terça-feira, 12 de abril de 2016

TELINHA QUENTE 207

Roberto Rillo Bíscaro

Ironia informa o título e momentos-chave de Happy Valley, desolad(or)a série policial da BBC, que já teve 2 temporadas, totalizando dúzia de capítulos.
De feliz, o vale onde se passa a ação não tem nada. A protagonista Detective Sergeant Catherine Cawood jamais se recuperou do suicídio da filha, estuprada (será mesmo?) por um sociopata. O casamento não resistiu à perda e ela acabou tendo que cuidar do neto – indesejado por setores da família – e da irmã recuperando-se do vício em álcool e heroína (a maquiavélica O’Brian, de Downton Abbey, aqui sofredora e boazinha). E essa é só a história de fundo pra essa policial boa, correta, mas fascinantemente complexa, interpretada à perfeição por Sarah Lancashire.
A primeira temporada lida com a saída da prisão de Tomy Lee Royce, suposto abusador da filha da policial e de um sequestro, que acontece por pura ironia dramática. 6 episódios tensos e viciantes. A segunda continua alguns temas da primeira e adiciona um serial killler, mas a história que rouba a cena até do vale de lágrimas da DS Cawood é a do DI John Wadsworth, sujeito decente levado a cometer um crime, em outro caso de perversa ironia dramática. Kevin Doyle, o adorável Mr. Moleseley, de Downton Abbey, deveria concorrer junto com Lancashire às indicações de prêmios que a temporada deveria angariar.
Um dos diferenciais de Happy Valley no populoso mundo sinistro, escuro, úmido e frio dos detetives deprimidos é que as ações e personagens têm cotidianidade diversa da de River ou dos Nordic Noirs tipo BronIBroen. E isso não é crítica negativa a esses shows, que amo muito demais da conta. É que Happy Valley mergulha numa Inglaterra de classe média baixa, onde o sotaque é difícil de entender até pra falantes nativos (reclamações abundaram nos jornais britânicos), onde a porrada e a droga comem soltas e os policiais também sofrem, porque são parte do tecido social. Embora tenham autonomia de policial, claro, são afetados pela desgraceira reinante. Os diálogos são de uma sinceridade brutal e se você esperar pra ver no nosso inverno, sugiro muito chá, pra entrar no clima, porque a todo momento há o fatídico “would you like a cuppa tea?”
Outro trunfo é que não há verdades incontestáveis. A beatitude da falecida filha de Cawood é questionada pelo irmão, que em mais de uma cena despeja a bile do ressentimento na mãe que o negligenciou após o suicídio da filha. Happy Vallley é pra quem tem estômago bom pra alguma violência e realismo. Nesse universo dramático não há espaço pro “tudo vai ficar bem”, açucaramento irritante de tantos roteiros.
I strongly recommend it, luv (atenção pro número de vezes, que usam luv, supercomum na Inglaterra.) E se é pra ser infeliz, escolheria ser miserável em Happy Valley, pra poder ser consolado pela DS Catherine Cawood e ficar amigo dos Gallagher. Amei demais.

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