quinta-feira, 28 de abril de 2016

TELONA QUENTE 156

Roberto Rillo Bíscaro

O demônio adora possuir corpos que os machos adultos brancos precisam “civilizar” ou que potencialmente põem em xeque a ordem patriarcal. Crianças são bons receptáculos pro diabo ou pro Mal. Seu não pertencimento ao controlado mundo adulto sempre carrega a possibilidade de rebeldia. Desde o Bebê de Rosemary (1969) e durante os 70’s, a demodécada, o Tinhoso [ou o Mal] possuiu infantes.
Algumas dessas produções realizaram o raro feito de transcender o sucesso entre os aficionados do subgênero e bombar nas bilheterias. Em 1973, um dia após a comemoração do nascimento de Jesus, O Exorcista estreou, ganhou sanções de ligas católicas de decência, que fizeram a fita explodir na bilheteria, gerou carradas de genéricos – dentre eles a franquia A Profecia, sobre a qual escrevi na última seção – e definiu muitas das convenções dos filmes de possessão demoníaca, usadas até hoje.
Lembro-me da histeria provocada pelo Exorcista, em 1974 e morria de vontade de ver, mas não podia, porque tinha apenas 7 anos e estávamos longe da atual facilidade de adquirir filmes, séries e álbuns.
Esperei anos até vê-lo e gostei, mas não vi a franquia toda. Como as postagens sobre Amityville, A Hora do Pesadelo e A Profecia bensucederam, (re)vi os 5 componentes da franquia The Exorcist e compartilho minhas impressões.

Vi e não revi O Exorcista (1973), porque escolhi a versão estendida do diretor, existente há mais de década, mas não captada por meu desejo. 2h e 10m me pareceram exagero; muita cena desnecessária, porque repetitivas; se algum dia vir de novo, será a versão “normal” mesmo. Regan, filha pré-adolescente duma divorciada atriz de sucesso (que mora nos arredores de Washington e não em Los Angeles?!) começa a apresentar comportamento aberrante, como falar palavrão, fazer xixi no tapete e enfiar a cruz na vagina até sangrar. Desenganada por médicos e psiquiatras, a mãe chama um padre, que chama outro e o exorcismo começa, com muito latim, voz distorcida e maquiagem copiada à exaustão, vide a da Morte do Demônio.
O Exorcista é lento pros padrões atuais, mas em sua versão original merece ser visto, porque é importante na cronologia do cine de horror e disfarça bem sua identidade secreta de explotiation film, mediante roteiro que suscita algumas discussões e apresenta certa nuance. Botar menina de 12 anos tendo seu corpo vilipendiado não apenas pelo capeta transformou Linda Blair em algo pedofilamente próximo a símbolo sexual. Não olhem pra mim, não tinha sequer idade pra comprar ingresso; culpem os adultos setentistas.
Como típico filme de possessão, o roteiro poderia ser implodido facilmente. É o próprio Senhor das Trevas que diz ter possuído o corpinho de Regan (na década seguinte, um demônio de verdade, chamado Reagan, subiria ao trono). Pros planos de derrota da cristandade, possuir pré-adolescente suburbana é geopoliticamente vital. Amarrado à cama, o demônio diz que não se solta, porque seria demonstração vulgar de poder. Demônio devoto da humildade cristã? E descer as escadas como se fosse aranha é demonstração madura de poder, tiozão? Por se recusar a usar seu poder “vulgarmente”, ele sofre com água benta aspergida sobre o corpo da menina. Demônio estoico esse!
Quando fazemos essas perguntas marotas à trama, dá pra relaxar e rir um tiquinho. Dessa vez até me perguntei se Chucky não foi moldado a partir da Linda Blair de maquiagem demoníaca.
Pra fãs de prog rock, O Exorcista é importante, porque a trilha sonora fez de Mike Oldfield um dos poucos proggers a obter sucesso de massa.


