quinta-feira, 22 de março de 2018

TELONA QUENTE 228


Roberto Rillo Bíscaro

Destination Moon investiu pesado pruma produtora independente; foram cerca de 500 mil dólares de produção, fortuna pra 1950. Outro estúdio indie, a Lippert Pictures, pegou carona oportunista na blitz publicitária de Destino à Lua e, com um quinto do orçamento e filmagem em menos de 20 dias, lançou Rocketship X-M poucas semanas à frente.
Em branco e preto, com nave espacial copiada de capa de revista e cuja cabine parece oficina de garagem, Da Terra à Lua não se resume à efeméride de rodapé por ser – por forçação de barra – o primeiro filme sci fi da era atômica. Rocketship X-M, malgrado seus múltiplos erros e mambembices, é tão fundamental quanto seu colega mais rico, porque apresenta visão mais cautelosa com relação à energia nuclear e essa tensão de fascínio, pavor e amor pelo átomo informará praticamente toda a produção de ficção-científica por anos e anos. 
O governo norte-americano decide enviar a primeira missão tripulada à lua, não apenas pra iniciar a conquista do espaço, mas para conter a histeria dos discos voadores. Desde 1947, os relatos sobre OVNIs se multiplicavam na imprensa e Rocketship X-M (X-M = Expedition Moon, pós-moderna a grafia, não?!) alude não só a isso, mas até à batalha semântica entre os termos flying saucer e flying disk. Até o exército ordenar essa zona, com a expressão UFO, flying saucer foi a expressão predominante.
Uma vez no espaço, uma chuva de meteoritos desvia o curso do foguete, que se dirige à Marte, onde os astronautas fazem horripilante descoberta: uma guerra atômica dizimara a civilização reduzindo-a a primitivos deformados. No caminho de volta à Terra, os tripulantes sobreviventes alertam as autoridades terrestres sobre os perigos da era atômica, mas a missão do casal restante ainda terá grande desafio a superar.
Rocketship X-M é a primeira advertência em celuloide sobre o perigo de extinção atômica, além de contrapontear Destination Moon no quesito exploração espacial. Rocketship X-M deixa claro que, apesar de valer a pena, a conquista do espaço não será destituída de percalços e óbitos. O colorido de Destination Moon mostrava dificuldades, mas todos voltam pra casa sãos e salvos. O tristonho preto e branco de Rocketship apresenta mártires pela ciência. Por isso se pode afirmar que nessas duas partes de 1950, já lemos praticamente o todo da década. Na verdade, só em Rocketship X-M já dá pra ler o decênio todo, mas comparar com Destination Moon é mais divertido.
A película está repleta de incorreções científicas. Lei da gravidade seletiva, que afeta uma gaita, mas poupa os demais objetos da cabine; barulhão ensurdecedor dos meteoros, no vácuo sideral, que impede a propagação do som. Mas, sou cauteloso quanto a malhar essas produções, porque até o rico Perdido em Marte (2015), assessorado por gente da NASA, tem seu quinhão de implausibilidades, a começar pela força da tempestade de areia que deixou o astronauta desacordado. Liberdades poéticas são necessárias se se quer filmes e não documentários.
Considerar isso não impede, porém, que o espectador de hoje se divirta com a falta de computadores de bordo. O orçamento de pouco mais de 90 mil dólares só dava pra comprar caneta e pranchetas, então os cientistas fazem cálculos à mão e os trajes pra explorar Marte não passam de máscaras de oxigênio usadas por bombeiros militares.
Também dá pra rir de pérolas. Há uma cientista a bordo, o que já é mais moderno que Destination Moon, onde só há homens. Em um momento em que a doutora se exalta ao discordar do colega, o cientista a desculpa com o argumento: ”tudo bem, você está temporariamente sendo uma mulher”, afinal , o “instinto” feminino é ser mais emoção do que razão. Mas, pera, dá pra rirmos mesmo? Quanta gente ainda não pensa assim? Por isso há que se tomar cuidado com o deboche.
Familiarizados com terror e ficção-científica antigos lembrar-se-ão daquele som que parece longo assobio d’outro mundo. Ele sai do teremim, um dos primeiros instrumentos musicais completamente eletrônicos, controlado sem qualquer contato físico pelo músico. Na década do pavor soviético, um dos cartões de visita das trilhas-sonoras sci fi saía duma engenhoca inventada por um russo. Rocketship X-M introduziu o teremim no imaginário de gerações, como som do sobrenatural ou meodramaticamente fantástico. No ano seguinte, o clássico The Thing From Another World, um dos mais cultuados do decênio, já incorporaria o teremin a sua banda musical. E isso foi só o começo, parafraseando Destinantion Moon...

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