitológica que renascia das cinzas.
Os 3 interlúdios – 2 erroneamente nomeados, porque interlúdio tem que estar no meio de algo –, que convidam e agradecem o ouvinte a participar da jornada, não prejudicam, porque têm melodia legal, especialmente o primeiro, que corretamente seria prelúdio.
O empecilho pra essa Fênix voar é que o álbum dá a sensação de ser excessivamente longo, devido à presença de muito material genérico, daquele tipo de pop soul ou soul ballad ou apenas balada, que já ouvimos repetidas vezes desde os anos 80. Por mais que ame o drama de Breathe ou Saving Grace não dá pra esconder sua falta de qualquer traço de originalidade.
Em termos de destaque mesmo vale a delícia sapequinha de Offa You, com seu instrumental sensual. You’re so sexy, you’re so sexy! Fiquei com isso na cabeça dias a fio.
Há a intensidade R’n’B de Chasin’ e baladas mortais, como a blueseira I’d Be a Fool e seu vocal-arraso, cheio de modulações e a mesma proficiência em Super Lover, mas em chave R’n’B cinquentista, mas que soa moderna. On His Mind também é bem contemporânea, mas mais pop. Pray é pop soul sensual sobre se apaixona por um malandro sedutor.
Selecionando bem as faixas, fãs de urban soul, quiet storm curtirão tranquilamente.

domingo, 25 de março de 2018

COSTURA DA SUPERAÇÃO

Conheça a história de superação da costureira Cilene Di Moraes, que, a despeito de haver perdido as mãos, não deixou de se tornar exímia artesã e profissional da costura.

sábado, 24 de março de 2018

ALBINO GOURMET 256

sexta-feira, 23 de março de 2018

PAPIRO VIRTUAL 125 (ALBINO)

Vejam que fofo este poema sobre ser albino, que achei no site Recanto das Letras:

https://www.recantodasletras.com.br/poesias/6286429

quinta-feira, 22 de março de 2018

TELONA QUENTE 228


Roberto Rillo Bíscaro

Destination Moon investiu pesado pruma produtora independente; foram cerca de 500 mil dólares de produção, fortuna pra 1950. Outro estúdio indie, a Lippert Pictures, pegou carona oportunista na blitz publicitária de Destino à Lua e, com um quinto do orçamento e filmagem em menos de 20 dias, lançou Rocketship X-M poucas semanas à frente.
Em branco e preto, com nave espacial copiada de capa de revista e cuja cabine parece oficina de garagem, Da Terra à Lua não se resume à efeméride de rodapé por ser – por forçação de barra – o primeiro filme sci fi da era atômica. Rocketship X-M, malgrado seus múltiplos erros e mambembices, é tão fundamental quanto seu colega mais rico, porque apresenta visão mais cautelosa com relação à energia nuclear e essa tensão de fascínio, pavor e amor pelo átomo informará praticamente toda a produção de ficção-científica por anos e anos. 
O governo norte-americano decide enviar a primeira missão tripulada à lua, não apenas pra iniciar a conquista do espaço, mas para conter a histeria dos discos voadores. Desde 1947, os relatos sobre OVNIs se multiplicavam na imprensa e Rocketship X-M (X-M = Expedition Moon, pós-moderna a grafia, não?!) alude não só a isso, mas até à batalha semântica entre os termos flying saucer e flying disk. Até o exército ordenar essa zona, com a expressão UFO, flying saucer foi a expressão predominante.
Uma vez no espaço, uma chuva de meteoritos desvia o curso do foguete, que se dirige à Marte, onde os astronautas fazem horripilante descoberta: uma guerra atômica dizimara a civilização reduzindo-a a primitivos deformados. No caminho de volta à Terra, os tripulantes sobreviventes alertam as autoridades terrestres sobre os perigos da era atômica, mas a missão do casal restante ainda terá grande desafio a superar.
Rocketship X-M é a primeira advertência em celuloide sobre o perigo de extinção atômica, além de contrapontear Destination Moon no quesito exploração espacial. Rocketship X-M deixa claro que, apesar de valer a pena, a conquista do espaço não será destituída de percalços e óbitos. O colorido de Destination Moon mostrava dificuldades, mas todos voltam pra casa sãos e salvos. O tristonho preto e branco de Rocketship apresenta mártires pela ciência. Por isso se pode afirmar que nessas duas partes de 1950, já lemos praticamente o todo da década. Na verdade, só em Rocketship X-M já dá pra ler o decênio todo, mas comparar com Destination Moon é mais divertido.
A película está repleta de incorreções científicas. Lei da gravidade seletiva, que afeta uma gaita, mas poupa os demais objetos da cabine; barulhão ensurdecedor dos meteoros, no vácuo sideral, que impede a propagação do som. Mas, sou cauteloso quanto a malhar essas produções, porque até o rico Perdido em Marte (2015), assessorado por gente da NASA, tem seu quinhão de implausibilidades, a começar pela força da tempestade de areia que deixou o astronauta desacordado. Liberdades poéticas são necessárias se se quer filmes e não documentários.
Considerar isso não impede, porém, que o espectador de hoje se divirta com a falta de computadores de bordo. O orçamento de pouco mais de 90 mil dólares só dava pra comprar caneta e pranchetas, então os cientistas fazem cálculos à mão e os trajes pra explorar Marte não passam de máscaras de oxigênio usadas por bombeiros militares.
Também dá pra rir de pérolas. Há uma cientista a bordo, o que já é mais moderno que Destination Moon, onde só há homens. Em um momento em que a doutora se exalta ao discordar do colega, o cientista a desculpa com o argumento: ”tudo bem, você está temporariamente sendo uma mulher”, afinal , o “instinto” feminino é ser mais emoção do que razão. Mas, pera, dá pra rirmos mesmo? Quanta gente ainda não pensa assim? Por isso há que se tomar cuidado com o deboche.
Familiarizados com terror e ficção-científica antigos lembrar-se-ão daquele som que parece longo assobio d’outro mundo. Ele sai do teremim, um dos primeiros instrumentos musicais completamente eletrônicos, controlado sem qualquer contato físico pelo músico. Na década do pavor soviético, um dos cartões de visita das trilhas-sonoras sci fi saía duma engenhoca inventada por um russo. Rocketship X-M introduziu o teremim no imaginário de gerações, como som do sobrenatural ou meodramaticamente fantástico. No ano seguinte, o clássico The Thing From Another World, um dos mais cultuados do decênio, já incorporaria o teremin a sua banda musical. E isso foi só o começo, parafraseando Destinantion Moon...

