segunda-feira, 31 de outubro de 2016

CAIXA DE MÚSICA 242

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Roberto Rillo Bíscaro

Depois do choque punk de 1977, um subgênero lúgubre se desenvolveu no hemisfério norte, mormente no Reino Unido. Influenciadas por Velvet Underground, Nico, Doors, glam rock e Sex Pistols, bandas como Bauhaus, Cure, Siouxsie And The Banshees, Joy Division pesaram em letras, sonoridade e maquiagem sombrias. Logo a imprensa começou a falar em gothic rock. Embora nenhum desses grupos aceite a pecha, todos apresentavam algum(ns) elemento(s) básico(s) do estilo, como baixo grosso, teclados e guitarras gélidas e sobrepostas, letras dignas de desespero Romântico, vestimentas e maquiagem pretas/cadavéricas.
No começo dos 80’s, a meca gótica era o clube londrino Batcave e a cena contava com bandas tipo Southern Death Cult (mais tarde, o hard rock The Cult), Sex Gang Children, Alien Sex Fiend, Cocteau Twins (fase inicial), Fields Of The Nephilim e no continente nomes importantes como o holandês Clan Of Xymox e o alemão Xmal Deutschland. 


Um dos góticos mais bem-sucedidos comercialmente foi o The Sisters Of Mercy, que sob o despotismo de Andrew Eldritch, estreou numa grande gravadora em 1985, com o LP First and Last And Always, que chegou a ser lançado no Brasil e comprei. Descrito numa revista de rock brasuca da época como “discoteca para vampiros”, o grupo já estava rachado quando das gravações do álbum, em 84. Meses após o lançamento, o baixista Craig Adams e o guitarrista/vocalista de apoio Wayne Hussey deixaram a banda para formar o The Sisterhood, cujo nome pegava carona na fama do Sisters. Eldritch levou a questão aos tribunais e Adams/Hussey foram proibidos de gravar sob aquele nome. Mesmo sem gravar desde 1990, o Sisters Of Mercy segue fazendo shows; este ano até tocou em Sampa.


Hussey e Adams escolheram a alcunha The Mission, convidaram Mick Brown (bateria) e Simon Hinkler (guitarra), clarearam o gótico e em novembro de 1986 estrearam com o álbum God’s Own Medicine, que no Brasil gerou o delicioso hit Severina. Nunca sucesso de massa ou apreciado pela crítica, o The Mission passou a segunda metade dos 80’s e o começo dos 90’s indo decentemente bem nas paradas e turnês com sua bombástica superprodução típica da época. Mal entrará para a história, porque nunca foi mais do que mediano, mas entreteve. Britpop, grunge, desavenças internas, envelhecimento, hiatos tornaram o The Mission perceptível apenas para sua base de fãs, contumazes oitentistas ou para quem segue imprensa musical mais específica, mas os álbuns de vez em quando aconteciam.


Comemorando o trigésimo aniversário, os britânicos lançaram seu décimo LP dia 30 de setembro. Another Fall From Grace soa em sua maior parte como se gravado em 1986, pouco depois de Hussey e Craig terem deixado o Sisters Of Mercy. Com Mike Kelly na bateria, o quarteto fez seu melhor álbum em décadas. Dispensando o excesso melodramático (hoje soa meio brega), a banda voltou com peso sem exagero e tem hora que lembra até U2.
Another Fall From Grace começa com a faixa-título que já abre o empoeirado (não no mau sentido, os góticos devem adorar uma velharia de sótão) baú de tiques góticos: baladona arrastada com bateria pesada à Doktor Avalanche, mas não mais eletrônica; baixo lúgubre e grosso à Joy Division; violão de 12 cordas dedilhado. A voz de Wayne engrossou e quem o ouviu pela última vez em Severina ou Tower Of Strenght estranhará um pouco, mas são 30 anos e muito álcool e droga nas cordas vocais. O The Mission adorava divulgar quanto gastara com drogas nas turnês. Talk about maturity. Mas, ele ainda consegue cantar legal e quando precisa vai do sussurro ao berro. Em vários momentos, lembra Bono Vox. 
A energética Met-Amor-Phosis diz que há uma nova estrela negra brilhando nos céus, alusão ao álbum derradeiro de David Bowie, cujo vocal grave foi amplamente apropriado por gerações de góticos vocalistas. Será que o único desvio da cartilha gótica comercial, Phantom Pain, também deve ao último álbum do Camaleão? Sua eletrônica em borbulhas e seu sax de free jazz dissonante lembram alguns climas de Darkstar, mas fazem o The Mission soar meio King Crimson gótico. Louvável e aventureira para uma banda tão idosa e com decrescente base de fãs, não necessariamente interessados em mudança no rumo de seu grupo favorito, quando todos já se aproximam ou passaram bem dos 50. Interessante, mas se o álbum todo fosse nessa toada seria meio tedioso. Não se assustem, porém. O resto de Another Fall From Grace é como um coturno velho, confortável de usar, mas não detonado, porque a produção evitou soar datada. É quase até como se uma banda mais jovem gravasse influenciada pelo Sisters/Mission biênio 85-6.
As letras mantêm os fantasmas, noites escuras e tempo climática e emocionalmente cinzentos. Within The Deepest Darkness (Fearful) é Na Mais Profunda Escuridão (Amedrontado). Não precisaria explicar mais, mas compensa ouvir a lúgubre balada que tem sussurros e gritos abafados de Martin Gore (Depeche Mode) e do synthpopper Gary Numan no fundo. Só mesmo a pose gótica do The Mission para transformar uma viagem pelas estradas californianas em depressão à Poe, como em Can’t See the Ocean for The Rain.
Para se juntar à galeria das mulheres idealizadas do Romantismo pós-tardio dos góticos, que além da mais popenta Severina, nos deixou Charlottes (The Cure), Marions (Sisters of Mercy) e Rebeccas (Big Eectric Cat), o Mission nos apresenta Jade, que com sua colcha de teclados, baixo e guitarras dedilhados, jamais dorme só, mas também não pode existir. E se estamos numa cruza de Sisters com Mission safra 85-6, vocalizações à Severina não poderiam ficar de fora, cortesia de Julianne Regan (da meio neo prog, meio gótica e meio sem graça All About Eve) e estão na intensa balada Never’s Longer Than Forever. A fixação pelo orientalismo zeppeliniano, culpa de muitos dos micos pagos sonicamente no auge da banda, reaparece no teclado de Bullets and Bayonets, felizmente em tom mais discreto. A letra é sobre regicídio, revolução, quer mais Lord Byron?
Em meio a tantas power ballads e mid-tempos, o único rock acelerado é Tyrany Of Secrets, certamente um dos pontos altos dos shows daqui para frente e melhor faixa de Another Fall From Grace. Wayne ainda tem gogó pra urrar nesse cruzamento perfeito de First And Last And Always e God’s Own Medicine. Vontade de me vestir inteirinho de preto, com chapéu, óculos-escuros e ir dançar voltado pruma parede num porão gótico enfumaçado no inverno do norte inglês.

