sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

PAPIRO VIRTUAL 120


Roberto Rillo Bíscaro

Em 1946, a Suécia experimentou surto de relatos sobre objetos não identificados sobrevoando superssonicamente seus céus. A ideia de que fossem discos-voadores tripulados por ETs sequer passou pela cabeça dos observadores e da imprensa. O termo flying saucer, na verdade, só seria inventado no ano seguinte, nos EUA e nem então se cogitaria tripulação alienígena. Suspeitaram de arma soviética desenvolvida a partir de pesquisas nazistas. A Segunda Guerra mal acabara, então os alemães ainda eram vilões (nem pra todos na colaboracionista Suécia, mas isso é outra história) e a Guerra Fria já começara, ou alguém acha que as bombas atômicas sobre um já derrotado Japão não foram também, demonstração de força pelos norte-americanos?
Fato é que aparições que fogem ao registro cognitivo são interpretadas à luz do que é culturalmente possível de imaginar. Num primeiro momento, a torrente de avistamentos aéreos no mundo todo não foi associado a ETs. Até na indústria cultural pode-se atestar isso, víde o filme The Flying Saucer (1950), que rapidamente usou a sensação dos discos-voadores no roteiro, mas articulou-o como possível arma do inimigo vermelho. Com mais de 22 milhões de quilômetros quadrados de território, os soviéticos arriscariam queda e detecção em céus capitalistas; realmente muito esperto...
Com a crescente certeza de que o homem se lançaria à exploração espacial – no mesmo 1950 já houve dois clássicos sci fi com esse tema – o raciocínio inverso não tardou: se o homem pode, por que não haveria civilizações mais adiantadas que já estivessem singrando o espaço sideral? Poucos anos após a febre de discos voadores de 1947, os ETs venceram a batalha pelo imaginário da mídia e do público em geral e qualquer luzinha não identificada no céu era marciano (na época achavam que poderia haver vegetação lá) nos fiscalizando.
No Brasil, o processo foi bem parecido, guardadas as especificidades locais, muito bem elencadas na dissertação de mestrado A invenção dos discos voadores. Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958), defendida na UNCAMP, em 2009, por Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos.
O historiador traça painel muito interessante das ondas de avistamentos no período estudado, destacando como a mídia impressa insuflava, mas também se alimentava do candente tema das supostas naves espaciais. Gente importante como Rachel de Queiroz escreveu crônica apavorada sobre possível invasão. Gauthier também relata as falcatruas da imprensa na fabricação do que ora se chama fake news, que garantiram fama de publicações como O Cruzeiro.
Embora reconheça o poder da indústria cultural (termo polêmico que acertadamente problematizado), o autor prova que as pessoas não eram simples marionetes na mão da mídia ou das ideias vindas do Tio Sam. Por exemplo, as teorias conspiratórias de lá, nunca colaram aqui, porque nossos militares foram mais abertos do que os estadunidenses (porque mais despreparados, por outro lado) e porque que segredo teríamos pra esconder em termos de armas e pesquisas secretas, pobres de nós?
Gauthier não deixa de perceber, por exemplo, que após o estrondoso sucesso do filme O Dia Em Que a Terra Parou (1951), afloraram inúmeros relatos de gente afirmando ter recebido mensagens de advertência aos perigos do uso de armas atômicas. Exatamente como no filme. Engraçado como civilizações altamente tecnologizadas perderiam tempo e energia vindo pra cá pra dar o recado prum zé-ruela qualquer no meio do nada. É como digo sobre as possessões demoníacas: ao invés de pegar um presidente norte-americano, o demo prefere uma menina suburbana. Xô Cão, burro!
A questão nem é acreditar ou não na existências dos OVNIS, porque o trabalho nem se propõe tal missão impossível. O mais fascinante é aprender como nossos antepassados foram afetados por questões como o holocausto nuclear e a corrida espacial, que, com a suposta aparição dos discos-voadores deixavam de ser temas remotos. E no caso brasuca, a popularidade de teorias espíritas (nem sempre bem entendidas) entre a classe média pra cima facilitou a aceitação dos discos como naves extraterrenas. Isso mereceria estudo a parte, porque Gauthier não tem como se aprofundar no tema, porque seu recorte é outro.

A invenção dos discos voadores. Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958) pode ser acessada no link abaixo:


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