quarta-feira, 21 de março de 2018

CONTANDO A VIDA 226

... NESTA DATA QUERIDA... MUITOS ANOS DE VIDA...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Escrever é algo que nos aproxima do divino. Cria-se, quando o branco da página ou da tela vai se fazendo em linhas, somando palavras, conectando frases. E nesse céu, cada qual tem seu universo de invencionices. Por irônico que pareça, cumpre-se nessa senda o designo da imagem e semelhança do criador. O bom texto tem que ser a cara do autor. O mundo assim vai ganhando contornos explicativos e a mágica da escrita se amplia na aceitação dos leitores. A complexidade dessas condições na modernidade ganha atalhos ainda mais enigmáticos quando se levam em conta os avanços tecnológicos, tão importantes na produção dos textos como nos mecanismos que os divulgam. Seria vão tentar explicações mais profundas nos parcos espaços de uma crônica, mas... Mas há algo tangível e que merece ser dito. Parto do princípio de que todo escrito é sempre autobiográfico. Por mais distantes ou longínquos que sejam os temas, as escolhas e abordagens, a forma e as palavras traduzem muito de nós. Sobremaneira, a crônica é um gênero revelador de nossos recônditos, perdendo apenas para as autobiografias. Derivativo do termo grego “kronos”, tempo, o termo guarda segredos da tradução de realidades que clamam por sínteses, registros de fatos corriqueiros, banais mesmo, mas gravados com ansiada beleza. Nossa literatura é pródiga em número de bons cronistas, e listá-los é como rezar ladainha que inclui Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Fernando Sabino, entre tantos senhores respeitáveis.
Há algo mais a ser dito no retraço da relevância das crônicas: ela vicia. Num voo muito rápido pela minha produção devo ter registro de mais de 500 peças. Não o faço por obrigação ou dever. Não. Minhas linhas semanais se comportam como dimensão do que sou e assim vou “escrevendo a vida”. E procuro sempre oferecer o melhor. Por vezes, repetem-se situações esdruxulas, dificuldades tecidas ao acaso e convites constantes aos impedimentos. De uma ou de outra forma tenho superado tais entraves. Na já longa sequência de circunstâncias, hoje se dá uma inédita: escrever no dia de meu aniversário. E que aniversário: 75 anos!  Já comentei em outras oportunidades a relevância histórica do dia 15 de março - data considerada por Shakespeare como “o dia mais triste da história” pelo assassinato, em 44 a.C. de Júlio César pelo próprio filho adotado, Marco Brutus. O episódio conhecido como “idos de março” não me foge quando pontuo questionamento da minha existência em face da alegria de viver.
Por certo, cumpri tarefas intelectuais em outros dias 15 de março, mas não me lembro de escrever uma crônica sintonizada com a celebração. E fazer 75 anos equivale a uma saudação à minha própria vida. Não sei ainda quanto tempo me resta, mas posso dizer do alto da experiência que me sinto bem comigo mesmo, em coerência com o “parabéns, pra você”. O que vier é lucro, diria, mas também garanto que o futuro há de me levar a ter mais compaixão comigo mesmo. Quero reinventar a delicadeza das relações que vejo tão deterioradas. Preciso depurar a visão do lado clemente dos gestos pessoais e alheios, pois, sinceramente, cansei de ser cáustico. Sartre dizia “dos meus dias, quero só os excessos” e os que pretendo são de finezas. E tenho que exercitar o graças aos deuses pela vida boa que tive. Nunca passei fome ou frio, tive oportunidades de trabalhos e amigos aliados em todas as horas. Se houvesse que distinguir uma generosidade em minha trajetória, renderia tributo aos meus pais. Imigrantes miseráveis, chegaram sem nada e, em obediência ao arco desenhado pela história do Brasil, em uma geração conseguiram se posicionar. Aprendo muito respeitando o desenho da vida familiar. É por isso que rendo tributos ao fato de aceitar as diferenças, não me portar de maneira preconceituosa, admitir liberalidades progressistas e cultivar a coerência. Há algo que venho apurando com muito zelo: não falar mal dos outros. Mesmo reconhecendo imperfeições, acho que se não puder bem dizer, é melhor ficar calado. E não vejam nisso retraços de velhice ou conformidade ingênua. Não quero perder a crítica, mas não faço mais questão de ganhar discussões. Uma das palavras que quero riscar de meus dias futuros é tolerância. A perversidade do tolerar coloca-nos no epicentro de um mundo que tem que ser aceito por negociações de valores. O verbo do futuro dos meus dias é aceitar. Aceitar com filtros e com os rendimentos de juízos que me fazem mais e melhor observador do mundo. Não preciso mais explicar. Quero compreender...
A canção mecanicamente apropriada para o dia de hoje sugere “parabéns”. Eu os aceito vindo de mim, mas tenho restrições em vista do complemento “muitos anos de vida”. Quero sim continuar vivendo neste plano, mas só o suficiente e com o melhor que a vida pode meu dar: paz.

