segunda-feira, 11 de novembro de 2013

CAIXA DE MÚSICA 108



Roberto Rillo Bíscaro

Uma das primeiras modas de que me recordo foi a febre das discotecas, por volta de 78, quando da novela Dancin’ Days. Pra ser tema de folhetim o fenômeno tinha que ser avassalador. E foi. Contava eu 11 anos e à parte poucas canções, não gostava muito de discotheque. Achava repetitivo e longo demais. Demorei pra respeitar o movimento; isso devo a meu amigo Jayme.
Conforme mergulhava no mundo do (synth) pop oitentista, e depois, da electronica, percebi a importância da tendência. A maior idade também influenciou: a sonoridade disco – a vertente mais pop, digamos, não tão repetitivamente longa – remete-me à juventude e deflagra memórias, por vezes idealizadas.
Tudo isso me levou a desejar conhecer um pouco mais sobre a história da disco music. Há alguns meses, encontrei no You Tube o documentário The Joy of Disco (2012), da BBC, ao qual assisti semana passada. Gostei bastante e recomendo.

A revolução sexual dos anos 1960 foi basicamente heterossexual. Gays continuavam perigosos doentes mentais capazes de corromper a “boa sociedade”. Em 1969, a polícia nova-iorquina fez costumeira batida no bar gay Stonewall, mas tiveram bela surpresa. A costumeira passividade dos frequentadores (sem intenção irônica, juro!) foi substituída por revide na porrada. Boa parte da historiografia considera esse incidente a gênese da liberação gay, que pronto se espalhou pelo mundo ocidental. Leis punitivas foram revogadas, a homossexualidade deixou de ser considerada patologia e o orgulho gay aumentava. Concomitante a essa fresca liberdade (sem intenção irônica!), proliferavam festas em locais alternativos da então falida Nova York.
Esses eventos atraiam toda sorte de espíritos livres e outsiders, muito particularmente outros grupos meio alienados do sonho americano, como porto-riquenhos e negros. A música nesses locais era suprida por artistas negros da Grande Maçã e da Philadelphia. Essa última cidade, nos 70’s, tirou o cetro da Motown como rainha da black music. Sempre amei Philly Soul, vertente doo wop, na figura dos Stylistics e Cia., mas essa já seria outra história...

A conjunção das liberações feminina, negra e gay dos anos 70 serviu como luva ao florescimento duma sub-cultura que valorizava a sexualidade, que queria se divertir e achar locais onde pudesse se expressar sem constrangimentos.
Formava-se a cena clubber, que desde então serviu de celeiro de ideias e correntes que se tornariam mainstream nas mãos de antenados como David Bowie, Boy George, Madonna, Lady Gaga. Há quem argumente tratar-se de rapinagem ou oportunismo pra re/dessignificar toda uma sub-cultura ao inseri-la num meio que por princípio lhe é hostil. Tal discussão deixo aos acadêmicos.
Não deixa de ser pândego ver incautos homofóbicos e/ou racistas se esbaldando com práticas de grupos que odeiam, sem a mínima suspeita! Quando farejam a queda na armadilha, os caretas contra-atacam. Não foi diferente com a disco music, vide o implacável movimento Disco Sucks (será que perceberam o duplo sentido?)
A BBC tenta dar alguma importância à Inglaterra na constituição do movimento, mas a matriz é americana e o grande desenvolvimento veio da Itália e da Alemanha. Quando Giorgio Moroder kraftwerkizou Donna Summer, praticamente inventou europop, eurodance e ítalo disco. E supriu a raiz norte-americana com seiva eletrificada, que resultou na explosão febril da disco, que no final dos 70’s conquistou parte do globo.
Os Bee Gees, Travoltas e Júlia Matos com sua versão carioca do exclusivo Studio 54 que povoaram meu fim de infância e pré-adolescência são heterossexualizações, embranquecimentos e burguezificações dum movimento que em parte reagia contra essas hegemonias. The Joy of Disco não os despreza – embora não cite Dancin’ Days, claro! – e nem eu jamais o farei, afinal, são parte de mim.
Aproveitando a tradução do título em inglês, foi um prazer a história da disco!
Em inglês, sem legendas.
PS: ao leitor com tempo sugiro a leitura de todos os links da postagem, pois ela se insere num quadro maior de história de parte da música pop, que tem me interessado no último par de anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário