terça-feira, 1 de dezembro de 2015

TELINHA QUENTE 188


Roberto Rillo Bíscaro

Na última seção de cinema, comentei sobre Séptimo, produção argentina, cuja premissa é ótima, mas o incompetente roteiro sabota tudo. Desta feita, o assunto é uma minissérie inglesa cuja premissa é bastante estapafúrdia, mas o desenvolvimento, atuações e a familiaridade com certa convenção suspendem nossa descrença e em poucos minutos do primeiro dos 6 episódios somos irremediavelmente engolfados pelo rio de emoções que é River (2015), da BBC.
Centenas de séries e filmes apresentando uma dupla de policiais cujas personalidades nada têm a ver ou detetives birutas - que em ambos os casos, desmentem a existência/eficiência dos psicólogos das corporações – acabaram convencionalizando esses dados. Aceitamos por conveniência ficcional, afinal, se queremos conflito, há que fazer concessões. River pede que aceitemos a permanência na polícia inglesa de um inspetor louco de pedra, que desde criança tem visões psicóticas, além de conversar e interagir com elas, podendo tornar-se violento nesse intercâmbio, atirando cadeiras ou esmurrando paredes.
Esse é John River, o imigrando sueco – os britânicos estão obcecados por Nordic Noir – já no fim da meia-idade, que vemos na cena inicial conversando sobre Abba, Roxette e A-Ha (they are Norwegian, ele ri) com sua parceira Stevie. Não demora 10 minutos pra percebermos que ele falava sozinho; sua companheira fora assassinada há 2 semanas, logo depois de ambos saírem dum restaurante, onde River não tivera coragem de revelar-lhe algo importante.
Em princípio, a trama de River é a busca pelo assassino de Stevie, mas o roteiro de Abi Morgan – que escrevera o problemático A Dama de Ferro – é muito mais que isso, transformando a mini num dos grandes programas de TV do ano.
John River é atormentado por diversas manifestações, como ele as denomina; desde vítimas a personagens históricos como um serial killer vitoriano, que proporciona alguns dos momentos mais bizarros. Sabiamente evitando o fácil reino da sobrenaturalidade, o roteiro usa essas aparições como projeções variadas da psique do Inspetor-Detetive. River, a série, daria uma tese de doutorado, não exagero. A manifestação principal é obviamente Stevie, que conhecemos exclusivamente pelo filtro da memória/imaginação de River, mas a qual entendemos, passamos a gostar e sentimos pena.

Outro trunfo de River é que todas as personagens têm alguma profundidade e algumas secundárias crescem muito. Os diálogos são certeiros e finalmente achei um detetive inteligente e atormentado que mora num apartamento transado, que não ouve ópera ou jazz: River e Stevie ouvem/iam disco music meio trash, tipo Tina Charles (quero dançar I Love to Love nas ruas de Londres com o Stellan Skarsgård!)

E chegamos ao momento crucial, o intérprete de John River. Em tese, não deveria ser fácil empatizar com um senhor amalucado e tão estranho. A personagem é suculenta e uma das mais memoráveis da TV contemporânea, mas poderia facilmente escorregar pro exagero ou caricatura. Se StellanSkarsgård não faturar pelo menos um BAFTA ano que vem, perderei a fé na espécie humana. O filho mais velho dos atores Paul Bettany e Jennifer Connelly chama-se Stellan em homenagem ao sueco. Dá pra entender o porquê de tamanha tietagem. O desgramado me cativara com o sorriso final em  En Ganske Snill Mann, que literalmente, traz toda a simbologia da primavera numa só cena. Dessa vez, chorei, ri, torci, quis abraçar, fiquei com raiva, tudo pela habilidade dramática de Skarsgård, que parece não ter limites; o cara convence em sueco, norueguês e inglês.  
Pra não dizer que não vi defeitos, no episódio 1 há um par de cenas inverossímeis mesmo pra esse tipo de programa: John River está meio velhusco pra correr quase tanto quanto um carinha de 20 anos ou subir numa grande árvore e andar nos galhos. Qual é fião, virou Tarzan? Mas, falhas grandes assim não ocorreram nos demais 5 episódios.
Morgan afirmou que deu tanto trabalho escrever o policial, que dificilmente faria outro. Realmente, não sei se compensa uma segunda temporada. Dá muita vontade de ver mais John River, mas será conveniente arriscar ofuscar o brilho desses 6 capítulos? Talvez valha mais rever River de vez em quando; isso certamente farei.

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