terça-feira, 20 de março de 2018

TELINHA QUENTE 301



Roberto Rillo Bíscaro

O mercado de TV reconfigura-se rapidamente aos novos tempos globalizados, quando empresas de streaming, a possibilidade de ver tudo online e a cornucópia de produtoras em países, antes “distantes, como Ucrânia e Estônia, despejam baldes de séries. É tanta coisa, que existe tendência de temporadas mais curtas e até capítulos mais enxutos. Tudo é célere, há superabundância de ofertas e espectadores não temos tempo de seguir temporadas com 20 e poucos episódios. Sem contar que uma dúzia pode ser mais barato que 24 ou se pode caprichar mais na produção.
A dezena de excitantes capítulos de Missions (2017) representa bem essa confluência de fatores. Muito bem produzida pela TV paga francesa OCS City, o show coloca o país europeu no mapa das boas produções de ficção-científica pra TV, com capítulos que duram concisos 20 e poucos minutos, feitos sob medida pra maratona, porque também cheios de suspense e despertadores de curiosidade pra saber o que acontecerá no próximo episódio.
Fugindo do tom de guerra intergaláctica ou exploração otimista da fronteira final, Missions está mais em sintonia com uma tradição cinematográfica de ficção-científica espacial, um bocadinho distópica, abordando temas como inteligência artificial, lapsos espaço-temporais e comercialização da exploração sideral. Mas, de forma acessível e viciante. Fãs de cine sci fi reconhecerão elementos de filmes desde a década de 1950, até coisas recentes, como O Marciano ou Interestelar.
A primeira missão tripulada à Marte aproxima-se do planeta vermelho, mas, pouco antes do pouso, vídeo desanimador revela que os franceses foram batidos pelos onipresentes norte-americanos, pois uma empresa descobrira propulsor mais poderoso. Como se não bastasse, o curto vídeo adverte aos tripulantes que abortem a aterrisagem, porque o planeta é perigoso demais.
Claro que o comandante desconsidera o aviso – senão não haveria série – e, depois de pouso desastrado, os franceses encontram os escombros da nave ianque, mas, perto deles um sobrevivente, que revelará grande surpresa.
Missions utiliza a tradição da boa ficção-científica e elementos reais da exploração espacial numa narrativa misteriosa, tensa, bem filmada, cativante e inteligente. Não dá pra dizer que seja original, mas é excitante, primordial numa série assim. O criador Julien Lacombe demonstra conhecimento enciclopédico do subgênero e da corrida espacial. Por exemplo, quem conhece a trágica história do cosmonauta russo Vladimir Komarov vai sentir a pele arrepiar numa das revelações.
O potencial de Missions é tamanho que o serviço de streaming Shudder – especializado em horror, suspense e sci fi – cofinanciará a segunda temporada. Mal posso esperar.

segunda-feira, 19 de março de 2018

CAIXA DE MÚSICA 306


Roberto Rillo Bíscaro

Taproban era o antigo nome da ilha onde se localiza o Sri Lanka. Também é banda de rock progressivo formada em 1996, em Roma. A história do atual trio é cheia de câmbios na formação e hiatos, então basta dizer que nessas mais de duas décadas, os italianos têm sido influenciados pelo prog clássico dos anos setenta, especialmente pela vertente tecladeira do subgênero. Além disso, as viagens espaciais e sagas de ficção-científica desempenham papel importante nas composições.
A formação atual tem Gianluca De Rossi teclados e vocais), Roberto Vitelli (baixo e guitarra) e Ares Andreoni (bateria e percussão). Ano passado, lançaram o quinto álbum, Per Aspera Ad Astra, citação latina que significa literalmente: «por ásperos (caminhos) até aos astros», metaforizando chegar à glória por caminhos difíceis. A odisseia espacial humana continua inspirando, desta vez enfatizando as agruras, homenageando os astro/cosmonautas esfacelados para que a humanidade atinja outros mundos.
Per Aspera Ad Astra (PAAD) é predominantemente instrumental; dos cerca de 51 minutos das nove faixas, uns 5 ou 6 apenas têm vocais, em inglês ou italiano. Se Roberto Vitelli também não tocasse baixo, ficaria quase sem trabalho. PAAD é, em sua maior parte, longa sucessão de solos e momentos de diferentes teclados vintage analógicos, como Moog, MiniMoog, Hammond, que dão a sonoridade setentista imperante. Fãs de corredeiras e cascatas tecladísticas se fartarão com o domínio de Gianluca de Rossi.
Até o descontextualizado solo de saxofone, em Nexus, parece se tratar de longa suíte dividida em movimentos, típico da escola prog dos áureos dias. Meio Kenny G, o solo soa fora de lugar, porque remete mais à cena do muzak da saxodécada.
Essa faixa fecha com a suposta última gravação do cosmonauta russo Vladimir Komarov, incinerado, quando a Soyouz 1 entrou na atmosfera terrestre com a velocidade dum meteoro e o paraquedas não abriu, porque o projeto fora (mal-)feito às pressas pra agradar o Camarada Leonid Brejnev, que ansiava usar o voo pra celebrar os 50 anos da revolução de 1917. Momentos antes de ser incendiado vivo, Komarov soltou os cachorros e chorou de desespero pra base moscovita. Não sei se a gravação utilizada pelo Taproban é real, porque há versões apócrifas rolando há anos e jamais tive coragem de ouvir nem a real; meu apetite por desespero é saciado pelos filmes de terror. Não se preocupem os mais sensíveis: é tão baixinho que nem dá pra sacar ser alguém em seus momentos finais de agonia. Acho que se eu não contasse, você nem sacaria. Mais um detalhe desta história triste: Komarov foi velado em caixão aberto; imagine o pedaço de carvão que restou depois do impacto contra o solo. Pior é que tem até foto facilmente acessível online; e a vi sem querer...Ugh!
Depois vem outro equívoco. A pobre melodia de D.I.A.N.A., que muda o teclado prum oitentista Rolland (parece), daí a canção fica deslocada no universo anos 70, além de boba e repetitiva.
O clima e sonoridade setentista são retomados em Agata Lost in the Mirror Whale, onde uma grande sacada poderá acontecer para alguns ouvintes. É a única canção onde ocorre interplay entre linda guitarra plangente e teclado fininho à Jarré. O prog mais emocionante e vibrante ocorre quando existe profusão de ou intensa simbiose entre distintos instrumentos. Embora, o resto de PAAD mimetize bem com a tecladeria de Giancarlo diversos aspectos da corrida espacial, é a curta Agata Lost in the Mirror Whale que consegue emocionar mais do que tudo no álbum.

quinta-feira, 15 de março de 2018

TELONA QUENTE 227


Roberto Rillo Bíscaro

Quem não tem tempo/dinheiro pra se matricular numa escola norte-americana e esperar por um massacre, pode fingir que vivencia momentos de terror numa das muitas atrações espalhadas pelo país. São parques temáticos e até plantações mal-assombradas.
Também há casas montadas como fantasmagóricas, onde o cidadão paga por tour aterrorizante. Na época do Halloween isso fica mais comum, porque há empreendedores itinerantes, que percorrem cidades promovendo tais eventos. Enfim, pra quem não sabia, existe nicho de mercado que envolve montagem e visitas a casas do terror.
O sub-subgênero dos found footage films jamais perderia a oportunidade de explorar esse universo. Há o superestimado The Houses October Built (2014), que tem score elevado em pelo menos um site dedicado aos found footage e está disponível na nossa Netflix. Mas, muito mais divertido é Hell House LLC (2016), escrito e dirigido por Stephen Cognetti e produzido por sua parentela (é até engraçado quando aparece a lista de produtores nos créditos finais; galera realmente creu no sonho de Stephen, bonito de ver).
Em 2009, quinze pessoas morreram, depois que pânico alastrou-se na casa mal-assombrada montada pela empresa Hell House, na pequena e outonal Abaddon, perto de Nova York. O vilarejo é fictício: difícil imaginar cidade norte-americana batizada com o nome do anjo, que, no Apocalipse, é mencionado como o rei do abismo sem fim de onde emerge um exército de gafanhotos. E essa é apenas uma das versões de Abaddon, que em hebraico significa destruidor/destruição. Animador demais!
Cinco anos depois da tragédia, documentaristas liderados por uma mulher enxerida e destemida voltam à Abaddon pra tentar desvendar o mistério.
Hell House LLC mistura found footage film com documentário e essa intercalação de convenções garante e confere bastante suspense. Found footage films geralmente padecem de primeiro atos sonolentos, porque é quando o grupo está sendo dado a conhecer, estão animados e confiantes, até que tudo descamba. No caso de Hell House LLC, o mistério começa com o filme, que nos informa através de entrevistas e letreiros, que não se sabe realmente o que se passou e pode haver até pacto de silêncio por parte dos nativos.
Somos informados de que a casa era um hotel com histórico de desaparecimento, enfim, o roteiro desperta logo nos primeiros instantes a curiosidade de conhecer aquela mitologia.
Filmado em uma casa na Pensilvânia realmente usada como sucedâneo de residência afantasmada, Hell House LLC derrapa um bocadinho no terceiro ato. Não no aspecto técnico, mas no impacto muito menor do que a construção do suspense levava a crer que aconteceria. Faltou detalhar a história e tornar o evento mais chocante, embora haja surpresinha final reservada pros documentaristas também.
Bem acima da média do subgênero. E esqueça The Houses October Built, se você o tem listado pra ver. É muito chato. 

quarta-feira, 14 de março de 2018

CONTANDO A VIDA 225

REINVENTANDO MONTEIRO LOBATO: desafio urgente.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Muito já foi dito sobre Lobato, mas por mais que se tenha escrito, falado, debatido, parece que a vida desse personagem é mesmo um poço sem fundo. Sem dúvidas, o fato de ter produzido o maior e mais consequente conjunto de obras, no Brasil e na América Latina, ditas “para crianças”, é motivo para exclamações multiplicadas. E justas. A criatividade expressa nas variações de personagens e circunstâncias narrativas é inegável. Inesgotáveis casos, sempre dotados de tensão e humor fazem da “turma do Sítio” um convite ás releituras. Cabe, para o perfil desse escritor ainda hoje tido entre nossos cinco maiores, todos os lugares comuns que o qualificam: grande, eterno, brilhante. Vale, contudo, acrescer a tais predicados alguns aspectos críticos e, entre tantos, destaca-se o monocórdico teor exaltativo. Não que o “taubateano rebelde” não merecesse a ladainha de elogios que lhe é devotada. “Ora pro nobis” afora, questiona-se a existência de um “lado B” dessa construção heroica. É mais do que justo que, a par da “obra infantil” leve-se em conta que foi ele quem projetou algumas das patologias sociais relativas aos problemas do homem do campo, deu dimensão pública a questão do livro no Brasil, se meteu em intrincado debate com os modernistas, enfrentou o problema da exploração do ferro e do petróleo. Não restam dúvidas, enfim, que foi notável homem público. Ironicamente, porém, tais predicados conspiram de maneira incoerente contra sua reconstrução biográfica. Morto em 1948 – portanto há quase 70 anos – poucos se aventuram no retraço de sua experiência pessoal. O Lobato que se conhece é despido de condições humanas e sempre mostrado como personagem lógico, nacionalista, campeão da defesa nacional. Não que não seja, mas, no momento atual, não cabe mais divinizá-lo como figura sem sombras. José Bento Monteiro Lobato foi, também, um ser humano suscetível aos vieses de seu tempo.
Depois de apedrejado recentemente por racista e de tê-lo enquadrado em molduras explicativas eugenistas, remete-se ao ser inconstante que foi. Socialmente filho de segmento conservador, membro de uma oligarquia atormentada pelo contexto agrícola, cabia a Lobato lutar por um posto melhor para seu clã elitista. E não poderia ser de outra forma, posto ser parte de um todo que perdia o controle da dominação política. Saindo do campo para a cidade, do interior para a capital, Lobato teve que conviver com as contradições inerentes a quantos buscavam reclassificação no cenário de lideranças classistas. Tal consideração exige que sejam levadas em conta as múltiplas posições ensaiadas pelo profícuo escritor. Ele, politicamente, experimentou tudo, absolutamente tudo: foi sim próximo de posições: monarquista, republicano, comunista, georgista, anarquista, nacionalista. Em favor de uma leitura favorável, convém ver nessas fases a valentia de um Diógenes que buscava, com sua lanterna, iluminar caminhos. Não cabe mais simplificar Lobato como herói coerente e linear. Pelo contrário, o que precisamos é mudar o foco, e vê-lo grande homem exatamente por demorar a ter opinião final, fato que apenas ocorreu no fim da vida.
Uma das consequências mais exuberantes do “novo perfil” de Monteiro Lobato, convida ao entendimento de sua posição em vista do caipira e dos negros. É muito pouco identificá-lo como opressor de camponeses ou racista. Sem levar em conta o momento e a conjuntura das produções desse tipo de ideias e imagens, pode-se ter visão deformada e rasa do posicionamento de Lobato. É pouco dizer que ele é/foi racista, por exemplo. Não dá para destacar uma ou algumas frases e concluir sobre teorias acatadas fora de sua época. É exatamente sob este pressuposto que se evoca a necessidade de uma boa e nova biografia de Lobato. Tendo em mira a necessidade de vê-lo em seu meio, reclama-se de destaques inconsequentes frente entendimentos que não podem mais ficar fora da pauta analítica da cultura brasileira.
A fim de dar um exemplo da tramitação de Lobato nas lides de sua época vale lembrar que ele fez sim, em 1928 apologia a Ku-klux-Klan (“Paiz de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Klux-Klan, é paiz perdido para altos destinos”). Convém dizer que mais tarde, já no final da vida, já maduro e definido com cidadão, depois de ter passado pelas tais fases controversas, Lobato resolveu desligar-se do Conselho Consultivo da Associação Brasil-Estados Unidos, usando, conta o ditador Vargas, o seguinte argumento, em 1946, “como verifiquei que os americanos fazem a maior das guerras ao fascino na Europa e dão todo apoio moral e material ao fascismo aqui, achei de bom conselho não contribuir para a união cultural entre os dois povos, de medo que brasileiro acabe ainda mais sem-vergonha do que é”.         
É lastimável que nossa crítica acadêmica ainda não tenha se inclinado à revisão biográfica de Lobato. Mais lastimável ainda que em sua terra natal não tenhamos especialistas ou centro de pesquisas habilitados à atualização de mitos que, se continuarem como estão, apenas concorrem para a perpetuação de uma imagem heroica que será demolida pela crueldade de argumentos ditos “politicamente corretos”.  

