quarta-feira, 6 de abril de 2016

CONTANDO A VIDA 145

Em época de explosiva polarização político-ideológica, nosso historiador-cronista fala sobre canções que expressam diferentes visões de Brasil, or críticas, ora ufanistas.   

O PAIS TROPICAL MOSTRA SUA CARA. MOSTRA?

José Carlos Sebe Bom Meihy
                                       

Nossa! Como nós brasileiros somos complicados! A realidade miúda do dia a dia político e a polarização de percepções a favor ou contra o governo, convidam a colocar à contrapelo os estereótipos consagrados em canções que destilam alegria e ufanismo nacionalistas. Boa mostra disso são, por exemplo, os versos assinados por Jorge Benjor e Wilson Simonal, “moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Muitas outras letras de músicas se somam nessa direção, como é o caso dado por João de Barro que, inspirado em Casimiro de Abreu, repetia “Todo mundo canta sua terra/ Eu também vou cantar a minha/ Modéstia à parte seu moço/ Minha terra é uma belezinha”. Em contraste, esquecendo-se dessas marcas exaltativas, é exagerado o ódio expresso em frases panfletárias, piadinhas causticas, ironias baratas, contra ou a favor do governo. Não precisamos de muito esforço para lembrar de outras canções que dialogam com tantas triunfantes, mas na direção contrária.  Entre dúzias, duas remetem à contramão da positividade alienante, uma delas é “Querelas do Brasil”, parodiando a “Aquarela do Brasil de Ari Barroso”, onde Aldir Blanc, imortalizou na voz de Elis Regina versos implacáveis “O Brazil não conhece o Brasil/ O Brasil nunca foi ao Brazil/ Tapir, jabuti, liana, alamandra, alialaúde/ Piau, ururau, aqui, ataúde/ Piá, carioca, porecramecrã/ Jobim akarore Jobim-açu/ Oh, oh, oh/ Pererê, câmara, tororó, olererê/ Piriri, ratatá, karatê, olará/ O Brazil não merece o Brasil/ O Brazil ta matando o Brasil/ Jereba, saci, caandrades/ Cunhãs, ariranha, aranha/ Sertões, Guimarães, bachianas, águas/ E Marionaíma, ariraribóia/ Na aura das mãos do Jobim-açu/ Oh, oh, oh/ Jererê, sarará, cururu, olerê/ lablablá, bafafá, sururu, olará/ Do Brasil, SoS ao Brasil/ Do Brasil, SoS ao Brasil/ Do Brasil, SoS ao Brasil/
Tinhorão, urutu, sucuri/ O Jobim, sabiá, bem-te-vi/ Cabuçu, Cordovil, Cachambi, olerê/ Madureira, Olaria e Bangu, Olará/ Cascadura, Água Santa, Acari, Olerê/ Ipanema e Nova Iguaçu, Olará/ Do Brasil, SoS ao Brasil/ Do Brasil, SoS ao Brasil”. Não bastasse este nada gentil tapa na cara, Cazuza, George Israel e Nilo Romero se juntaram para dizer na canção chamada “Brasil” o seguinte: “Não me convidaram/ Pra essa festa pobre/ Que os homens armaram pra me convencer/ A pagar sem ver/ Toda essa droga/ Que já vem malhada antes de eu nascer”.

É verdade que nunca ousamos opor uma linhagem de pensamento musicado a outro. Pelo contrário, o que fazemos é alternar aleatoriamente uma ou outra postura, de acordo com o tônus do momento. E isto até se explica, pois vivemos em um país que, como nos avisou Tom Jobim “não é para principiantes”. Não mesmo. Somos complexos e complicados, contraditórios e, assim, fazemos jus ao título dado por Sergio Buarque de Holanda com nos chamou de “homens cordiais”, emotivos e apaixonados. Pois é, nossa lógica é disparatada e essa constatação, aliás, faz recordar outra referência musical, da lavra de Tim Maia que dizia que “o Brasil é o único país do mundo onde puta tem orgasmo; cafetão sente ciúme e traficante é viciado”. Ancorado nessa premissa, Ancelmo Góis, jornalista d’O Globo, expressa espanto ao constatar que não dá para compreender um país onde detratores de atrizes negras nas redes sociais são mais escuros dos que as lindas morenas que eles tentam diminuir. Outro exemplo acachapante se repete na composição da atual Comissão do Impeachment composta por, nada mais nada menos, de um tipo como Paulo Maluf. Entre uma conduta exaltativa e outra desairosa, resta esperar que alguém faça uma nova canção, dando conta de nossas ambiguidades. Mas, como colocar em um só verso a esperança reconhecida e o ódio incrustado? Se alguém souber, ajude a nação que está mais perdida do que nunca.  

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