quinta-feira, 28 de novembro de 2013

FANTASMAGORIA NORUEGUESA

Roberto Rillo Bíscaro


Sigo na fase Henrik Ibsen. Vi teleteatro britânico duma de suas peças que me são mais queridas: Espectros, em inglês, Ghosts.
A obra escandalizou na penúltima década do século XIX. A polêmica foi tanta que ofuscou, durante anos, aspectos que me interessam mais do que o tema da inescapabilidade do pecado dos pais.
O jovem pintor Oswald Alving volta pra chuvosa e nublada Noruega, após anos na capital francesa, símbolo do prazer e da luz. Doente, chega a tempo pra inauguração dum orfanato em honra a seu finado pai, pilar da sociedade, a quem Oswald jamais conhecera realmente, a não ser pelas laudatórias missivas de sua mãe. A paixonite do jovem pela criada da casa e as conversas da Sra. Alving com o Pastor Manders abrem o esgoto das revelações do passado familiar; um redemoinho de luxúria e repressão, que culminará na destruição da geração posterior.
Ghosts é exemplo irretocável da peça onde existe a falsa impressão de que algo acontece, mas na verdade, o que presenciamos é a narração de eventos passados. O passado torna-se tema, aproximando Espectros mais do épico que do dramático.
O destino inescapável dos deuses olímpicos é atualizado naturalisticamente  determinismo social e biológico, mas as diferenças não param por aí. O público conhecia o passado de Édipo, por exemplo. Quando o maldito monarca toma ciência dele, sua vida altera-se por completo. Em Espectros, é a Sra. Alvin quem conhece o passado e quando este nos é revelado, nada se altera em sua existência; o que está feito, feito está e repercutirá na vida do pobre Oswald.
Pra sociedade da época, deve ter sido muito perturbadora a história duma família que se dá mal precisamente por viver dentro dos parâmetros puritanos, burgueses – como quiserem chama-los.
Ibsen desenrola os novelos explicativos com paciência, fazendo-nos cambiar de perspectiva mais de uma vez. Tal paciência, porém, não elimina a fúria corrosiva contra a hipocrisia social, resultando em diálogos sôfregos e densos.
A filmagem de 1987 tem elenco impecável: MichaelGambon, Judi Dench, Kenneth Branagh, Natasha Richardson. El Gambon e La Dench estão soberbos e o jovem Branagh evita o exagero que às vezes estraga alguns de seus desempenhos.
A ambientação e vestuários sombrios e escuros contribuem pra construção do tom desolador.
Não seria má ideia fazer como a versão espanhola deCasa de Bonecas recomendada semana passada: atualizar um tiquinho o texto pros mais jovens entenderem direitinho qual o mal que acometeu Oswald. As metáforas e meias-palavras chocantes no fim do século retrasado nada significam hoje e desconfio que em 87 já era assim.
Essa maravilha está no You Tube, em inglês sem legendas.

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