terça-feira, 13 de março de 2018

TELINHA QUENTE 300


Roberto Rillo Bíscaro

Desde que me apaixonei pelo detetive diletante de Down Under, o Dr. Blake, minha curiosidade estava atiçada por Miss Fisher's Murder Mysteries (MFMM), claramente inspiração pra série de Craig McLachlan, porque a pré-data em um ano. Ambas são “de época” e trazem investigadores amadores resolvendo casos mirabolantes numa Austrália não necessariamente cozinhando em calor, então é muito casacão e céu nublado.
Miss Fisher's Murder Mysteries estreou em 2013 e teve três temporadas, resultando em 34 episódios, meio  escondidos no catálogo da Netflix, sem nem dublagem em português, o que espanta muita gente, porque o Brasil não curte muito ler. EUA e Inglaterra também preferem produtos em sua língua nativa, então poupemo-nos do complexo de vira-lata.
Protagonizada por Phryne Fisher, personagem literária criada pela escritora australiana Kerry Greenwood, MFMM se passa na Melbourne de 1929, onde a ricaça, sexualmente liberada e multitalentosa Miss Fisher deixa o inspetor Jack Robinson maluco com suas intromissões sempre certeiras em casos de assassinatos, que envolvem aranhas em sapatos e coisas divertidas do gênero. MFMM é o tipo de série policial na qual a morte é pura diversão familiar; é crime do bem. Nada de investigadores mais atormentados do que os criminosos. MFMM é utopia liberal, onde comunistas convivem com ricaças e moçoilas católicas ficam mais liberadas após contato com a descolada Miss Fisher.
Lembra muito as séries clássicas de detetives amadores que, de certa forma, desabonam o trabalho coletivo da polícia, tipo Casal 20 ou Murder, She Wrote, dentre tantos exemplos. O mundo anglófono ama essas séries até hoje, vide Grandchester.
Uma diferença entre o cardápio contemporâneo de diletantes detetives e tantos outros do passado, é que muitos assassinatos vem embalados por situações “históricas” ou “sociais”, seja a Revolução Russa ou a Primeira Guerra, seja a liberação feminina ou dissensões religiosas. Jessica Fletcher ou o casal Hart viviam num mundo onde não necessitavam conhecer História, Miss Fisher e o Dr. Blake, sim. Mas, é ilusão, porque no fim, tudo é sempre reduzido a alguma questão pessoal primal, como ciúme ou vingança. Essa pseudoadição de conteúdo histórico fica mais evidente, quando se leva em conta que apesar de estar congelada em 1929 durante as 3 temporadas, MFMM jamais é afetada pela grave crise que abalou o capitalismo naquele ano.
Nada disso importa, porém, porque MFMM é pra entreter após o jantar. Como Phryne é podre de rica e a década de 1920 ligada à opulência - 1929 é simbolicamente o fim da festa – o show é um encanto retrô na trilha-sonora jazzística espevitada; nos vestuários glamorosos, naquele jeitão de série antiga, que não mostra muita nojeira e até o final tem formato de cine mudo, quando a filme terminava com a imagem sendo tragada pela negro, em forma de círculo. Tem episódio que é até em forma de coração. Awn!
Ao final do primeiro episódio já estamos apaixonados pelo Constable Collins e por Dot e mesmo Tia Prudence não demora a ficar um amor. E o que dizer duma série onde o mordomo se chama Mr. Butler?
Essie Davis, de The Babadook e Game Of Thrones, é um deslumbre como a feminista Phryne Fisher, que mesmo atuando como detetive particular há 90 anos, quase não se deparava com comentários machistas. O problema era sempre com e dos outros: Miss Fisher podia tudo, a não ser com o pai malandro. Mas, isso também não conta, porque MFMM é diversão charmosa, que tomara realmente ganhe o(s) longa-metragem(ns) prometido(s).