Em 77, a reboque do sucesso do original e certamente embalado pelo sucesso d’A Profecia veio o horrendo O Exorcista II: O Herege. Se eu vira isso, meu cérebro tratou de apagar. A única coisa que se salva são fragmentos da trilha sonora do sempre competente Enio Morricone; o resto é ruim ou não faz sentido.
4 anos depois, Regan está numa clínica e uma médica aparece com uma geringonça que faz hipnose dupla, mediante uso de luzes e som. Mas também há um padre investigando o exorcismo feito no Exorcista I. Essas personagens entram em contato do nada e mais do nada ainda começam a aparecer sonhos, referências a gafanhotos e divindades africanas (tadinhos dos machos adultos brancos; sempre em perigo por causa de mulheres, gays, gente de outras etnias, ô dó!). Tudo vira uma espécie de filme de Ed Wood i.e. sem pé nem cabeça, que não é horror, nem suspense; é um monte de substância fedida excretada de cor amarronzada.
No elenco, Richard Burton péssimo de dar quase dó de pensar no estágio em que estava a carreira pra ter aceito esse dejeto, digo, projeto.


Será que o fracasso artístico e de bilheteria d’O Herege determinou que a franquia permanecesse enterrada por toda a década de 80? O Exorcista III (1990) foi dirigido por William Peter Blatty, autor do livro originário do primeiro filme. A prestação III também é inspirada num livro seu, mas houve alterações pra que a trama fosse mais conectada com o famoso antecessor. Legal essa mistura de thriller de serial killer com terror de possessão demoníaca.
15 anos após o exorcismo de Regan e a morte de padre Damien (A Profecia se inspirara aí?), assassinatos sugerem que o Assassino do Zodíaco, figura que existiu de verdade, voltava a atacar e que talvez isso tivesse a ver com o Tinhoso. Se for pra conquistar o mundo, o diabo precisa fazer curso de empreendedorismo no Pronatec, porque usando alguém que se encontra detrás das grades não vai rolar.
Apesar de estapafúrdia, a trama prende a atenção, muito pela atuação do excelente George C. Scott, que consegue falar algumas das linhas de diálogo mais estúpidas já ouvidas – sobre carpas na banheira! – de modo convincente. O Exorcista III tem diversos pontos de conexão com o primeiro; o detetive é o mesmo, embora interpretados por atores distintos. Há pontos cegos também, como o policial afirmar que era superamigo de Padre Damien, sendo que originalmente os 2 se conheceram apenas no caso de Regan e seu contato foi brevíssimo. Mas, dá pra se divertir.


Uma vez que é o próprio Capeta que incorpora em Regan, ficaria difícil uma prequel que focasse nele, a não ser que se contasse a história da queda de Lúcifer. Como a capacidade dos estúdios pra bolar histórias potencialmente lucrativas é elevada, a ênfase dos antecedentes d’O Exorcista caiu sobre o Padre Merrin, que no original entra em cena no meio do filme e foi interpretado pelo sueco Max Von Sydow. Ponte de escandinavidade é construída com a igual suequice de Stellan Skarsgard, contratado pra estrelar a prequel projetada pra meados da primeira década deste milênio.
Só que quando os executivos viram O Exorcista: O Início (2004) constataram que seria fiasco. Lançaram-no, mas deram dinheiro pra outra produção, Domínio (2005), que conta a mesma história e mantém Skarsgard, única coisa que presta dessas 2 chatices. 
Com a fé perdida depois dos horrores da 2ª Guerra, Padre Merrin larga a batina e vira arqueólogo (numa das versões, usa até chapéu à Indiana Jones), vai pra África e lá participa dum exorcismo depois que uma igreja impossivelmente antiga é desencavada e fatos estranhos começam a ocorrer. À parte detalhes, ambas as películas posicionam a África como fonte do mal, embora Domínio seja um pouco melhor, porque ousa comparar o Império Britânico aos nazistas. O Início utiliza algum gore e Domínio pretende ser filosófico; o resultado é idêntico: ambos foram vendidos como filmes de horror, mas não assustam. Por mais cínicos que sejamos com O Exorcista, as cenas de Regan possuída incomodam ainda hoje e a película virou referência. Essas 2 prequelas não atingem a abissalidade boçal d’O Exorcista II, mas não empolgam. 

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