sábado, 29 de outubro de 2016

SACRA DENÚNCIA

Freira brasileira denuncia tráfico de albinos em Moçambique
Cidade do Vaticano (RV) – Reforçar a cooperação internacional no combate ao tráfico de pessoas foi o pedido do Papa Francisco ao receber em audiência, no Vaticano, os membros do chamado “Grupo Santa Marta”.
O pedido do Pontífice está em sintonia com o trabalho que a brasileira Ir. Marinês Biasibetti realiza em Moçambique, em parceria com a Conferência Episcopal. Em entrevista ao Programa Brasileiro, a scalabriniana afirma que o tráfico em Moçambique está relacionado com a migração e fala de uma realidade típica da região: o tráfico de pessoas com albinismo:
Ir. Marinês:- Em Moçambique, trabalho na Comissão Episcopal para Migrantes, Refugiados  e Deslocados e consideramos este tema importante, porque com a migração o tráfico está muito relacionado, já que as pessoas vítimas de tráfico normalmente são mulheres, crianças e jovens que estão em situação de movimento e são as principais vítimas. É uma realidade muito triste. Além da questão do tráfico de seres humanos, em Moçambique temos também a questão do tráfico, a comercialização de órgãos ou partes do corpo e a perseguição, o rapto de pessoas portadoras de albinismo. Como Comissão, estamos trabalhando no sentido de resgatar a dignidade do ser humano, das pessoas e trabalhamos na área da formação, da sensibilização não só no combate, mas queremos fazer a prevenção.
RV:- De como modo as pessoas portadores de albinismo são vítimas do tráfico?
Ir. Marinês:- Especialmente no norte do país, essas pessoas são raptadas, são levadas para a Tanzânia, para o Malauí, para países que fazem fronteira, porque existem crenças na África, e em Moçambique em particular, de que essas pessoas são portadoras de benefícios, possuem poderes mágicos e não morrem (mas desaparecem). Então seus cabelos, sua pele, são usados justamente para essas crenças mágicas como amuleto, para medicamentos dentro da medicina tradicional. Essas pessoas não podem estudar, os adultos não podem trabalhar, justamente por medo – não somente em vida, mas depois que morrem seus túmulos são profanados.
Ouça a entrevista completa:

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

PAPIRO VIRTUAL 113

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Roberto Rillo Bíscaro

Um amigo historiador convidou-me pra falar sobre o romance fundador do Realismo, Madame Bovary. Passada a surpresa – jamais fui francófilo, embora admire a produção cultural do país – de não ter sido escalado pra discutir Frankenstein, aceitei e ao fazê-lo obriguei-me a reler o magistral trabalho de Gustave Flaubert, que conhecia da tenra juventude e depois de inúmeros textos teóricos.
Fui inquirido mais de uma vez sobre o porquê de não dar muita bola pra produção contemporânea. Nada contra, até resenhei 2 romances brasileiros deste século: A Chave de Casa, de Tatiana Salem Levy e O Filho Eterno, de Cristovão Tezza, dos quais bastante gostei. Sem contar minhas escapulidas pra literatura policial escandinava, que leio pra esquecer o começo antes de encerrar a leitura. Mas, os autores do século XIX me explicam tanto do mundo atual, que não tenho coragem de abandoná-los. Relendo a ascensão (?) e queda da alienada e insaciável (sem saber direito de quê) pequeno-burguesa francesa reconheci nosso mundo onde a propaganda e a sucessão de modelos de telefones tentam preencher um mal-estar que Rivotril algum conserta, até porque o medicamente dá lucros fabulosos, como os telefones (ou mais?).
Publicado com escândalo em 1857, quando a França vivia o Segundo Império - cujo mobiliário Sartre escolheu pra sua peça Entre Quatro Paredes, que se passa no inferno – Madame Bovary trouxe novidades que hoje podem passar despercebidas. Pegar uma mulher da província, mostrar-lhe o tédio e a histeria, numa trama desprovida de grandes eventos ou personagens ilustres já teria sido bastante, mas Flaubert feriu bem mais fundo. Ele sexualizou essa mulher, saqueou a pompa narrativa dos romances Românticos e fez o narrador “desaparecer”, deixando as personagens literalmente sós num mundo sem Deus, que não conseguem compreender, ou quando tentam, é apenas superficial ou idealizadamente. Emma é antepassada das irmãs russas que sonham desesperadamente em ir pra Moscou, que idealizam, como Emma e seus amigos o fazem com Paris, onde tudo seria mais arrojado e moderno.
Literariamente, Flaubert está detonando o Romantismo, afinal, parte das minhocas na cabeça de Emma é inculcada pela leitura desenfreada da vasta produção de romances melodramáticos e rocambolescos. Chapéu seja tirado pra Jane Austen, que há meio século demolira os exagerados ardores Românticos. E olha que vivia isolada nos confins da Inglaterra.
Mas, os romances não saciam Emma, essa filha de campesinos, que sempre sonhou com vida excitante, especialmente depois que vai a um baile na casa dum nobre. Ah, as raízes da ruína bovarista... Emma tenta a religião, o casamento, o consumo, o sexo, mas nada a satisfaz. Protótipo dos atuais –holics, ela é shopaholic, sexaholic; ela é saco emocional sem fundo. Moderna pra caramba! Hoje provavelmente enviaria fotos febrilmente ao Istagram com seu celular de última geração, comprado a prazo, exibindo uma felicidade que nem de longe conhece.
Emma é “ridícula” assim, mas Flaubert não fala só dela, embora o nome da obra seja Madame Bovary. Todos são medíocres frustrados; vence quem sabe usar, camuflar melhor a obtusidade. Não é à toa que Homais com seu conhecimento enciclopédico superficial sobre tudo se dá melhor que todos, mas não custa lembrar que foi essa pseudo-erudição que custou a perna de Hyppolyte. E quantos Homais pós-modernos, cuja Ilustração vem de ler os títulos das postagens em redes sociais.
Fácil taxar Madame Bovary de ridícula e alienada, mas com a marcha célere do consumismo, da espetacularização, da artificialização e reificação dos relacionamentos em todas as esferas, quanto do vazio e da desorientação da personagem nós mesmos não experienciamos e compensamos com algum subterfúgio? Chame-o vício, chame-lo devaneio, chame como quiser, mas quanto de angústia por algo diferente sem saber bem o que, não temos nesse mundo tão complexo que não podemos compreender? Por ser mulher e ousar procurar uma brecha utópica na estrutura, Emma pagou caro e os capítulos dedicados a sua agônica morte estão entre as punições mais dolorosamente exemplares já lidas, além de fornecerem passo e compasso pro Naturalismo. E quem disse que Emma Bovary era tão alienada assim? Ela sabia direitinho o preço que pagavam as mulheres, por isso não queria ter filha. Mas, teve.
Por isso gosto tanto de literatura do século XIX: pra conhecer meus trisavôs e porque que a gente é assim.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