segunda-feira, 12 de março de 2018

CAIXA DE MÚSICA 305



Roberto Rillo Bíscaro

Sharon Jones tem sido creditada como uma das responsáveis pelo revival do funk e da soul music vintage, que pode ter tido seu álbum mais conhecido mundialmente no trabalho de 2007, de Amy Winehouse. Aliás, os Dap-Kings, que acompanhavam Sharon, forneceram os vocais de fundo de Back To Black, a canção.
Jones nasceu na Georgia, mas foi criada em Nova York, onde trabalhou em prisões e como segurança armada. Nada de escola de talentos em Londres ou gritaria em show de calouro; era ralação pesada mesmo, com a música como bico, até que em 96 gravou seu primeiro single e só no começo dos 00’s, seu álbum de estreia, já aos 46 anos.
Depois disso foi só estrelato merecido com indicação ao Grammy e colaborações com gente do calibre de Lou Reed. Mas, em 2013, apareceu um câncer, que retornou com força em 2015. Foi em meio a desgastantes sessões de quimioterapia, que gravou Soul of a Woman, com seus inseparáveis Dap Kings. Quando se sentia melhor ia pro estúdio e até fazia shows. Sharon deixou o planeta em 2016 e em 17 de novembro do passado ano, saiu Soul Of a Woman, 11 canções que deixam a doença de lado.
Mas, o poder simbólico dessa enfermidade e a morte de Jones quase inescapavelmente nos levam a atribuir sentidos pessoais mesmo a afirmações em contextos mais politizados, como na fogosa abertura de Matter of Time, onde ela canta que não dispõe de muito tempo. A letra urge a união da espécie humana e liberdade para todos, mas quem consegue ouvir sem pensar que a intérprete estava dolorosamente cônscia de sua própria situação?
Entendamos as letras como for, mas o vital é conhecer esse trabalho luxuosamente orquestral, onde coabitam números explosivos - como Sail On, que não deixa dúvida de que Jones era fã de James Brown – com baladas em diferentes registros. Just Give Me Your Time vem em estrutura R’n’B mais minimalista; Come And Be a Winner é chique até o fundo d’alma. Paul Weller mataria por essa melodia, no auge do Style Council.
Os vocais em These Tears (No Longer For You) e Girl (You Got To Forgive Him) têm que ser ouvidos pra serem cridos. Na primeira, a intensidade progride à medida que a melodia orquestrada à anos 70 avança e na segunda, que abre imperiosa, majestática, ela e o coro interagem num jogo complexo de frases que uma começa, o outro acaba. Câncer FDP, nos privar dum talento assim, quando precisamos tanto!
A última canção derrete corações mais empedrados. Call On God é um spiritual que fala sobre encontrar Deus, estar pronto pra visitá-lo, essas coisas. Embora composta há décadas, dá pra separar a mensagem da terminalidade da vida de Sharon, que bem no finalzinho – ouça com fone de ouvido – soluça ou ri?
Soul Of a Woman é tão devastador, quanto belo e você só não desfruta o esfuziante talento de Sharon Jones e seus Dap Kings, se não quiser, porque tem bastante coisa no Bandcamp:

domingo, 11 de março de 2018

A SUPERAÇÃO DE ÁLVARO

O adolescente Álvaro perdeu o movimento das pernas, quando fazia alongamento. Desde então, sua vida tem sido de superação, mas também de dificuldades. 

sábado, 10 de março de 2018

ALBINO GOURMET 255

quinta-feira, 8 de março de 2018

TELONA QUENTE 226


Roberto Rillo Bíscaro

Nova York tem a maior comunidade de judeus ortodoxos fora de Israel. Quando você assiste a Menashe (2017) pode até demorar pra perceber que a história falada em ídiche se passa na Grande Maçã.
Dirigido pelo documentarista Joshua Z. Weinstein, Menashe lucra com isso. Usando atores não profissionais e mostrando cenas rituais da comunidade hassídica, o discreto filme fornece raro vislumbrar nesse universo tão desconhecido pra maioria, num clima de docudrama bastante sensível e até um pouco engraçado.
Assim como o ator homônimo que o interpretou, Menashe é viúvo e trabalha numa mercearia. Os hassídicos seguem o Torá à letra e não fazem nada sem consultar o rabino. Naquela tradição, crianças devem crescer em lares com pai e mãe, então o filho de Menashe teve que ir pra casa do tio bem-sucedido. Mas, a personagem-título encasqueta que o quer de volta e o traz ao pequeno apartamento no Brooklyn, onde se concentra a comunidade ortodoxa.
Menashe, o homem, é simpático, meio atrapalhado, conquista o espectador bem rápido, porque se rebela contra um costume que para nós parece ultrapassado e tirânico. Devemos ser numericamente mais do que judeus ortodoxos, presumo. Porém, dentro daquele universo é preciso colocar a seguinte questão: dá pra ser ortodoxo seguindo apenas as partes que lhe convém?
Pra ter Rieven de volta, Menashe teria que procurar casamenteira pra outro matrimônio arranjado, algo que intuímos não ter sido bom da primeira vez, a não ser pela geração do amado filho. Então, dá pra se manter na comunidade colocando suas ideias individuais acima das do grupo?
Menashe, o filme, não promove debates acadêmicos, mas na história simples e cheia de olhares íntimos sobre hábitos de higiene e vestuário hassídico, ficam palpáveis a pergunta e a resposta.
Disponível dublado na Netflix, que tem vários filmes e séries que nos permitem conhecer melhor a cultura judaica. Mas, não falta o mesmo com relação a países árabes, Netflix?

