quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

CONTANDO A VIDA 219

MEDITAÇÕES SOBRE A CORRUPÇÃO

José Carlos Sebe Bom Meihy

Não foi surpresa saber que a palavra mais proferida, em todas as mídias, no ano de 2017 foi “corrupção”. Como efeito natural que nos envolve e atinge, entendemos mecanicamente o que ela é e o quanto nos custa. Decorrência imediata de intuições defensivas, sequer questionamos significados mais profundos, e nem nos preocupamos com definições e conceitos. Ato ilegal, quadrilheiro, danoso a todos e, pronto, temos pressupostos que nos permitem rejeições cabais. E não é necessário grande exercício para notar que esse mal dissimulado fere tragicamente o bem estar social, colocando os atingidos em situação de prejuízos consequentes. Corruptos, contudo, sempre são “os outros”, “eles”, ‘políticos”, pessoas que, por contraste,  não se igualam a gente. Tudo como se nada tivéssemos a ver com isso. Essa percepção que pode ser aquilatada em todos os quadrantes do universo, contudo, tem características culturais peculiares, que requerem cuidados interpretativos segundo seus jeitos locais. Não basta ser contra “eles” precisamos saber porque existem e como sobrevivem conosco.

Especialistas no tema, em particular quando filtram análises pela ótica antropológica, notam variedades que ajudam a entender o fenômeno e sua maior ou menor aceitação ou resistência públicas. Um passo importante na direção de melhor juízo sobre a corrupção implica, por exemplo, notar que ela é mais incidente em países de origem católica do que protestante. Segundo historiadores, o confessionário, o perdão e a remissão dos pecados, ajudam a tolerância. Há também aqueles que notam a hierarquia católica como facilitadora de práticas corruptíveis e, ao contrário, a responsabilização protestante como mecanismo de controle pessoal e público. Também é notado que entre os orientais – em particular no Japão – a corrupção é menos frequente e os casos descobertos resultam em grande vergonha pública levando até a suicídios. Na mesma linha, é sabido que em países escandinavos tem-se pouca notícia dessa prática, fato que permite supor que em lócus menos povoados e com média econômica mais elevada tais situações são quase inexistentes. Lamentável avaliar que a África e a América Latina figuram como espaços mais danosos.

A provar a ameaça da corrupção como um vírus letal e progressivo, de alcance ampliado desde o fim da Segunda Guerra, têm sido criadas entidades de alcance internacional, como a Anti-Corruption Agency (ACA) que visa pôr em evidência o problema em escala internacional e assim promover combates. Sabe-se que muitas empresas europeias, de países como a Holanda, Suíça, França ou Suécia ainda que tenham controles internos, atuam de maneira sorrateira em outros estados, mais vulneráveis. A fim de disseminar o combate à corrupção internacional, anualmente é publicado um relatório detalhando essas manifestações escusas - o Business Environment and Enterpriese Performance Survey (BEEPS) - complementado por outro programa, o Corrupt Perception Index (CPI). Juntos esses são alguns dos medidores internacionais que previnem e alertam sobre o mal. Há outros mais que insistem em denunciar o crescimento do fenômeno sob a égide da globalização, mas por mais que se multipliquem, serão poucos se não houver melhor compreensão do fenômeno em suas culturas.

A maior dificuldade em se estabelecer um conceito-parâmetro para a corrupção diz respeito às tradições de cada local. Mesmo no Brasil, além de se reconhecer que a corrupção é histórica, sabemos que nessa mania escandalosa se liga a práticas como: compadrio, clientelismo, coronelismo e às relações parentais modernamente chamadas de nepotismo. Antes de supor ligeiramente que tais hábitos são superados, ou coisa do passado, convém admitir atualizações e sua institucionalidades políticas. A complicar precisões definidoras, ainda presidem fórmulas que excedem o exclusivismo do dinheiro como mecanismo de recompensa salteadoras. As premiações pecuniárias, barganhas de presentes, comprometimentos variados e promessas futuras integram o pesado pacote que sempre que descoberto vem acompanhado de justificativas sutis e falaciosas. No Brasil tornou-se comum a generalização das graças obtidas por meios ilícitos da corrupção sintetizada no termo “propina” e ligada a ajudas de campanhas políticas, ou facilitação nas concorrências públicas.

Detalhes dessas ocorrências, porém, merecem reflexões que vão além do fato denunciado. Temos que lembrar que nos ufanamos de ser o “país do jeitinho”, da “cordialidade” e da “democracia racial”. A consciência histórica desses mitos é construída para justificar uma pseudotolerância e harmonia de classes que, afinal, reclama requalificação. Queremos justiça, mas, mais do que ela, precisamos rever nossos juízos sobre nós mesmos e os usos levianos de atributos que vistos pela ordem republicana causam avarias irreparáveis. O que se espera destas situações dramáticas é que olhemos um pouco mais e melhor para nosso passado histórico e requalifiquemos o que significa para nós no Brasil, corrupção. E não basta pensar que soluções advenham de governos autoritários ou de novas eleições. Muito mais do que isso, temos que requalificar nossa história e vê-la de maneira mais crítica, menos bonitinha, engraçadinha, jeitosinha. Somos o que somos, temos o que temos, porque assim nos fizemos historicamente. Conheçamo-nos melhor e ponhamos um fim nos mitos jeitosinhos. A cordialidade tem limites e a corrupção está aí para provar.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

TELINHA QUENTE 294


Roberto Rillo Bíscaro

Muitos de nós já sonhamos com máquina que fabricasse dinheiro; quando e quanto desejássemos. Os personagens da tresloucada La Casa de Papel, que a Antena 3 transmitiu entre maio e novembro do ano passado, colocaram em prática seu plano de desfrutar de equipamento do gênero, ainda que temporariamente.
Um grupo diverso em personalidades e até nacionalidades, invade a casa da moeda espanhola e mantém 67 reféns, enquanto bota as máquinas pra rodar e imprimir bilhões de euros.
O cabeça da operação é conhecido como Professor e não adentra a casa da moeda, mas acompanha tudo mediante câmeras em todos os ambientes do edifício, sendo capaz de avisar os comparsas sobre tudo que se passa lá dentro.
A operação foi planejada até no que concernia possíveis (re)ações da polícia, mas as falhas e sentimentos humanos – entre bandidos e entre estes e reféns e mesmo com policiais – tornam qualquer racionalidade e planejamento radical impossíveis, então o lado dos mocinhos e o dos meliantes vai tendo que se adaptar, improvisar e lidar com decisões impulsivas, impensadas, idiotas, de todo mundo.
La Casa de Papel não mantém o pique tenso o tempo todo, mas jamais entedia e o envolvimento do cabeça da organização com a chefa da investigação tem até momentos angustiantes, como quando o professor descobre a mãe da detetive. Brrrr, ele vai envenenar a impossível sogra ou não?
A Espanha é ás na construção de filmes hiperbólicos de suspense, tipo Mientras Duermes, El Cuerpo e Contratiempo. Agora nos legou La Casa de Papel, que bota vândalos com máscaras de Dali se achando heróis da população, porque tão usando sequestrados pra fabricarem dindim. Mas o Arturito tem a frase perfeita pra isso, quando Helsinque (Oslo, sei lá) tenta esmigalhar seu crânio com barra de ferro.
A Netflix sorrateiramente adicionou a primeira parte – uns 13 capítulos – no fim do ano passado, então dá um par perfeito pra israelense Hostages, mas esta é superior e deveria ser vista primeiro, se o tema for ver produções sobre reféns.
A série se tornou sucesso na Netflix daqui, então os capítulos concluintes foram prometidos para logo, dia 6 de abril. Tô me roendo de curiosidade pra ver como encerrarão a trama.
O êxito de La Casa de Papel bem que poderia inspirar nossa Netflix a inserir mais séries espanholas de suspense a seu catálogo, como Bajo Sospecha, El Internado, El Barco. Na Argentina, há esses e mais; dá vontade de ir lá só pra maratonar todos!