MISS & MISTER ALBINISMO II

Concurso de beleza de albinos no Quênia luta contra o preconceito

Participante desfila durante concurso para escolher os albinos mais bonitos do Quênia (Foto: Tony Karumba/AFP)

Foi o primeiro evento do tipo realizado no país.
Pessoas com esta condição genética são estigmatizadas na África.
Nos países da África os albinos são estigmatizados e perseguidos, mas na sexta-feira (21) no Quênia inúmeros jovens com esta condição genética foram o centro das atenções na escolha dos primeiros "Miss e Mister Albinismo Quênia".

O primeiro concurso deste tipo, segundo os organizadores, tinha como objetivo mostrar "que há albinos belos e que se sentem bem consigo mesmo", explicou Isaac Mwaura, o primeiro deputado albino queniano e organizador do evento.
O albinismo é uma condição genética que se caracteriza pela ausência de pigmento na pele, cabelo e olhos. "Na África, as pessoas têm a pele negra. Quando uma mulher dá à luz a um albino dizem que é uma maldição", contou Nancy Njeri Kariuki, uma jovem de 24 anos que viajou da região central do Quênia para participar do concurso.
"Até as crianças da mesma idade têm medo", acrescentou a jovem que desfilou com uma peruca castanha diante do vice-presidente do país, William Ruto.
Os participantes desfilaram com vestimentas semelhantes às usadas em seus trabalhos: de pescador a soldado, passando por uma jogadora de rúgbi, para demonstrar que também podem ser parte da população ativa do país.
Segundo Isaac Mwaura, os albinos têm muita dificuldade de encontrar emprego. Michael Ogochi, um participante de 21 anos, explicou que o concurso o ajudou a ter mais confiança em si mesmo. "Crescer foi difícil para mim (...) ninguém queria estar comigo. Você tem que trabalhar a sua autoestima e ser resistente", disse.
Em vários países do sul e do leste da África, como Tanzânia, Malauí, Burundi ou Moçambique, os albinos são vítimas de diversos ataques. Alguns são perseguidos e têm seus membros amputados para rituais de feitiçaria.
Esse tipo de ataque, entretanto, não é comum no Quênia

TELONA QUENTE 173

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Roberto Rillo Bíscaro

O pavor de que invadam nosso lar é um dos mais fortes e mais relembrados pela cultura de massa através de seus programas policiais e dicas de como proteger a casa durante as viagens de fim de ano. A indústria de segurança tem registrado lucros astronômicos, driblando crises que nunca são ruins pra todos.
No cinema, os home invasion films são constantes. Pouca coisa é mais sagrada que nosso castelo, então, representações de intrusão desse espaço abundam, indo de thrillers a comédias. Há uma geração, Macauley Culkin dominou o mundo por uns 3 anos, na carona do sucesso de Home Alone (sozinho em casa), aqui batizado de Esqueceram de Mim. Em clima de desenho de Tom e Jerry, ele barbarizava uma dupla ou trinca de larápios que tentava invadir sua casa. Esta semana vi um Home Alone contemporâneo, mas do mal.
3 jovens que vivem de roubos a casas na dilapidada Detroit, decidem que seu último trabalho será entrar na residência dum veterano de guerra cego, solitário após a morte da filha, que lhe gerou uma bolada de indenização. Eles o fazem, mas ao tomar ciência de que sua fortaleza fora conspurcada, o coroa começa a mostrar mais de um ás na manga, além dum cachorrão à Cujo (reparem na referência à obra de Stephen King). Essa é a premissa de Don’t Breathe (2016), dirigido por Fede Alvarez. Pra quem não sabe, em 2009, o uruguaio postou um curta sci fi muito criativo no Youtube, que chamou tanto a atenção, que ele acabou estrando no farto mercado estadunidense dirigindo o remake d’A Morte do Demônio. Sam Raimi deve ter amado o jovem, porque é um dos produtores-executivos de Don’t Breathe.
O roteiro tenta sacanear o espectador a torcer pela “mocinha-bandida”. Seus companheiros-homens não são contemplados com quase nada de informação de apoio pra construir nossa empatia, ao passo que a moça tem irmãzinha fofa e carente, mãe dominadora e quer livrar a mana disso tudo levando pra ensolarada Califórnia. Então, roubar a casa dum ancião deficiente visual parece justificável, ainda mais porque no meio da história há uma reviravolta e ele também não é a vítima que aparenta. Concordo, mas a moça também não, então, meu lado bolsomito falou mais elevado e curti vê-la em apuros.
Don’t Breathe é um thriller de gato e ratos quase sempre eletrizante, que aproveita bem o espaço da casa, tem atuações sólidas e até me fez rir com uma malvadeza envolvendo uma seringa com sêmen (ugh!).