quarta-feira, 7 de março de 2018

CONTANDO A VIDA 224

ENVELHECENTE...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Tenho repetido que, para mim, envelhecer é chato. Muito chato, aliás. Demais. Não que me preocupe com a aparência, com detalhes vaidosos ou cuidados com o físico. Nada. Fui aos poucos me despojando de certos tiques da moda, e com isso aprendi as delícias da pouca roupa no armário, dos chinelos de dedo, das bermudas em dias de calor e dos moletons no frio. Mas, muito mais do que dispensar o tributo à eterna juventude ou obediência às regras formais dos costumes, fui constatando que o corpo se rende, inevitavelmente, aos imperativos do tempo. Isso pode parecer óbvio, não obstante, quando da vã idealização filosófica se passa à rudeza da prática, a novidade deixa de ser pregão e se impõe exigindo reposicionamentos. O pior me parece é ter que se adaptar, queira-se ou não. Os deliciosos churrascos, as frituras de camarões graúdos, as bebidinhas tão apreciadas, tudo enfim, tem que ser comedido, passado por exames de conveniência e ter os efeitos premeditados. Nos homens, caem-se os cabelos, a barriga anuncia progressos, os músculos cedem e a pele não admite outras verdades que não as rugas. Quando vejo amigos de infância que por distantes deixaram minha memória repousar no passado, fico bestificado ao ver os estragos. Sinto mesmo o peso dos anos quando olho para os “velhos companheiros” e entendo o significado do termo antiguidade.
Há um imponderável da modernidade que complica ainda mais a trajetória que leva à morte natural: o culto à beleza vista como sinônimo da juventude. E, como historiador, até sinto saudade de um passado que me foi roubado, de um tempo em que a velhice era respeitada, sinônimo de sabedoria e de poder. Quando aquilato o valor simbólico do velho atualmente, vejo que ele só se afigura importante se gerar consumo, mercado, motivo capitalista. E, confesso, mesmo os convenientes debates sobre a Reforma da Previdência nos colocam como peso, pois a ampliação de nossa longevidade passa a valer como ameaça para o futuro da nação. Isso é muito triste. Tristíssimo. E nem adianta dizer que ganhamos liberdade, direitos, autonomia. Nada. Adoecemos, as dores nos atormentam, as farmácias passam a constar de nossos roteiros de saídas e os decantados descansos têm que ser tão planejados que muitas vezes nem vale a pena sair de casa. E não me venham com piqueniques imaginários, com bailinhos onde sorridentes anciãos mostram suas novas dentaduras. Nem falem de repousantes sessões de cinema ou teatro, pois antes de irmos à esses logradouros precisamos saber se têm elevadores, corrimãos e... banheiros. Ah, os banheiros da “melhor idade”...
Outro detalhe perturbador é que nosso envelhecimento é também problema para os outros, questão social, pois afinal, temos que pensar em quem cuidará de nós na sequência natural das coisas. Filhos, netos, noras, parentes próximos ou distantes, prestadores de serviços especializados, todos devem ser considerados, mas o pior é que em tantos casos deixamos de ser donos das escolhas. E estão aí os dados que não nos permitem ilusões. Compúnhamos, até 2008, um time cuja população acima dos 65 anos perfazia 6,53 por cento da população. Diz o IBGE que por volta de 2050 chegaremos a 22,71 por cento. Viramos, portanto, ameaça inevitável. Como “problema”, nossa idade ganhou foros judicial. Desde 2003 temos até um “Estatuto do Idoso” que nos garante direitos que, contudo, passam a ser ameaçados. Diz o Instituto de Pesquisas Aplicadas que as tais “prioridades” devem passar do limite de 60 anos para 65. E como se fossemos intimidação fatal, há setores que falam já em 80 anos.
Não pensem que esgotei a ladainha das evocações ameaçadoras. Talvez a mais perversa consequência do envelhecimento seja a vulnerabilidade. Sim, queiramos ou não caminhamos para a dependência dos outros. Atos falhos, perda de memória, dificuldades de locomoção e incapacidade de administrar a própria vida nos tornam reféns da família, dos amigos, da assistência pública. Em seus mais enviesados atalhos, passamos a ser submetidos à justiça, à caridade, à paciência e às políticas públicas. E, por pior que possa parecer, decaí conosco a dignidade altiva. Dói dizer, mas envelhecer é ruim.
Ouvi dizer que a pessoa que vai viver 200 anos já nasceu. Constato a propalada melhoria das condições físicas dos idosos, mas por mais que ampliemos o prazo de nossa validade na terra, seremos, de um ou de outro jeito, por mais ou menos tempo, envelhecentes. Que a paz, pois, esteja conosco.
   

terça-feira, 6 de março de 2018

TELINHA QUENTE 299



Roberto Rillo Bíscaro

Merlí deve ter feito sucesso, porque o intervalo entre a colocação no catálogo da temporada um e da dois foi de um ano, ao passo que poucas semanas após terminar na Espanha, a Netflix já disponibilizava os 14 capítulos finais da série catalã, que terminou por lá em janeiro. Olha que rápida é esta Netflix, quando lhe interessa!
Os seletos alunos escolhidos pra ganhar a atenção do professor de filosofia estão no derradeiro ano do ensino médio. Merlí, como prática docente, é impossível, porque além de cuidar apenas duma sala, interage com meia dúzia de alunos. Os demais são figurantes e ficam quietinhos enquanto Merlí explica. Não dá pra deixar de discutir que a série, considerando seus limites formais, acaba negando a possibilidade de educação de massa e exclui mesmo alunos da única sala para qual o professor leciona. Igualzinho como nós - simples e pobres docentes ultrapassados - somos acusados de fazer: dar atenção apenas pros alunos mais notáveis...
Num mundo até de adultos cada vez mais com mentalidade miguxa, é preciso deixar claro: Merlí é uma série de TV apenas. Não adianta querer docentes merlinescos, sem as condições de possibilidade da personagem. O próprio ator Francesc Orella sabiamente esclareceu isso pros deslumbrados, em entrevista a um periódico argentino.
Isso (re)posto, sigamos.
Quase adultos, os adolescentes de Barcelona agora têm dilemas mais complexos e graves do que nas temporadas anteriores. Nesse sentido, a terceira é um pouco mais sombria, mas não perde a graça. Sexualidade fluida, drogas e roubo estão entre os temas abordados, mediante ligação com as ideias do filósofo abordado em aula. Seria interessante ver como os fãs reagiriam se seus filhos tivessem na escola da vida real um professor cross dresser, como Quima. 
Merlíi continua contraditório, inclusive enciumado com a nova professora de História, que aplica métodos criativos e interativos de ensino e conquista os alunos. Mas, como o show leva o nome de Merlí, tudo é urdido pra que ele se sobressaia. Numa série que não vê a competição com muito bons olhos, ninguém pode competir com seu protagonista.
Merli, o seriado, tem vários pontos de estrangulamento, mas é isso que a deixa tão interessante. E não há que reclamar, quando se lhe levantam questionamentos, afinal, não era isso que o professor insistiu durante três temporadas?
Além das personagens adolescentes menos estereotipadas e da própria contraditoriedade do professor, que o dimensiona numa condição mais humana. Foi um prazer ter estudado três anos com esses meninos e meninas e com Merlí.
E prepare-se prum último capítulo inesperado, que exigirá lenços, mas que lacrará encerrando com Galletas, do La Casa Azul. Quer coisa mais otimista e que prova que a despeito da passagem de tempo, que inevitavelmente traz dor e perda, vale muito a pena viver?