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

"APESAR DO PRECONCEITO, TENHO ORGULHO DE SER ALBINO"


Na Sociedade em que Vivemos é obrigatório ser igual á todo mundo, quando você é diferente sofre o desdém daqueles que se sentem ameaçados. Precisa ser forte o suficiente para não desistir de seus sonhos e seus objetivos.
Escute o relato desse jovem albino e saiba o que é coragem. 

CAIXA DE MÚSICA 300


Roberto Rillo Bíscaro

Leela James começou a carreira profissional como backing vocal dos Black Eyed Peas, no início do século, quando eles eram poderosos.
Seu primeiro álbum veio em 2005 e desde então lança regularmente, embora sem sucesso de massa. Como suas companheiras de profissão Angie Stone, Tamar Braxton e Jazzmine Sullivan, James tenta alavancar popularidade participando de reality shows, tipo R’&’B Divas: Los Angeles. É o que tem pra hoje pra cantoras cujo enfoque é soul music um bocadinho mais retrô.
E é uma pena, porque a voz de Leela – saída diretamente da garganta, com timbre meio granulado, arenoso – deixa interessante até material nem tão brilhante, como a dúzia de faixas de seu mais recente álbum, Did It for Love, lançado dia 31 de março.
“Nem tão brilhante” está longe de dizer que o disco é ruim, Did It For Love tem uma ou duas faixas genéricas demais, mas sua coleção de baladas e midtempos gostosos tem coisas que grudam.
Do primeiro grupo, destacam-se Don’t Want You Back, com seu clima anos setenta, mas granulada por contemporaneidade. All Over Again é quase só no pianão, bem ao estilo que fãs de Adele amam. Did It For Love é tradicional R’n’B acompanhado por chiado trip hop.
Das mais balançadinhas, sobressalta-se o dueto com Dave Hollister, totalmente deslizante à Barry White. There 4 U pode não ser pra dançar freneticamente, mas pode dar vontade de bater cabelo e pesão, parado mesmo.
Ouça o tom passadista atualizado e a voz quente de Leela James, em Hard For Me e diga se não é uma gostosura pra fãs de quiet storm, urban soul e afins?

domingo, 28 de janeiro de 2018

PRISIONEIRO ALBINO


O pequeno Maylon, de 10 anos, tem no quintal uma paisagem espetacular, mas só consegue aproveitá-la pela janela, ou depois que anoitece. Por causa do albinismo, a pele de Maylon é extremamente sensível à exposição solar e, por isso, quando o sol brilha forte, ele só pode brincar dentro de casa. 

SUPERAÇÃO FELINA


Roberto Rillo Bíscaro

Há quem abomine contracenar com crianças e animais, porque ambos têm a inconveniente mania de roubar a cena, mesmo sem intenção. Imagine num filme chamado Um Gato de Rua Chamado Bob (2016), estrelado por Bob em pessoa, um gato inglês cor de laranja, que ganha tantos closes que faria Norma Desmond envenená-lo sem dó.
Baseado num livro, baseado num fato, trata-se da história de um narcodependente, que vive e canta nas ruas de Londres, até que decide se tratar do vício e passa a morar num apartamento subvencionado e tomar metadona, analgésico narcótico sintético, de efeitos similares aos da heroína e da morfina, porém menos sedativo, por isso usado como substituto no tratamento de viciados. Na primeira noite lá, James recebe a visita dum gato de rua, que o escolheu como humano adotivo.
Após certa hesitação, James percebe que achou companheiro pra vida e se tornam inseparáveis. Gasta às vezes o que não tem pra alimentar Bob e anda por toda a cidade com o gato arvorado em seu ombro. Seu faturamento cresce, porque o público passa a achar Bob tão carismático que começa a encher de libras a sacolinha de James, enquanto esse toca em Covent Garden ou Picadilly Circus ou vende revistas pela cidade.
Há uma rusga ou outra, o típico desaparecimento do gato, um possível interesse romântico, a madrasta desagradável e o pai ausente, mas Um Gato de Rua Chamado Bob é uma história de superação e interdependência entre humano e felino. Ambos necessitavam um do outro e se acharam na hora certa. Ao se responsabilizar por outro ser vivo – que lhe dá amor incondicional de volta – James encontra mais um motivo pra se limpar das drogas.
Filmagens de turistas e fãs de Bob no Youtube e Facebook chamaram a atenção de editora, James escreveu livro que virou best seller e na estreia do filme até Kate Middleton acariciou Bob, que também apareceu em programas de entrevistas.
Sem se importar ou assustar com muita gente ao redor e confusão de estúdios de TV, o gato laranja (ginger cat, em inglês) também ajuda a desmistificar a estupidez supersticiosa de que felinos são, interesseiros, traiçoeiros, enfim, todas aquelas características HUMANAS atribuídas a eles.
Um par de críticos reclamou que Um Gato de Rua Chamado Bob edulcora o viver nas ruas e a barra do processo de desintoxicação. Outro que Bob ganha closes demais. Será que não leram o título do maldito filme? Um GATO de Rua Chamado BOB! Lançado em novembro, ou seja, é filme pra preparar o espírito pra temporada das festividades de Natal. Nem é coincidência que essa data e o Ano Novo sejam ressaltadas na produção.
Bob é a estrela, seu comportamento “canino” – no sentido do estereótipo de sociabilidade que se aplica aos cães –é o que encanta o público. Mas, ele é gato, basta ver as entrevistas: fica deitado, na dele, e quando quer atenção vai lá e lambe.
Como gateiro, amei, amei, amei demais! Bob é lindo; era ele quem eu queria ver. A história de James é ótima, torcemos por ele, claro, mas a fofura é Bob com seus cachecóis.
Fãs de Downton Abbey têm bônus, porque Joanne Froggatt, a Anna Bates, está no elenco. E além de Bob e dela, há muita cena nas ruas de Londres; que vontade de passear lá. Com Bob! 