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

CONTANDO A VIDA 169


SOBRE “CARA METADE”, “ALMA GÊMEA” E OUTROS MITOS AMOROSOS.



José Carlos Sebe Bom Meihy


Dia desses, aconteceu de ouvir de alguém sentado em degraus de uma igreja, o suplicante pedido: “por piedade, me dê uma esmola, estou com uma fome homérica”. Surpreso, perguntei “fome homérica? A senhora sabe quem foi Homero? Meio assustada, a interlocutora acidental respondeu “Homero, Homero, eu não sei, mas a fome é bem grande”. Mesmo tendo por prática não dar esmolas isoladas de informações, deixei uns trocados e segui meu caminho pensado nas sutilezas das apropriações populares de expressões complexas, algumas derivadas do domínio da cultura erudita. Foi assim que me lembrei de termos como “quixotesco”, “balzaquiana” e me perguntava sobre as sutilezas de livros fundadores da cultura erudita, passadas para o saber popular.

Ainda sob o impacto dessa constatação, fui pra casa e me pus a arrumar meus arquivos de entrevistas de projetos de pesquisa. Sempre fascinado com as gravações, de vez em quando ouço uma ou outra. Foi quando comecei a prestar atenção em algumas expressões usadas em casos de histórias que implicavam envolvimentos afetivos, principalmente histórias amorosas. E ia anotando repetições que se avolumavam poderosas, exigindo reflexões. Como um dos pressupostos dos estudos em história oral demanda análises sobre memória coletiva, foi sob esta chave que fui anotando algumas prevalências e repetições amiúdas: “cara metade”, “coração partido”, “alma gêmea”... Não raro despontava também “amor cego” e “amor bandido”. Especial curiosidade, contudo, era despertada ao ouvir falar de “amor platônico”. A soma dessas referências, de repente, me assombrou, chegando a se constituir em matéria de questionamentos mais consequentes. Não resisti. Logo formulei uma hipótese de trabalho e animado me lancei na buscar das origens desses termos. O primeiro, que me instigou a pensar nos demais, foi “amor platônico”, pois a “República” sempre esteve entre os livros mais instigantes que li. A ligação com outros textos de Platão, como “Banquete”, se deu quase que de maneira automática, pois sabia que nele estavam contidas as bases das considerações sobre os sentimentos amorosos que atravessam toda a cultura ocidental, de base judaico-cristã.

E me deliciei na referência de que “amor platônico” derivava da suposição que o filósofo fazia à relação, até então inominada, do jovem Alcebíades ao seu venerado mestre Sócrates. No esforço de definir o amor ideal, separado das relações carnais, ao pensar no amor puro, sem sexo, foi cunhada a expressão que perdura até o presente e é tão usada. Estava, assim, dada a partida para uma investigação que prometia desdobramentos. E novamente repontava Platão contando em passagem excitante da movimentada peça, colocada na boca do personagem Fédro, a história de um ente mitológico que era feliz por ter em si três características sexuais perfeitamente harmonizadas: a atração mulher-homem; mulher-mulher; homem-homem. Tal encontro tão pleno teria resultado em um poder de felicidade e isso seria tão exuberante que Júpiter, invejoso, sacou de sua lança fatídica e, num golpe definitivo, partiu em dois a figura antes completa e realizada. Reza a lenda que desde então uma parte fracionada começou a buscar seu complemento, a sua “cara metade” ou “alma gêmea”. Parece que junto com a ira de Júpiter, a maldição da dificuldade passou a acompanhar os mortais que se viram complicados com os constantes desencontros. A infelicidade amorosa, pois, seria explicada por essa razão. Também encontrei em Platão o fundamento da expressão “amor bandido”, pois a inviabilidade do encontro do amor completado pelo outro, os desentendimentos provocados pelos erros nas buscas, seriam os responsáveis pelas desgraças e traições. 

O fascinante destas “citações populares” convida a pensar na durabilidade das transmissões que se fazem permeáveis por séculos e tradições culturais diferentes. E não me contenho em querer informações sobre os modos de recepções que permitiram viagens tão improváveis como da oralidade grega, à escrita ou à imagética, e agora de volta a oralidade popular. Aprende-se, então, que “há realmente mais mistérios entre o céu e a Terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar". Aliás, isto também é mitológico, como diria Shakespeare que um dia também foi popular.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

