terça-feira, 26 de abril de 2016

TELINHA QUENTE 209

Roberto Rillo Bíscaro

Em 1985, The Normal Heart (TNH), escrita por Larry Kramer, foi a primeira peça sobre AIDS a alcançar a cobiçada Broadway. A despeito de eclipsar os diversos trabalhos anteriores sobre o tema – a peça entrou pros compêndios teatrais como “o primeiro AIDS-drama” – TNH teve o mérito de poderosamente denunciar o descaso do governo norte-americano com relação à epidemia que dizimou praticamente uma geração de gays e de registrar ficcionalmente o surgimento da Gay Men’s Health Crisis, fruto da árdua batalha do próprio Kramer, que mais tarde fundaria a influente ACT UP, organização redefinidora do ativismo por suas ações criativas e audaciosas.
Em 2014, a HBO exibiu sua versão televisiva da peça, roteirizada por Kramer, dirigida por Ryan Murphy (de American Horror Story e Scream Queens) e coproduzida por Brad Pitt e Mark Ruffalo dentre outros. No elenco, além do próprio Ruffalo protagonizando, Alfred Molina, Julia Roberts e um monte de gente trabalhando muito bem.
TNH é bastante autobiográfica. Ned Weeks, que primeiro grita a respeito da epidemia de AIDS dizimando os gays de Nova York, é Larry Kramer disfarçado. Quando a então misteriosa doença começa a matar jovens musculosos, bonitos, saudáveis e promissores, Weeks começa jornada de denúncia do descaso quase geral contra o vírus e de ativismo que jamais escondeu sua raiva com a própria comunidade gay, os vários níveis governamentais, os médicos e cientistas, o silêncio que mata. Uma das coisas mais fascinantes de Larry Kramer/Ned Weeks é a desconstrução do discurso facilitador e confortável de que só o amor constrói. Raiva e ódio, desde que bem canalizados, podem resultar em boas coisas.
35 anos após o começo da epidemia de AIDS, pode-se não ter a noção de como foram aqueles primeiros anos de crise. TNH, com seu poderoso drama temperado de ativismo, mostra o desdém governamental e de muitos gays e o nojo/obscurantismo/preconceito com que alguns profissionais da saúde e cientistas tratavam a síndrome. Certo que a fatalidade 100% assustava, mas não dá pra negar que como os primeiros afetados foram gays, hemofílicos e haitianos (estes não abraçados pelo escopo da obra), resposta mais efetiva só veio bem mais tarde e muito graças ao ativismo gay que berrou, pressionou por pesquisas e importação de medicamentos e se informou sobre protocolos, tratamentos, indicações e contraindicações como jamais o fizera.
Cimentando esses elementos está Ned Weeks, que briga com todo mundo, cobra, xinga, diz verdades dolorosamente inconvenientes e lida com a falsa aceitação de seu irmão e um namorado infectado. A mescla de pessoal e político-histórico torna TNH tão absorvente, mesmo tendo mais de 2 horas de duração.
Sugiro-o em sessão dupla com o francês Les Témoins, resenhado aqui.

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