sábado, 27 de janeiro de 2018

ALBINO GOURMET 252

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

TELONA QUENTE 220


Roberto Rillo Bíscaro
Vinil reeditado em cores e caro pra chuchu, suicida usando fita cassete pra se vingar de bullying; a onda retrô jamais fica retro. Daqui a pouco aparece alguém defendendo que devemos caçar nossa comida ao invés de irmos ao supermercado.
Saudosista em estilo e uso parcial da tecnologia é Mecânica das Sombras (2017), estreia do diretor Thomas Kruithof, disponível dublado, na Netflix.
Duval é um contador de meia-idade alcoólatra, que, desempregado, aceita misteriosa oferta de emprego: teria que ir diariamente a um apartamento pra transcrever fitas-cassete de conversas telefônicas de figurões franceses.
Seu chefe não confia em computadores, então, as transcrições são datilografadas. Não ocorreu a ninguém que um editor de texto desconectado da rede não poderia ser hackeado e seria mais eficiente e fácil de apagar rastros do que máquina de escrever?
Entende-se essa opção tech vintage, porque Mecânica das Sombras é totalmente anos 70 no visual e na paranoia de espionagem governamental, de serviço secreto. Nixon assombrando a atual França macronista. Porque, aos poucos, o sabe-nada-inocente Duval se envolve numa trama que está longe de compreender.
Eis o grande problema: quem entende? É tudo razoavelmente estiloso – se você curte recriação de paleta de cores e ambientação 70’s – a trama promete grandiosidade e asfixia kafkiana, mas no final, tudo não passa de alarme falso, porque o roteiro jamais entrega o que promete de início. Sem contar o “interesse romântico” do protagonista, tão necessário quanto um zero à esquerda.
Mecânica das Sombras é claramente inspirado pela Conversação (1974), de Coppola, mas falta muito pra jogarem na mesma série.  
Se você curte boas interpretações, vale por François Cluzet, cujo Duval é exemplo perfeito do conceito marxista de alienação, até mesmo nos olhares. Mas, é meio pouco. Caso possa, busque o bom e velho Gene Hackman de Coppola e se enerve na paranoia original.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

VILÃO ALBINO, GRANDE NOVIDADE!


Nova série de super-herói negro tem vilão albino e denuncia violência policial

Depois de usar alienígenas e superpoderosos como metáforas para discutir preconceito e imigração em Arrow, Flash e Supergirl, o produtor Greg Berlanti deixa a sutileza de lado com Raio Negro, sua nova produção sobre super-heróis da DC Comics. Com um negro no papel principal e um vilão albino, a série coloca o dedo na ferida ao abordar racismo e violência policial.

O primeiro episódio de Raio Negro, que chega hoje (23) à Netflix, mostra como o herói volta à ativa depois de anos sem vestir seu uniforme ou usar seus poderes. Seu alter ego, Jefferson Pierce (Cress Williams), decidiu se aposentar depois de sua mulher (Christine Adams) pedir o divórcio, cansada de ver o marido arriscar a vida.

Porém, Pierce precisa voltar à ativa depois que sua filha caçula, Jennifer (China Anne McClain), se envolve com o membro de uma gangue e a segurança dela é comprometida. Para proteger a família, Raio Negro cancela sua aposentadoria e descobre que, mais do que seus parentes, toda a comunidade precisa de ajuda.

Quem espera uma série repleta de cenas de ação pode se decepcionar: o herói só veste sua roupa e parte para o ataque nos últimos sete minutos do episódio. O resto do tempo é dedicado à construção da história e à crítica social. 

Logo no início, por exemplo, Jefferson está dirigindo seu carro quando é parado pela polícia, que procura o ladrão de uma loja. Mesmo vestido com terno e gravata, e em um veículo de luxo, ele é algemado pelos policiais (brancos) e levado com violência para ser reconhecido pela vítima. Quando é liberado, não ouve sequer um pedido de desculpas pela brutalidade.

O vilão albino é Tobias Whale, interpretado pelo rapper Marvin "Krondon" Jones 3º. Ex-político de grande influência na cidade, cresceu no poder usando a corrupção a seu favor. Depois de ser denunciado, trocou o poder oficial pelo das ruas, liderando a gangue d'Os 100, que manda na região.

De acordo com o produtor Greg Berlanti, a série do Raio Negro se passa em um universo à parte de suas outras séries. Portanto, o herói negro não deve se juntar a Flash, Supergirl e companhia nos grandes eventos anuais que reúnem ddezenas de heróis. Porém, um boletim televisivo faz referência a pessoas com superpoderes em outras cidades, preparando o terreno para um eventual crossover.

CONTANDO A VIDA 218

QUANDO AS UTOPIAS ENVELHECEM.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Que a vida é uma caixa de surpresas todos sabem e muito bem. O que causa perplexidade, às vezes, é a intensidade e o teor dos eventos que se atropelam fazendo-nos expectadores incrédulos de acontecimentos de nossas próprias vidas. O bom dessa questão é que fatos positivos podem se dar, e então navegamos em momentos plenos e consequentes. Comigo aconteceu algo incrível que, de forma quase irônica, ecoa agora, coroando uma vida dedicada ao ensino. No começo da década de 1980, recebi convite que mudou minha vida e consequentemente a de toda família. Em favor de melhor desempenho profissional, precisei fazer uma opção arriscada: residia comodamente no interior, em Taubaté, onde atuava como professor universitário, diretor de escola do então segundo grau. Na contramão, caberia acatar a necessidade de me transferir, com mulher e filhos, para São Paulo, onde era professor assistente na USP. Não me era mais possível manter os dois postos e ficar dividido entre um lugar e outro.

Com sofrimento, optei pelo mais difícil e me mudei para a capital. Logo que me instalei, nova provocação se me apresentou: convite para ser Professor Visitante em Stanford, na Califórnia, por um ano. Recusar tal oferta era algo impensável, mas havia uma amarra dramática: meu pai estava em processo de diálise e me queria sempre por perto. A pressão para responder ao convite era enorme e exigia, unicamente de mim,  posição rápida e resoluta. Entre o futuro familiar e profissional e assistência ao pai me senti partido. De um lado pesava a atração para passar um tempo numa das melhores universidades do mundo, fato praticamente impensável na minha trajetória. A possibilidade de permanecer junto do pai era relevante, mas tinha irmãos e demais auxiliares que poderiam suprir minha ausência.

Na premência de respostas, pesou o significado da viagem para os filhos e o incentivo de mentores que avaliavam o sentido social do estágio. Optei por ir, e com embargos informei ao meu pai. O imponderável aconteceu: viajei e em seguida meu pai morreu. Creio que é fácil imaginar o que senti. Na mesma medida, acho que dá para calcular o ganho geral, o avesso da dor. Estar em Stanford, conviver com uma comunidade acadêmica daquela grandeza foi fundamental para a grande virada ocorrida na experiência de todos meus familiares próximos e mesmo de meus alunos.

Além das questões particulares, cabe dizer que em termos contextuais passávamos pela Abertura Política. A superação da ditadura colocava nas ruas multidões e na vibração generalizada, achei maneira de participar estando longe. Fui um dos organizadores da Comissão das “Diretas Já” na Costa Oeste dos Estados Unidos. Assim, com vários colegas, planejamos marchas, fornecemos material para jornais norte-americanos, fizemos várias apresentações em universidades. Cabe dizer que minha mulher ainda era viva, os filhos pequenos e os sonhos iam se engrandecendo com esperanças de amanhãs libertárias. A picardia do destino, contudo, não parou por aí. Cresceu. Lá pela metade de minha participação em Stanford, fui convidado para ficar, definitivamente, como professor estável, do Departamento de História. Isso não é pouco coisa, creiam. Novamente se me apresentava um desafio de efeitos consequentes e, como sempre, era urgente a resposta: sim ou não. Confesso que foram dias atormentados, noites e noites sem dormir, mas depois de muito ponderar, com certo medo do erro, recusei o convite.