TELINHA QUENTE 235

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Roberto Rillo Bíscaro

A guia turística espantou-se quando mencionei minisséries islandesas, durante visita à ilha. São apenas 300 mil habitantes; eles não esperam que conheçamos mais que Bjork, mas parece que canal pago brasuca já exibiu O Penhasco. De qualquer modo, é uma TV muito desconhecida mesmo. Além d’O Penhasco, resenhei 2 temporadas de Pressa.
Quando a BBC exibiu os 10 capítulos de Trapped (em islandês é Ófærð), a partir de fevereiro deste ano, deve ter impulsionado como nunca o interesse pelo país e sua TV. Trapped marcou a entrada em grande estilo da Islândia na liga de geradoras de densas tramas Nordic Noir. E jogaram pesado: o idealizador é ninguém menos que o diretor de cine mais famoso da ilha, Baltasar Kormákur, que tanto dirige filmes locais, como O Sobrevivente, mas também blockbusters, tipo Evereste. Ele não dirigiu a maioria dos episódios, mas seu prestigioso nome ajudou deveras.
No rigoroso inverno do norte islandês, numa aldeia no meio de lugar nenhum (pra usar termos do roteiro), um ferry chega da Dinamarca e simultaneamente um torso esfaqueado é encontrado. Como o assassino pode estar no navio, todo mundo é confinado no vilarejo pesqueiro. Pra piorar, uma tempestade de neve bloqueia as estradas, daí o título, algo como Encurralado. Os passageiros, tripulação e locais estão isolados e com um assassino a solta. Mas, será que todo o mal veio de alhures ou a pasmaceira aldeã esconde rede de ruindade nervosa? Nem precisa ser experto em thriller psicológico pra saber a resposta.
Trapped tem avalanche, incêndio, ganância, tráfico de mulheres, violência doméstica, vingança e efeitos da bancarrota do final da década passada, quando a Islândia faliu. O encurralamento não é apenas geográfico, mas também psicológico: é muita gente que não consegue escapar do passado, de relacionamentos viciados. O tom reservado dos escandinavos e a ambientação fazem de Trapped hipnótica bola de neve que cresce aos poucos e te acerta em cheio em sua incessante depressão. Dá frio psicológico em pleno calor tropical.
A cidadezinha gelada que quer se inserir no mundo global, mas esconde neuroses mil fatalmente remete a Fortitude, tentativa britânica de Nordic Noir. Enquanto a aldeia polar planejava um hotel de/no gelo, em Trapped há um porto que serviria pra rota comercial China-EUA. O que Fortitude forçou a barra pra ser, Trapped é sem esforço aparente. A série inglesa quis ser maluquete à Lynch/Cronemberg, mas jamais causa empatia, ao passo que em Trapped há muita doideira subjacente, mas sem tentativa de ostentar. Ambas me deixaram frio; a inglesa no sentido pejorativo; a islandesa como consequência de todos os elementos invernais armados pra congelar a espinha da gente.


Encabeçando o elenco, Ólafur Darri Ólafsson, favorito de Kormákur, como o policial tristonho transferido da capital pro interior, por haver cometido erro. A carona do casmurro grandão, encapotado pelo cortante frio, conquista a simpatia logo. O rol de escolhas obviamente não é extenso em país tão diminuto, então os familiarizados com cine e TV islandesas reconhecerão muitas fisionomias, embora pra nós os nomes sejam esquisitos. Nína Dögg Filippusdóttir, que já teve até resenha-dobradinha no blog; Ingvar Eggert Sigurðsson, de Málmhaus e até o dinamarquês Bjarne Henriksen (que barrigudo!) estão lá. A grata descoberta pra mim foi de Ilmur Kristjánsdóttir, como a policial Hinrika; amei.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

CAIXA DE MÚSICA 241


Roberto Rillo Biscaro

Fãs de pop/rock não deveriam ter preconceito contra música country. No caso do rock’n’roll, foi sua fusão com gêneros negros como o blues que tornou possível a existência de artistas de Elvis a Ghost. Há desde os casos explícitos de roqueiros que lançaram material country, como Robert Plant, até influência forte: como classificar o dedilhado da guitarra do progressivo Steve Howe, em The Clap ou de um dos pais do indie rock, Johnny Marr, em I Want The One I Can’t Have? A aproximação com o pop vai desde a impossibilidade de se dizer se tal balada é country ou não, até traços explícitos como na infecciosa Karma Kameleon, do oitentista Culture Club ou em algumas canções dos dois últimos álbuns da diva R’n’B K. Michelle.
Música de alta qualidade desconhece fronteiras de gênero e não deveria sofrer preconceito. Ponto. Ainda mais quando 3 ícones se unem, como aconteceu em 1987, quando Dolly Parton, Linda Ronstadt e Emmylou Harris lançaram seu primeiro álbum colaborativo, Trio. Já acostumadas a transpor linhas que supostamente dividem subgêneros, essas mulheres têm CV invejável. Juntas já venderam mais de 200 milhões de álbuns em carreiras que têm sobrevivido décadas e modismos mesmo dentro de seu mundo country. Em 1998, saiu Trio II e desde então nenhuma colaboração.
Se não fosse pelos sensíveis ouvidos caninos, era para se saudar com rojões o lançamento de The Complete Trio Collection, dia 3 de setembro, pela Rhino Records. O CD triplo reúne os 2 álbuns e 20 mixes alternativos ou gravações jamais lançadas das senhoras cantando juntas. Não é bem “complete”, porque ficaram de fora um par de gravações dos 70’s, mas, mesmo assim não dá para reclamar demais. O material é excepcional.
O CD 1 traz a versão remasterizada das 11 canções do fundamental Trio. O que o torna clássico – dentre tantas coisas – é a sapiência de ter escapado da sonoridade entulhada da década, o que não lhe impõe a pecha “um produto de seu tempo”. Trio, em sua sublime acusticidade de violões e banjos, é aula magna de country, folk, bluegrass, harmonias vocais celestiais (confira Making Plans, The Pain Of Loving You; quase bobagem indicar essa ou aquela) e melodias lindas de viver, como em To Know Him Is To Love Him, que faz sorrir com a linda letra romântica e mostra como as baladas 50’s são devedoras da country music. Farther Along é puro spiritual; Rosewood Casket poderia tranquilamente constar de algum álbum de folk progressivo britânico à The Amazing Blondel; Telling Me Lies agrada a quem passou pelas baladas easy listening dos 70’s e 80’s e percebe o débito desses estilos ao country e I’Ve Had Enough apenas com seu silêncio de piano dinamita a fronteira: quem diz que aquilo é country? Poderia estar em trilha da Broadway ou de desenho da Disney. E quem diz que é realmente importante saber se é tal ou tal subgênero? O negócio é ouvir essa obra-prima.


Embora gravado anos antes, Trio II saiu apenas na aurora de 1999 e não gerou singles de sucesso, porque àquela altura as 3 estavam “velhas demais” pra programação das rádios country ou da CMT (Country Music Television, que na época abriu o sinal durante meses pra quem tinha antena parabólica aqui no Brasil, então conferi um pouco da programação). Artisticamente, o álbum por pouco não é obra-prima como seu mano mais velho. O clima telúrico do country, folk e bluegrass predominante em Trio convive com um par de faixas mais próximas do country pop ou do que rolava na CMT à época, como He Rode All The Way To Texas. Sem purismo, essas faixas são boas, mas destoam da essência do que se esperava do Trio. The Blue Train caberia num álbum oitentista de Ronstadt ou da Carly Simon ou dos Pretenders. Nada contra, mas nada tem a ver com a beleza quase de endoidecer de números como High Sierra, aí sim, vemos o diferencial e a potência de harmonização da Parton, Harris e Ronstadt. Feels Like Home poderia estar num trabalho da Rita Coolidge, mas só Emmylou Harris pode levar You’ll Never Be The Sun à estratosfera sem alarde. Enfim, as três são tão boas que um Trio “inferior” ainda é 100% aproveitável.