Un rayo de sol vuelve a brillar
en mi corazón hay algo mejor
que todo lo que había ayer
ya no hay fotografías
ni grises nubes ni tenues días
llorando en navidad

Hoy vuelvo a pasear por mi ciudad
pisando hojas secas
y merendando galletas .

No sé si sabes
que ya no te quiero
que ni siquiera te echo de menos
y aunque tú creas
que he perdido el tiempo
he construido un gran mundo en un rayo de sol

Lo mejor de todo es que al final
siempre hay una canción
para poder cantar y fabricar mil sueños
que borren los recuerdos y escondan aquellos miedos
que me asustaban

Volverá a nevar por navidad
hoy vuelvo a pasear por mi ciudad
pisando hojas secas
y merendando galletas.

segunda-feira, 5 de março de 2018

CAIXA DE MÚSICA 305


Roberto Rillo Bíscaro

Quando apresentei uma funkeira dinamarquesa não faltaram reações surpreendidas. E que tal um jazz-funkeiro sueco calvo de meia idade? Ele se chama Nils Landgren e nasceu em 1956. Trombonista com formação erudita, em fins dos 70’s, começou a explorar o universo da improvisação da cena jazz e desde então caiu de boca na música popular, onde usa sua irretocável técnica e treino “clássico”. Já tocou estilos tão variados como ABBA e Herbie Hancock.  Versátil deve ser o sobrenome do meio de Landgren, porque o cara passeia pelo jazz, rock, soul, hip hop, blues e big band.
Desde meados dos anos 90, Nils lidera o Nils Landgren Funk Unit, que dentre suas façanhas, tem álbum de versões funkeadas de seus compatriotas ABBA.

Outra faceta muito legal do músico é seu lado humanitário, como usar a Funk Unit pra apoiar o trabalho dos Médicos Sem Fronteiras, na África. Outro sueco que fazia muito isso era o escritor Henning Mankell, criador do inesquecível detetive Kurt Wallander.
Dia 30 de junho de 2017, a Nils Landgren Funk Unit (NLFU) lançou seu décimo-primeiro álbum, Unbreakable. O LP tem a participação de Ray Parker Jr, na guitarra e vocais em diversas faixas. Maciçamente lembrado pelo esmagador sucesso da canção-título do filme Os Caça Fantasmas, Ray Parker Jr. é muito mais que cantor pop de sucesso só, como imaginam desavisados.
Unbreakable é típico jazz-funk de olhos azuis, que tem seus fãs desde os anos 80 ou fins dos 70’s, quando pioneiros do gênero como George Benson (que não tem nada de azul nos olhos) faziam sucesso. Já resenhei álbum de George Anderson, também representante do subgênero. Sobreviventes dos anos 80 acostumaram-se a esse estilo graças ao sucesso estrondoso de Level 42, Simply Red e da Kool & The Gang, cujo som alguns números do álbum lembram, como Get Down On The Funk e Friday Night.
Dentre a dezena de canções não falta jazz funk de qualidade, como a faixa-título, e Stars In Your Eyes e grooves malvados como a requebrante NLFU Funk, que deixam felizes James Brown e Prince lá do outro lado. Bow Down é soul funk midtempo intenso com pitada de rap, pra não fazer muito feio perante Bruno Mars. Old School é como manifesto de princípios: um diabo dum funkão com frases do tipo “old school, baby, that’s how we do it”. Pena que não se aferraram a esse princípio na regravação de Rocking After Midnight, de Marvin Gaye. A instrumentação soberba que dá vontade de dançar na rua com os fones de ouvido convive com tentativa de modernizar o procedimento, mediante vocais pesadamente processados. Pra que isso, Nils, pra quê?
E daí transicionamos pro único problema que enfrento com Unbreakable. Instrumentalmente é um discaço, mas os vocais em algumas canções demoraram pra descer e em uma ainda não me acostumei. Just a Kiss Away tem vozinha muito fraca, não combina com o bom blues domesticado apresentado. Não se trata de achar que branquelos não podem cantar esse tipo de música. Há décadas gente como Joplin, Amy, Mick Hucknall e tantos outros já provaram que essa apropriação cultural é mais do que factível. Gosto também é formado culturalmente e tanto as vozes negras quanto as brancas me acostumaram a interpretações mais raspadas, ríspidas, dramáticas, malandras, sensuais de funks, blues e variantes. As vozes de Landgren e alguns dos outros são por demais brandas. Talvez por estarem cantando em idioma que não seja o seu, talvez pelo estilo.
Mesmo assim, Unbreakable merece chance. Senão pela incrível qualidade da instrumentação e das melodias, pelo menos pra ver se conseguimos nos “reprogramar” culturalmente e aceitar outros tipos de vozes que não aquelas com as quais estamos familiarizados. Aceitei em várias faixas, mas tem hora que falta alguém dando uns gritões.