Trinta e quatro anos se passaram e nesse meio tempo, voltei a Stanford algumas vezes, mas sempre por poucos dias, como convidado para eventos rápidos. Recentemente, motivado pela articulação de amigos, se me apresentou a chance de nova visita, desta feita por um mês. Aceitei com alegria. Uma cascata de lembranças, contudo, se fez queda em minha memória, e exigiu de mim acertos íntimos. Primeiro, fui invadido por recordações que elegeram o ano de 1984 como dos mais felizes de minha vida. Lembrei-me de detalhes impressionantes, ângulos da casa em que moramos, festas da escola dos filhos, compras em supermercados, passeios maravilhosos em uma velha perua Datsun... Aos poucos, porém outras levas de ponderações se impuseram e me obrigam a explicações: fiz escolhas corretas? Enquanto entabulava respostas precisei reconhecer que o fator preponderante para o meu retorno daquele sonho foi a utopia de novo tempo, de um Brasil recomposto. Eu tinha que participar daquilo. Apostava tudo no processo político nacional. A utopia de que nosso país daria certo era força inquebrantável que em mim suplantava tudo. Foi ela que me moveu ao retorno definitivo para a USP. Trabalhei muito para que o país desse certo. Ingressei em partido político, dei parte de meu salário para financiar campanhas, fui a passeatas, escrevi sobre temas, enfim, fiz tudo que podia. Tudo. Aos poucos, desavisado, fui percebendo que minhas contribuições não eram lá tão relevantes, e sequer notei que meu partido ficava a cada dia mais parecido com os demais.

Ver a utopia virar distopia dói muito. Demais. Ainda acredito em certas propostas que, contudo, carecem de caras capazes e forças capazes de realizações. E estou de volta a Stanford. Confesso que olhar para essas mais de três décadas é como ler comovido o livro da vida e se permitir chorar. Chorar sobretudo por um sonho que desbotou. Tomara que, num futuro próximo, eu consiga dizer que valeu a pena e que faria tudo outra vez.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

TELINHA QUENTE 293


Roberto Rillo Bíscaro

Dia 8 de dezembro a Netflix entregou a segunda dezena de capítulos de sua série mais cara, The Crown. Um show cuja protagonista está impedida constitucionalmente de protagonizar (leia resenha da temporada 1, onde isso é explicado) tinha tudo pra ser tão excitante quanto um hipopótamo passeando na lama.
Mas, a produção minuciosa, interpretações magistrais, roteiros nuançados e nosso fascínio pela Família Real somam um todo às vezes hipnótico, quase sempre muito sagaz e totalmente respeitoso com a figura de Elizabeth II. Quem a cerca pode ser um bando de esnobes privilegiados que reclamam de barriga cheia, como Philip e Margaret, mas Lilibet triunfa até sobre uma desbocada, debochada, drogada e dominada Jackie O. Aliás, finalmente John Kennedy foi representado como o cusão arrogante que era.
The Crown II vai de 1956 – quando a Grã-Bretanha foi internacionalmente humilhada com a crise do Canal de Suez – até 1964, quando nasce o Príncipe Edward, aquele que vive tendo que negar que não é gay.
Como a série sabiamente se chama A Coroa e a família disfuncional mais pública do planeta cresce, há espaço pra conhecermos melhor o Príncipe Philip, consorte da rainha; a Princesa Margaret, sua irmã que acendia um cigarro na bituca do outro; e o sensível Príncipe Charles, cuja infância foi infernal numa escola espartana no gélido norte escocês.
Peter Morgan faz exímio trabalho para que entendamos o que movia e dilacerava essas pessoas. O Príncipe Philip teve infância e adolescência abomináveis, então dá pra compreender sua personalidade e atitudes, o que não significa que necessitemos aprova-las ou mesmo gostar dele; pelo contrário, nos dá razões concretas pra justificar porque não dá pra apreciá-lo.
Uma das coisas que mais chama a atenção nessa temporada é como tem macho adulto branco privilegiado sempre se queixando, porque no fundo é inseguro e lotado de ódio. Sabe aquela coisa de tio-jurista véio endinheirado e branco chorando que heterossexual está perdendo direitos, sem falar exatamente quais são? Se você acha que isso é discurso “esquerdopata”, então Sua Majestade também é, porque é nesses termos que detona um de seus primeiros-ministros, chamando-o de fraco pra baixo.
O background Real de Philip sempre o fez saber muitíssimo bem qual seria seu papel ao se casar com Elizabeth – que ele voluntariamente cortejou – mas mesmo assim passa um tempão se lamuriando que não é reconhecido, nhém, nhém, nhém. Ah, vovozinho, seu “sofrimento” por isso não convence. Vai ser leiloado como escravo na Líbia pra ver se tu ia gostar! Eles não têm escolha; Philip teve. Margaret também.
Que fique claro que afirmo isso com base na ficcionalização dessa gente. Não me importa se na “vida real” deles ocorreu isso ou aquilo, assim ou assado. Interessa o que acontece e como essas personagens são construídas e mostradas em The Crown, uma série. Não é documentário, não é de verdade, please!
Pela idade e fragilidade, o único que não teve chance foi o pobre Charles. Nossa, dói ver o capítulo dedicado a seu relacionamento com o pai e o bullying enfrentado por longos anos. Mas isso é na temporada 2, depois quando virar adulto, ele terá mais liberdade de escolha, então que não venha com choraminguice de mártir sofredora! Quer dizer, pode vir, porque pra série dramática isso funciona, mas não espere que me compadeça como se fosse no caso dum diagnóstico de aneurisma cerebral.
Claro que essa profusão de gente (quase) abominável cercando Elizabeth, também executa o truque de desviar nossa atenção de suas culpas nos cartórios. No fim, tudo é construído pra que a Rainha se saia acima de todos moralmente. As escolhas intempestivas e o comportamento abertamente antipático de sua irmã naturalmente nos fazem apreciar mais a reserva cheia de “of courses” da Rainha e numa cena Lilibet alfineta que das 2, Margaret sempre fora a menos igualitária.