Corriqueira nessas box-sets escarafunchadoras de baú a presença de faixas que só podem agradar a fãs obcecados. Versões que ouvintes casuais sequer conseguem distinguir das originais, canções deixadas de lado pelo óbvio motivo de serem fracas/ruins, remixes tediosamente longos ou que desconstroem a melodia, gravações ao vivo pra encher linguiça. Nada disso se passa no também remasterizado CD 3 de The Complete Trio Collection. São 20 faixas de aproveitamento também 100%. As mixagens alternativas das músicas presentes em Trio e II são quase tão boas quanto as escolhidas para os álbuns; apenas diferentes. Chega a espantar a fartura do material que tinham para escolher, porque as inéditas são igualmente mortíferas, vide Waltz Across Texas Tonight e Pleasant As May, com sua linda letra dizendo que o frio dezembro setentrional fica prazeroso como o tépido maio, ao lado do mozão. Se o spiritual Softly And Tender, por exemplo, tivesse constado do álbum de ’99, esse seria mais homogêneo e atingiria o status do primeiro, tamanha a suave força desse material inédito. Aproveitando o ensejo, os curadores incluíram colaborações esporádicas das 3, ausentes dos 2 álbuns. Se você ouvir no fone de ouvido o bung bung bung bung da popice 50tista de Mr. Sandman ficará arrepiado com a harmonização por uns bons minutos.
Infelizmente essa mágica tem chance quase zero de se repetir, uma vez que o Parkinsou aposentou Linda Ronstadt. Mas essa trinca de CDs está aí; legado dessas mulheres, que, independentemente do gênero musical, devem ser ouvidas, porque têm universos a ensinar. 

domingo, 23 de outubro de 2016

MISS E MISTER ALBINISMO

Concurso para escolher a Miss e o Mister albino 2016

Competição realizou-se no Quénia e serve para vencer o estigma e a discriminação

Mr e Miss Albinos 2016
O primeiro concurso Miss e Mister Albinismo realizou-se esta semana em Nairobi, num movimento contrário ao da situação em alguns países africanos, onde os albinos são estigmatizados e mesmo atacados.
O objetivo do concurso é mostrar “que existem albinos bonitos e bem consigo mesmos” dois termos “raramente associados” no que lhes diz respeito, disse Isaac Mwaura, o primeiro deputado albino queniano que é também o organizador da competição, citado pela agência France Presse.

NOTA DO ALBINO INCOERENTE: você encontrará muitas fotos do evento nos links abaixo:

http://www.sabado.pt/multimedia/fotografias/detalhe/quenia_nesta_noite_de_beleza_os_albinos_nao_foram_perseguidos.html

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

PAPIRO VIRTUAL 112

UNS E OUTROS VERSOS

Roberto Rillo Bíscaro

Há alguns meses, o poeta João Luis dos Santos surpreendeu-me com o convite para prefaciar seu livro Uns e Outros Versos. Mais afeito aos textos dramáticos e narrativos, fui convencido pelo amigo com a seguinte tirada: “Robert, não é pra escrever uma tese; é só um texto de lauda, lauda e meia”. Como conheço a produção dele desde os anos 80 e gosto como pessoa, topei o desafio.
Em setembro, Uns e Outros Versos foi lançado pela EditoraScortecci, na Bienal do Livro, com sucesso. Na propaganda do lançamento, aprendi que o texto de apresentação é do poeta Thiago de Mello. Imagine, eu, “companheiro” de Thiago num livro? Envaidecido, grato, João!
Dia 28 será o lançamento aqui em Penápolis, na Loja Maçônica. Outro orgulho: a seleção de textos é de meu amigo de desde os anos 80 e ex-aluno Renato Costenaro. A organicidade da precisa escolha merece tantas loas quanto o labor poético de João Luis.
Já que fui incumbido de apresentar o escritor para os leitores do livro, usarei meu texto em Uns e Outros Versos para apresentar a obra aos leitores do blog:

Os Entes do Mundo Nosso, primeiro livro de João Luis dos Santos, foi lançado em 1984. Parceria com o hoje historiador Antônio Carlos Duarte de Carvalho, os poemas ainda adolescentes mostravam características perenes na vida e obra do autor: engajamento social e preocupação com o burilar da palavra; ourivesaria consequente, nada que ver com aquela alienada do Parnaso ou com um simples manipular de léxico-LEGO para fazer gracinha erudita Concreta.
João foi ser professor, mestre literato. João foi ser prefeito de sua amada Penápolis. Habita em dois planos que parecem tão díspares: o idealizado Mundo das Letras, que tantos desavisados querem desgrudado do “Real” e o vilificado cenário político, que por mau exemplo de alguns – até metidos a escritores, só que ruins – parece incompatível com a poesia. João Luis conectou os dois, trazendo conteúdo sócio-histórico para sua poesia e boa poesia para sua política, com seu jeito manso e conciliador.
Enquanto lia Uns e Outros Versos, repetidamente me vinha à cabeça a famosa epígrafe de E. M. Forster no romance Howard’s End: only connect. O escritor inglês ressaltava a importância moral da ligação entre os indivíduos, transpondo barreiras de classe, etnia, gênero e o que mais fosse. Conector de esferas por natureza, Joao Luis dos Santos (e também de nós pobres pecadores mortais) continua sua lida de engajamento social e amor às palavras.   
Conexão, ligação, irmandade. A produção poética de João Luis dos Santos explora ou tangencia tais ideais. A Ponte liga os entes do mundo nosso separados por tantos motivos, mas há um que no final nos irmana a todos: Somos Todos Africanos. A Amiga Saudade dói, mas conecta memórias; os metropolitanos Sentindo a Garoa têm pressa de ir para seus lares, porque querem a intimidade familiar.
Ao nos mostrar seu Autorretrato Escrito Quase Falado, admite ser da cidade e do campo. É essa bipolaridade conectiva que lhe permite detectar a simbiose entre Homem e Natureza na Arrumação que coroa o campo para a plantação.
Curioso por conhecer cada palmo de Nosso Chão – com destaque para o pronome pessoal no plural – João Luis comemora a progressiva união dos Afropenapolenses às demais etnias constituintes de sua sempre versejada Penápolis. APAExonado por balancear diferenças, o poeta celebra as distintas formas de ser, ver, ouvir, sentir e enxergar a vida.
Retrato Três Por Quatro conecta o João Luis do passado ao atual senhor de meia-idade conservado. Um não excluiu ou matou o outro, afinal são distintos, mas são o mesmo. Dois Joões em um; um João em dois. A mesma habilidade de quando jovem para des/reconstruir o léxico, sapequeando com as palavras, agora com mais maturidade e profundidade; mais do mesmo no bom sentido, mas diferente.
Dividido em duas partes, a primeira de poemas mais longos e a segunda de experiências mais vanguardistas, concretas de poema-piada, a coesão de Uns e Outros Versos está na qualidade do labor poético de burilação das palavras, preciosas poeticamente e relevantes socialmente.
 Roberto Rillo Bíscaro
Penápolis, 22 de abril de 2016.