Mas eu não esquecera da cena, capítulos antes, quando a monarca é forçada a abrir Buuckingham prum jantar pra comuns numa espécie de sorteio de fim de ano pra jantar com a rainha, a fim de trazer o Coroa mais pra perto do povo. O roteiro põe todo o desprazer da situação na boca da Rainha-Mãe (uma víbora, segundo diria Diana, anos depois), num semimonólogo encharcado de ressentimento, orgulho ferido e impotência. Elizabeth nada diz, porque dominou a arte de não dar opinião até pra mãe. Boa desculpa do roteiro pra não admitir que quem cala, consente.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 299


Roberto Rillo Bíscaro

2017 foi ocupado para o Silhouette: lançaram DVD com a íntegra do LP de 2014, Beyond the Seventh Wave, e álbum de inéditas, The World Is Flat And Other Alternative Facts, que saiu dia 23 de setembro. Pena que graves problemas familiares do baixista Jurjen Bergsma obrigaram os holandeses a cancelar os shows de setembro em conjunto com o britânico The Gift, que teriam sido chave de ouro na celebração do lançamento.
Lançando álbuns desde 2006, a formação do Silhouette é Brian de Graeve (vocais e violão de 12 cordas), Daniel van der Weijde (guitarras), Erik Laan (teclados), Jurjen Bergsma (baixo) e Rob van Nieuwenhuijzen (bateria e percussão). Frequentemente classificada como Neo Prog, a banda realmente deve parte de sua sonoridade a grupos como o Saga, mas o Silhouette sempre teve mais tempero do que a sensaboria imperante no subgênero praticamente advindo da influência do Genesis.
A propósito, a maciça sombra da veneranda banda inglesa – que cobre Beyond the Seventh Wave quase por completo – deu lugar à paleta sonora mais diversa e personalizada em The World Is Flat And Other Alternative Facts. A referência à terra chata não indica pertença à cretinice terraplanista. Pelo contrário, o Silhouette explica que os abomináveis caminhos e perspectivas atuais tornam o planeta um lugar sem profundidade, assim, o LP trata de temas como belicismo, mas o tom geral não é depressivo e sim de alerta e constatação.
Em termos de som, nada de canções sombrias também. O quinteto aborda seus temas de modo bem apropriado ao prog sinfônico: com pompa e circunstância. Com músicos convidados que tocam flauta, oboé e violino, além de soprano fazendo vocais de apoio, a meia dúzia de canções de The World Is Flat And Other Alternative Facts não desapontará fãs de rock progressivo setentista amantes de seu lado mais esfuziante e pirotécnico.
O título da abertura March Of Peace já entrega ritmo e tema. O clima marcial bem marcado e energético acaba por salientar uma debilidade do Silhouette: os vocais fraquinhos às vezes. Legal, mas se o álbum todo fosse no nível, seria apenas mais um LP de Neo Prog num mundo já por demais repleto deles. O mesmo pode ser afirmado sobre Turn It Off a faixa final, que embora cheia de momentos líricos, retoma tema e um pouquinho do leitmotiv musical de March Of Peace.
Da segunda faixa adiante, as coisas melhoram sensivelmente. The Flow introduz a fartura de belos momentos melódicos e a intercalação de criativos solos de guitarra e teclado analógico. Six Feet Underground confirma a subida da qualidade e inaugura o miolo sublime. A faixa abre com piano, mas torna-se bem vibrante, não sem antes arrepiar a espinha de fãs prog com um senhor trechinho de órgão eclesiástico/Procul Harum. São 9 minutos e meio que farão o ouvinte dar graças por não estar a sete palmos, como sugere o título.
Quão frequentemente na história das artes o título de uma obra refletiu tão especularmente a experiência de apreciá-la? Os quase 18 minutos de Symphony for a Perfect Moment são exatamente o prometido: é uma sinfonia e deixa o momento perfeito. A participação de outro cantor, harmonias vocais no nível de um Gentle Giant e uma melodia mais condizente com a voz de Brian – tem um “paaaaaast” que quase chega a Yes, meu Deus do céu! – eliminam até esse problema recorrente. Sem dúvida, a canção mais bem-sucedida e acabada da carreira do Silhouette. Não há segundo feio ou desagradável, os arranjos são de um esmero e dinâmica de cair o queixo e a profusão de solos é humilhante pra concorrência. Especialmente os de guitarra plangente. Chora, guitarrão, nessa moda de prog sinfônico!
Não é aconselhável manter a adrenalina em nível sempre tão elevado; deve ser por isso que em seguida vem os 3 minutos de candura violônica de Sakura. De boa, eu toparia correr o risco de sobrecarregar o coração com uma Simphony for a Perfect Moment que pegasse o álbum inteiro com aquele nível de emoção e maestria.
Inacessivel uma banda prog dos Países Baixos? Que nada, tá no Bandcamp!

domingo, 21 de janeiro de 2018

ADVOCACIA DA SUPERAÇÃO

Aos 11 anos, Gervásio Lins sofreu acidente que lhe custou ambas as pernas e um braço. Conheça a história de superação do hoje advogado.

sábado, 20 de janeiro de 2018

ALBINO GOURMET 251

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

PRIMEIRA MORTE ALBINA DE 2018

Moçambique. Um rapaz albino de 11 anos apareceu morto. A polícia deteve dois suspeitos de o quererem usar em rituais

A Polícia da República de Moçambique (PRM) deteve dois suspeitos de matar um rapaz albino de 11 anos, no distrito de Milange, centro do país, junto à fronteira com o Maláui, disse hoje à Lusa fonte da corporação.

O corpo com as orelhas cortadas e a cabeça rapada foi encontrado pela PRM no mato, no sábado, após um alerta da população, relatou Miguel Caetano, porta-voz da PRM na província da Zambézia.

Os indícios sugerem que o objetivo dos autores do crime seria usar partes do corpo da vítima em rituais, prática comum em muitos locais de África em que se crê que as partes do corpo de albinos têm poderes sobrenaturais para atrair poder e riqueza.

Este foi o primeiro homicídio de um albino registado em Moçambique este ano.

Ao contrário do que chegou a ser noticiado na segunda-feira sobre um alegado resgate da criança, tal não chegou a acontecer: quando a Polícia da República de Moçambique (PRM) chegou ao local, já a encontrou morta, precisou Miguel Caetano à Lusa.

A vítima tinha sido raptada de casa dos pais, no distrito de Milange, durante a noite, e a PRM suspeita que haja outros três suspeitos envolvidos ainda a monte.

De acordo com o informe anual da Procuradoria-Geral da República de Moçambique, em 2016 foram movimentados 19 processos relacionados com casos de tráfico humano dos quais sete tinham como vítimas cidadãos com albinismo.

Estima-se que um número indeterminado de casos não chegue sequer à justiça.

PAPIRO VIRTUAL 120


Roberto Rillo Bíscaro

Em 1946, a Suécia experimentou surto de relatos sobre objetos não identificados sobrevoando superssonicamente seus céus. A ideia de que fossem discos-voadores tripulados por ETs sequer passou pela cabeça dos observadores e da imprensa. O termo flying saucer, na verdade, só seria inventado no ano seguinte, nos EUA e nem então se cogitaria tripulação alienígena. Suspeitaram de arma soviética desenvolvida a partir de pesquisas nazistas. A Segunda Guerra mal acabara, então os alemães ainda eram vilões (nem pra todos na colaboracionista Suécia, mas isso é outra história) e a Guerra Fria já começara, ou alguém acha que as bombas atômicas sobre um já derrotado Japão não foram também, demonstração de força pelos norte-americanos?
Fato é que aparições que fogem ao registro cognitivo são interpretadas à luz do que é culturalmente possível de imaginar. Num primeiro momento, a torrente de avistamentos aéreos no mundo todo não foi associado a ETs. Até na indústria cultural pode-se atestar isso, víde o filme The Flying Saucer (1950), que rapidamente usou a sensação dos discos-voadores no roteiro, mas articulou-o como possível arma do inimigo vermelho. Com mais de 22 milhões de quilômetros quadrados de território, os soviéticos arriscariam queda e detecção em céus capitalistas; realmente muito esperto...
Com a crescente certeza de que o homem se lançaria à exploração espacial – no mesmo 1950 já houve dois clássicos sci fi com esse tema – o raciocínio inverso não tardou: se o homem pode, por que não haveria civilizações mais adiantadas que já estivessem singrando o espaço sideral? Poucos anos após a febre de discos voadores de 1947, os ETs venceram a batalha pelo imaginário da mídia e do público em geral e qualquer luzinha não identificada no céu era marciano (na época achavam que poderia haver vegetação lá) nos fiscalizando.
No Brasil, o processo foi bem parecido, guardadas as especificidades locais, muito bem elencadas na dissertação de mestrado A invenção dos discos voadores. Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958), defendida na UNCAMP, em 2009, por Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos.
O historiador traça painel muito interessante das ondas de avistamentos no período estudado, destacando como a mídia impressa insuflava, mas também se alimentava do candente tema das supostas naves espaciais. Gente importante como Rachel de Queiroz escreveu crônica apavorada sobre possível invasão. Gauthier também relata as falcatruas da imprensa na fabricação do que ora se chama fake news, que garantiram fama de publicações como O Cruzeiro.
Embora reconheça o poder da indústria cultural (termo polêmico que acertadamente problematizado), o autor prova que as pessoas não eram simples marionetes na mão da mídia ou das ideias vindas do Tio Sam. Por exemplo, as teorias conspiratórias de lá, nunca colaram aqui, porque nossos militares foram mais abertos do que os estadunidenses (porque mais despreparados, por outro lado) e porque que segredo teríamos pra esconder em termos de armas e pesquisas secretas, pobres de nós?
Gauthier não deixa de perceber, por exemplo, que após o estrondoso sucesso do filme O Dia Em Que a Terra Parou (1951), afloraram inúmeros relatos de gente afirmando ter recebido mensagens de advertência aos perigos do uso de armas atômicas. Exatamente como no filme. Engraçado como civilizações altamente tecnologizadas perderiam tempo e energia vindo pra cá pra dar o recado prum zé-ruela qualquer no meio do nada. É como digo sobre as possessões demoníacas: ao invés de pegar um presidente norte-americano, o demo prefere uma menina suburbana. Xô Cão, burro!
A questão nem é acreditar ou não na existências dos OVNIS, porque o trabalho nem se propõe tal missão impossível. O mais fascinante é aprender como nossos antepassados foram afetados por questões como o holocausto nuclear e a corrida espacial, que, com a suposta aparição dos discos-voadores deixavam de ser temas remotos. E no caso brasuca, a popularidade de teorias espíritas (nem sempre bem entendidas) entre a classe média pra cima facilitou a aceitação dos discos como naves extraterrenas. Isso mereceria estudo a parte, porque Gauthier não tem como se aprofundar no tema, porque seu recorte é outro.

A invenção dos discos voadores. Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958) pode ser acessada no link abaixo:


quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

SALVAMENTO ALBINO

Polícia moçambicana resgata criança albina sequestrada para rituais

Grupo que tinha a criança de 11 anos era constituído por cinco pessoas

A polícia moçambicana recuperou uma criança albina das mãos de raptores que já lhe tinham cortado as orelhas e rapado a cabeça com o objetivo de usar diferentes partes do corpo em rituais mágicos, anunciou a corporação.

A criança de 11 anos foi resgatada na última semana na província central da Zambézia, perto da fronteira com o Malaui, de acordo com fonte policial citada hoje pela Agência de Informação de Moçambique (AIM).

O grupo era constituído por cinco traficantes de partes do corpo humano.
A vítima residente na província da Zambézia protagonizou o mais recente caso de sequestro de albinos, depois de o último caso conhecido pela polícia ter sido registado há meio ano, referiu a mesma fonte.
Os albinos atraem crenças em vários locais de África de que os respetivos órgãos e até as ossadas podem ser usados em rituais para atrair riqueza e poder.

De acordo com o relatório anual da Procuradoria-Geral da República de Moçambique, em 2016 foram movimentados 19 processos relacionados com casos de tráfico humano dos quais sete tinham como vítimas cidadãos com albinismo.

Estima-se que um número indeterminado de casos não chegue sequer à justiça.

TELONA QUENTE 219


Roberto Rillo Bíscaro

Disco-voador é a versão brasileira para flying saucer, literalmente pires-voador. A expressão parece que surgiu em 1930, para descrever um meteoro que caiu no Texas, mas só se popularizou, em 1947, quando a Associated Press divulgou o relato de Kenneth Arnold. Enquanto pilotava seu avião numa região montanhosa do estado de Washington, o norte-americano viu luzes se deslocando em vertiginosa velocidade. Ao relatar à imprensa, que cunhou o termo flying saucer, Arnold oficialmente abria a era dos discos-voadores.
Se na Idade-Média, viam-se bruxas a granel, nos EUA pós-Segunda Guerra, observavam-se OVNIs, nosso equivalente ao UFO (Unindentified Flying Object), que a Força Aérea norte-americana popularizou pra tentar tirar o sensacionalismo dos pires-voadores, cujos relatos entupiam manchetes.
Vencidos os germânicos e entrando num período de décadas de bonança econômica (quem disse que guerras são prejudiciais a todos?), os EUA passaram a temer invasões: alienígena, comunista, bactereológica, homossexual, tem pra escolher; a neurose cinquentista é tremenda e estava presente em todo canto, especialmente nos cinemas, prenhe de produções sobre monstros atômicos e ETs.
O primeiro filme a capitalizar com a febre dos discos voadores e associá-la ao “perigo vermelho” foi The Flying Saucer (1950), caracteristicamente, não produzido por grande estúdio, mas pela independente Colonial Productions. Isso implica orçamento quase inexistente, que aleija essa produção, cujo valor é mais de efeméride. O crítico do The New York Times confessou até ter dó de malhar o filme de tão pífio o orçamento. E olha que haveria muito a detonar, porque o roteiro não faz sentido.
Discos-voadores são avistados em várias cidades e o serviço de inteligência norte-americano teme que os soviéticos se apoderem da tecnologia dos OVNIs pra usá-la como despejadora de bombas atômicas sobre os EUA. Assunto tão vital pra segurança nacional exige que o governo use mão-de-obra altamente treinada, por isso o escolhido é um playboy mulherengo e beberrão, que irá ao Alasca em companhia duma agente-secreta, que acaba não fazendo nada, porque é mulher e o ano é 1950, quando as mulheres já tinham voltado pra casa de seus empregos de Guerra, pra deixar lugar aos homens.
É claro que o local mais apropriado pra se fabricar artefato tão tecnologicamente sofisticado era o isolado Alasca, né? Bobos eram os EUA que faziam suas armas em regiões conectadas facilmente a fornecedores! Cheio de cenários espetaculares, era prato cheio pra encher linguiça de tempo de exibição pra disfarçar verba minguada. Tem cena em que pessoas sequestradas vagam pela paisagem fabulosa ao som de trilha de violinos e harpas. Realmente, muito tenso! E linda, adoro essas trilhas dos anos 40, 50 e 60. O Alasca se justifica nessa narrativa nada a ver, porque é o estado ianque mais próximo da temida, malvada e fria em todos os sentidos, URSS. Bastava atravessar o Estreito de Bering, mas pera, em The Flying Saucer há um túnel secreto. Curiosidade: à época, o Alasca ainda era um território; sua elevação a estado ocorreu apenas em 1959.
Também há empregado chamado Hans. Em 1950, personagem com nome germânico era o equivalente a ter bandana escarlate na testa escrita “sou do mal”. The Flying Saucer pode ser considerado sementinha da florada de ficção-científica dos 1950’s, mas ainda está mais para película de aventura e espionagem, que transicionava da histeria antialemã pra anticomunista. É sabido que posteriormente os discos-voadores passaram a ser associados exclusivamente a meio de transporte de ETs, então The Flying Saucer também tem valor histórico por ser testemunho dum momento em que aparições no céu eram temidas por serem artefatos humanos, dalguma das superpotências beligerantes. Isso ocorreu também em outros países, como o Brasil.
Hoje The Flying Saucer só é assistível pra fãs devotos dalgum dos subgêneros por ele tocados. No meu caso, amante de filmes B antigos, revi The Flying Saucer com o respeito de sempre. Sem deixar de apontar que não é antológico, me divertindo muito com um protagonista que fuma o tempo todo e nem hesita em jogar bituca na natureza.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