João Luis liberou alguns poemas para reprodução no blog:

Arruação (João Luis dos Santos)
As mãos calejadas
seguram firmes a
enxada o
arado a
marmita o
facão.

Antes de o sol nascer a
labuta contínua
coloca ordem na
plantação:

Simetria do homem na
natureza feita uma
coroação 
nos pés de
café
cana
milho
algodão.


Somos todos africanos (João Luis dos Santos)
Qual é a cor dos seus sonhos?
Seu sangue, qual a cor?
Você tem quantos corações?
Quantos cérebros você tem?

Talvez os seus sonhos sejam diferentes dos meus.
Os seus sentimentos, talvez, sejam diversos dos meus.
As suas crenças, distintas das minhas, talvez.
A tonalidade de sua pele,
a cor dos seus olhos,
a textura de seus cabelos,
o formato de seu nariz, do seu corpo.
Quantas dessemelhanças em relação a mim!

Sim, somos díspares,
há uma diversidade entre nós.
Somos frutos de diversa cultura,
diversas árvores lógicas,
formatados em lutas e esperanças.

Mas também somos
muitos iguais nessa vida:
se a gente puxar bem todo o fio da meada,
do começo ao fim, pouco ou muito,
é fatal e ninguém pode mudar,
todos somos
somos todos
africanos.


Som
 (João Luis dos Santos)
Não
sei
se
soul
ou
se
jazz.

 Uns e Outros Versos pode ser adquirido na loja virtual da Scortecci e em livrarias como a Cultura. Recomendo.

KANIMANBO

Kanimambo, a associação que ajuda os albinos de Moçambique

Os albinos são particularmente perseguidos em alguns países africanos. Só em Moçambique são conhecidas sete rotas de tráfico de órgãos utilizados por curandeiros, mas há portugueses que querem ajudar.

Em países como a Tanzânia e o Malawi, teme-se que as pessoas com albinismo enfrentem pura e simplesmente o perigo de extermínio. Num relatório de abril deste ano, a ONU alertava para o "risco de extinção sistémica" das 10 mil pessoas com albinismo que vivem no Malawi.
A situação é muito preocupante também em Moçambique, onde são conhecidas sete rotas de tráfico de órgãos humanos utilizados por curandeiros. A situação está a preocupar o governo de Maputo.
Em 2012, duas jovens portuguesas viajaram até ao parque nacional da Gorongoza, em Moçambique, e conheceram a dura realidade vivida pelas crianças com albinismo, vítimas de discriminação que pode chegar à violência extrema.
Depois contactaram a UCCLA propondo a angariação e envio para Moçambique de protetores solares que pudessem aliviar o sofrimento de centenas de pessoas com albinismo. Desse contacto nasceu o projeto Kanimambo - Associação de Apoio ao Albinismo cuja ação tem vindo a crescer.
As duas representantes, Margarida Carneiro e Vera Mendes, estiveram na TSF à conversar com o jornalista Fernando Alves.

Confira o áudio no link:

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

TELONA QUENTE 172

Resultado de imagem
Roberto Rillo Bíscaro

A julgar pelo documentário sobre filmes trash australianos (resenha aqui) e pelas 2 dobradinhas com películas de horror de lá (aqui e aqui), a impressão é de que o país-continente é paraíso pra amantes desse subgênero. Engano ledo. O criticamente aclamado The Babadook, por exemplo, mal conseguiu salas de exibição em seu país natal. Então, produtores priorizam mercados externos ou tentam contatos mais personalizados com público e exibidores locais via redes sociais. Esse é o caso dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, roteiristas-diretores de Scare Campaign (2016), ainda praticamente desconhecido, mas que terá sua popularidade aumentada assim que lançado nos EUA, semana que vem.
Scare Campaign é um programa de TV especializado em pregar peças de mau gosto envolvendo temas sobrenaturais, sustos e as humilhações públicas que a era digital tanto incentiva. A audiência está caindo, porém, porque os jovens cada vez mais assistem a programas feitos pela mídia alternativa, via computadores. Seu rival mais poderoso é Masked Freaks, que apresenta assassinatos online, captados no mundo todo. Algo como a globalização dos snuff films mediante facilitação de acesso à internet profunda. Filmes snuff mostram mortes ou assassinatos reais de uma ou mais pessoas, sem a ajuda de efeitos especiais, para o propósito de distribuição e entretenimento ou exploração financeira. Cercados por forte névoa de lenda urbana, os snuff films estão há décadas no imaginário do horror.
Os produtores decidem alavancar a audiência utilizando como locação um desativado hospital psiquiátrico e como “trouxa” (eles se referem aos recipientes das brincadeiras como “stooges”) um ex-funcionário, também ex-paciente. É óbvio que tudo desanda e acaba em carnificina.
Utilizando elementos snuff e uma pitada de found footage film (câmeras que dão pau, coisas assim, não se preocupe quem não guenta mais esse tipo de produção!), Scare Campaign é um bom slasher, que acorda um pouco do torpor dos filmes de horror deste ano. Uma das reviravoltas da trama, percebe-se logo de cara, mas a segunda, não necessariamente.
O orçamento bem zerado impediu que as mortes fossem mais legais, mas só o fato de terem fugido um pouco dessa tendência de horror mediante tortura (acho um porre!) e colocarem gente correndo, sendo perseguida, assassino aparecendo do nada, corpo descoberto pendurado, enfim, elementos de slasher clássico, já recomenda Scare Campaign, que poderia ter caprichado um pouco no aproveitamento das personagens inseridas com a segunda plot twist. O final podia ser menos preguiçoso.  
Não vai mudar sua vida ou reposicionar a Austrália na geopolítica do horror, mas entreterá por uns 80 minutos.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