MADONNA ALBINA

Em 2009, um urubu albino apelidado de Michael Jackson virou notícia devido a seu trágico fim na mão de ladrões. Já que teve ave de rapina em homenagem ao Rei do Pop, tinha que celebrar também a Rainha Madonna.
E não é que tem uma urubu-fêmea com esse nome?
Veja na reportagem do Domingo Espetacular:

CONTANDO A VIDA 217

EPICURO E A FELICIDADE MODERNA.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Não sou do tipo que faz transferências ligeiras de fatos históricos projetado no presente. Pelo menos não deveria ser. Como profissional da História, sei que o passado não se repete e que, mesmo respeitando Marx, nem mesmo como farsa acredito na reedição do pretérito. Essas noções me vieram à cabeça ao retomar alguns pontos do epicurismo grego. Lembrando que a morte de Epícuro sempre foi um dos episódios que mais empolgantes de minha memória de estudante de filosofia, restou-me refazer pressupostos que justificam a tentação “presentificadora”.
Nascido numa colônia ateniense (Samos 341 – 271 a.C.), jovem ainda, Epicuro prestou serviços militares em Atenas onde se aprofundou na contemplação sistemática da vida. Voltou ao solo natal, mas retornou a Atenas onde foi professor por 35 anos. Independentemente de traços biográficos, vale lembrar o radicalismo epicurista. Passados sete anos da morte do mestre Platão, em plena era de desconstrução do apogeu grego, Epicuro pregava o prazer imediato, em detrimento dos projetos imperiais, a longo prazo. Em síntese, para ele, o melhor a ser feito por qualquer um seria acumular boas lembranças, guardar as sensações extraordinárias para, na velhice ou nos momentos aflitivos, ter o que recordar. Morrer bem era o melhor da meta epicurista. Dizem que no caso pessoal, depois de graves dores motivadas por pedras nos rins, ele se despediu da vida rodeado de amigos e, quando pressentiu a chegada do fim, desnudou-se, entrou em banheira com água morna e sorveu boa taça do vinho mais reputado. Tudo cercado de admiradores. Assim, entrando em êxtase teria transcendido. Verdade ou não, essa narrativa sempre me encantou. Tanto pelo exercício da guarda de frações de ocorrências boas, como pela consciência, e até controle e escolha da própria morte. Sinceramente, fico fascinado com as lições epicuristas.
O que mais me atrai na possibilidade de pensar essas lições transpostas para o presente é que vivemos também uma época de confusão e desorganização progressiva de valores tidos como fundamentais para o convívio social. Segundo Epicuro, é exatamente nesse contexto que cabe a busca de compensações pessoais, dos tais pequenos brindes. “Ser feliz e buscar o prazer” essa era sua meta e isso contagiava seus pares decepcionados com o mundo em que viviam. Convém dizer que o epicurismo vingou por muito tempo, até que 200 anos mais tarde, Cícero, com veemência, desmereceu tais preceitos acusando-os de hedonistas. Interessante assinalar que a noção de paraíso alcançável na Terra, fora uma tentativa testada por Epicuro que criou o chamado “Jardim”, espaço apartado de Atenas, onde os adeptos teriam ampla liberdade de ação. As regras do espaço utópico e imediato eram curiosas, pois, por exemplo, mantinha-se a propriedade privada e os estatutos pessoais (como a escravidão por exemplo), mas os indivíduos tinham o respeito como base de convívio e a ajuda mútua como prática rotineira. Alguns discípulos de Epicuro, como Timócrates, o estóico Epicteto e principalmente Diógenes Laércio trataram de distorcer o ordenamento epicurista e isso contribuiu para seu descrédito como grande pensador. Epicuro escreveu muito, mas apenas em 1928 foram encontrados fragmentos de sua extensa produção. O descalabro do mundo contemporâneo, agora, se preocupa em reestudar esse pensador carismático, provocativo que, afinal, coloca em questão alguns dos grandes dilemas da contemporaneidade: somos felizes sozinhos, com nossas memórias boas, de gozo e prazer, ou apenas seremos felizes se somarmos coletivamente nossas alegrias e esquecermos os pontos ruins?
O aclamado prazer pessoal, individual proposto por Epicuro, em análise mais profunda é complexo, posto que para ter validade, precisava ser contado em público. Os ouvintes, ou a plateia, seriam parte inerente a uma espécie de vanguarda da “sociedade do espetáculo”. Nessa linha, Epicuro difundia a imperiosidade do afeto social. Para quem trabalha com questões da análise da memória social, os preceitos epicuristas são fundamentais, pois implicam seleção (de fatos bons, gostosos, entusiastas) com o esquecimento das atrocidades da vida. É neste sentido que se encontra razão para retomar o estudo de Epicuro. Sem dúvida, de maneira mecânica, numa sociedade capitalista e que tem como base o consumo e a cumulação de bens, temos que perguntar: o que é felicidade e prazer num contexto tão rápido e exigente de reposições? E a que público temos que nos remeter? A metáfora do “Jardim” permanece no nosso imaginário, mas sem noções epicuristas, ele é apenas um lugar físico. Que Epicuro nos salve, agora e na hora de nossa morte. Amém! 

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

TELINHA QUENTE 292


Roberto Rillo Bíscaro
Medo de pestes devastadoras, como a Negra ou a Gripe Espanhola, incomoda há milênios e volta e meia compraz a fome incessante da mídia por drama e pavor. A gripe aviária d’alguns anos atrás ensejou cenários extintores fartamente explorados.
Os 10 capítulos da temporada primeira de Cordon (2014), da belga VTM, imaginam um desse cenários hecatômbicos, provocado por vírus mortalmente contagioso, propagável por contato com mucosas e secreções.
Tudo começa quando uma professora leva seus aluninhos pruma visita ao Instituto Nacional de Doenças Infecciosas. Realmente, excelente escolha: um bando de crianças curiosamente inquietas e vivendo fase obsessivamente tátil num viveiro de infecções em potencial. Isso é o que chamo de procurar vírus pra se contaminar. Cordon exige bastante desarmamento da descrença.
O problema com a visita e com toda uma seção de Antuérpia é que um container chegara carregando vírus 100% letal, que começa a se alastrar, daí as autoridades instituem o cordão sanitário aludido no título. As crianças não podem sair do Instituto e ninguém pode deixar a parte isolada da cidade. Não pergunte pelos petizes lá pelo capítulo 5, porque sua função dramática já desaparecera, então não precisam mais ser vistas.
Cordon tem todos os elementos padrão duma representação de catástrofe bacteriológica, viral, quem se importa?: em poucos dias, o tecido social se dilacera e a barbárie se espalha feito praga na área isolada, indicando que o ser-humano não é tão diferente de irracionais unicelulares. Há também mistério que aponta a possibilidade de tudo ser esquema muito maior, deflagrado e camuflado por esse Lobo Mau chamado Governo (que no caso europeu ajuda no financiamento dessas séries), que, claro, tenta se esquivar da culpa culpando os afegãos por bioterrorismo.
Um dos núcleos é um laboratório de informática, onde técnicos recuperam arquivos perdidos. Alguém me explica, porque num local assim, haveria estoque aparentemente inesgotável de roupas isolantes, com touca, luva e tudo? Uma das coisas mais divertidas dessas séries é fazer essas perguntas, mas aceitar o mundo dramático, porque dói menos.
Semivedete do mundo televisivo cult – a Inglaterra descobriu séries belgas há um tempinho e já exibiu umas 3 ou 4 – o pequenino país não possui orçamento pra superprodução, então as ruas são bem desertas, não há muitos extras e nem grana pra pensar em helicóptero pra tirar um menino que poderia conter genética benéfica pra se achar cura.
Duro de crer que a rica Bélgica não teria grana pra isso, mas pro mundo dramático de Cordon a modéstia não é ruim, até porque não se trata de produção mambembe ou esquálida. Apenas não é bombástica como se esperaria nos centros anglófilos do dinheiro.
Orçamento cont(i)ado resultou numa narrativa quieta, intimista, mas que prende, por isso chamou a atenção dos norte-americanos, que compraram os direitos e fizeram sua própria versão, Containment, exibido pela The CW, ano retrasado.
Uma vez que não se trata de spoiler, cumpre apontar que o vírus veio do Brasil. Incrível como a imagem de refúgio pra bandido e origem de violência/mal perdura por décadas. No cine noir não era incomum bandidos fugirem pro Rio. E não é que na contemporânea Bedrag acontece o mesmo?
Cordon teve segunda temporada não muito bem-sucedida, em 2016, mas a primeira pode ser assistida de boa sem se preocupar com a segunda, porque tem um fecho.

Encasquetei se os roteiristas norte-americanos teriam a ideia de enviar um helicóptero pra apanhar o moleque potencialmente carregador da cura; afinal, a seção de Atlanta isolada pelo cordão sanitário possuía prédios altos. Será que não daria pra pousar ali? Pois não é que mantiveram a solução da prima pobre belga?!
Os 13 capítulos de Containment são mais ricos, coloridos, explosivos, patrióticos, dramáticos e, óbvio, mais bem produzidos. Todos os maneirismos de série ianque estão ali: aquelas histórias do passado contadas em momentos-chave; discursos patrióticos e motivadores; a crença de que um homem pode mudar o sistema (ilusão, porque tudo o que consegue é pequena correção de curso). A história básica é mantida até em detalhes com quem morre e sobrevive, mas a adição de 3 capítulos forçou o esticamento d’algumas subtramas. Todo mundo com pele sem manchas e dentes simetricamente alvos; gente do mau com corpão sarado e subtrama de criança que tem que enterrar os pais cortada, claro.
Containment é bem-feita, como negar? Mas, é mais uma na multidão de filmes e séries sobre catástrofes. Tem a moça que na hora do perigo faz o escritório voar pelos ares, enfim, é mais do mesmo, ao passo que o clima da belga – até por ser duma TV não muito conhecida – é mais sombrio e quieto, onde o caos social ocasionado pela epidemia é mais opressor do que com todo o dinheiro e multidões de extras da releitura anglófona.

O público doméstico dos EUA provavelmente sentiu a generalidade do produto, o que determinou a não renovação pra segunda temporada. Eu veria a segunda vinda de Cordon, mas não a de Containment.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 298


Roberto Rillo Bíscaro

Kim Tibbs nasceu em Huntsville, no sulista Alabama. Filha de um pastor batista, que também tocava órgão, a menina estava sentada à frente do instrumento aos dois anos de idade e quando frequentava o jardim da infância já tocava nos cultos de sua congregação. Sempre envolvida no meio musical, a norte-americana tocou com todo mundo que importa em vários mundos musicais. A lista vai de The Blind Boys Of Alabama e Percy Sledge a Billy Ray Cyrus. Empresas como a Hammond e a Roland, a têm em seu rol de divulgadores de produtos.
Contando sua experiência infantil, Tibbs tem 30 anos de carreira e até ano retrasado não lançara nada solo. Uma sucessão de singles bem-sucedidos na parada soul britânica –lá é a terra do blue-eyed e do northern soul – captou a atenção e interesse do produtor Ralph Tee. Conclusão, o tardio álbum de estreia da R’n’Bueseira foi lançado pela gravadora inglesa Expansion, no fim de agosto. Como dizem que música é universal, acreditemos: Kim é tão competente, que poderia ter sido lançado em Plutão e ninguém reclamaria. Kim, o álbum, é estreia; Kim, sua cantora, está pronta há décadas, então as interpretações são, no mínimo, assertivas, coisa de profissional.
Os singles de sucesso na Inglaterra estão no álbum e dá pra perceber porque Kim caiu nas graças lá. A maior parte das 12 faixas é muito amigável pra execução em rádios e se encaixa na tradição britânica sophistipop. Basta conferir o pop soul de I Need You For Your Love e o disco soul de Soul, pra ver porque a pátria de Lisa Stansfield e Lucky Soul avalizou Kim Tibbs. Drifting é northern soul com metais jazzificados.
Às vezes, a voz de Kim lembra uma Diana Ross começo dos anos 80, como em My Better Side. Ela não canta tanto, mas dá bem pro gasto, exceto em momentos como Could I Make a Life With You, slow jam que se beneficiaria de vocais mais personalizados. Bem segunda metade dos 70’s; já a imaginei na trilha-sonora dalguma novela global da época, tipo Marrom Glacê ou O Astro (jovens, boiem nas referências!). Mas, quando a moça não está muito preocupada com as rádios, como na fluidez quase hipnótica do piano de The River, sua voz não precisa ser melhor pra melodia.
Lá pelo meio, há um par de números mais “raiz”, mas meio domesticados. Move é R’n’B com ênfase no B, bem 50’s/60’s e Como On By é gospel bluesado ou blues gospelizado, afinal Tibbs é de perto do Delta do Mississippi! Não é suficiente pra agradar o púbico mais tradicionalista, mas esse é o primeiro CD de alguém que esperou 3 décadas pela oportunidade, então não espanta querer contemplar mais de um público.
Kim é esforço bem decente desta veterana. Torçamos pra que não se passe muito antes do segundo LP.