CONTANDO A VIDA 168

DIREITO À VIDA E À MORTE: O QUE DIZ DESMOND TUTU.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Sempre que escrevo alguns textos que podem provocar debates, trato de enviá-los para amigos, ex-alunos e outros eventuais interessados. E então recebo retornos bons, alguns entusiasmantes e que convidam a digressões. Devo dizer, de saída, que nem sempre as ideias se afinam em conclusões amigáveis ou sequer tangíveis. Pelo contrário, as oposições se explicitam e isso nos faz críticos e assim melhores cidadãos, mais respeitosos. Nada como o diálogo instruído e feito no sentido positivo da conversa que busca esclarecimentos. É verdade que os temas que instigam querelas, ultimamente, têm sido mais explosivos e partidários, às vezes deprimentes, mas quando se atravessa o turbulento rio da irracionalidade, pode-se beneficiar com posturas construtivas e daí decorrer crescimentos que dimensionam mudanças ou reafirmações. O desagradável é quando o debate se esvazia de conteúdos argumentativos e tudo se reduz aos inefáveis “eu acho”, “na minha opinião”, ou então quando o interlocutor se apega a exemplos do tipo “minha tia perdeu o emprego”, “a vizinha foi ao hospital e não foi atendida”. E como dói ouvir algo que finaliza com “deu na televisão”, “está nos jornais” “está escrito”. Talvez o pior de tudo é quando alguém pontifica “é assim que mandam os mandamentos bíblicos”. Avesso disso, porém, os comentários do meu texto sobre o “direito à morte digna”, ou “morte assistida” mereceram cuidados, reparos, juízos bem situados. Isso, aliás, justifica a volta ao tema.
Diria que tudo ganhou dimensões ampliadas quando o bispo emérito da Cidade do Cabo, na África do Sul, o anglicano Desmond Tutu, ao celebrar seus 85 anos declarou que defende a dignidade na morte. Isso dito por alguém que em 1984 recebeu o Prêmio Nobel da Paz deu quilate ao assunto. O jornal “Washington Post” divulgou, com destaque surpreendente, a notícia anunciando pelas palavras do sábio que ele “sempre lutou pela dignidade dos vivos”, mas que agora passava a lutar também “pela dignidade na morte”. E são dele as seguintes palavras “assim como argumentei firmemente pela compaixão e igualdade em vida, acredito que pessoas com doenças terminais devem ser tratadas com a mesma compaixão e igualdade quando se trata de suas mortes”. Isto dito por alguém que tem a autoridade religiosa e o vigor de ter passado bravamente pelas questões do Apartheid, ganha peso diferente, em particular quando este é diagnosticado com infecção recorrente, sugerindo agravamentos.

Mas há algo a mais nessa postura, pois há dois anos, o mesmo religioso publicou em outro jornal, o “The Guardian”, um libelo exatamente contra a “morte assistida”. O sensível da trama é que o arcebispo assume ter mudado de postura e se justifica. A reflexão que se faz, pois, vai além da mera alteração de postura. Muito mais, interessa notar que agora, doente, o personagem vivencia outra legitimidade. Precisei me valer do complemento dado pelo admirável bispo para retomar minha proposta. Aproxima-se o dia dos mortos e o tempo dedicado aos finados é ocasião propícia para a retomada do assunto em uma chave mais ampla. Temas como luto, dores familiares por perdas inesperadas, limites de tratamento de doenças, fatalidades ligadas à saúde em geral, se amarram como polos fulcrais para a redefinição da qualidade de vida hoje. Algo que muito me surpreende e chama a atenção é a carência de atualização nas abordagens sobre questões vinculadas à morte e ao comercio existente nessas passagens. Dentre todas, porém, a mais expressiva falta é exatamente a que se refere ao ato e participação dos personagens que inevitavelmente têm que passar pelo crivo do fim. Sinceramente, do fundo do meu coração: eu gostaria de decidir, no caso de haver escolha, como e quando quero morrer. E também saúdo a vontade de doar todo e qualquer órgão. O que sobrar, que vire cinzas. Tomara que persistam memórias. Boas memórias.  

terça-feira, 18 de outubro de 2016

QUILOMBOLAS ALBINOS

Secretaria de Saúde leva atividades à comunidade quilombola

Cinquenta crianças participaram de brincadeiras nesta sexta-feira (14)
Agência Alagoas
Comunidade teve um dia de muita animação e diversão
DivulgaçãoComunidade teve um dia de muita animação e diversão
Um dia de muita brincadeira, diversão e alegria foi o que a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) levou às crianças da comunidade quilombola Filus, localizada no município de Santana do Mundaú, Zona da Mata. A ação aconteceu no pátio da Escola Ulisses Sousa de Mendonça, nesta sexta-feira (14).
“Viemos até aqui para trazer algumas atividades para os pequenos dessa comunidade tão carente em alusão ainda ao Dia das Crianças. Trouxemos profissionais de educação física que ensinaram novas maneiras para brincar utilizando os brinquedos que eles possuem em casa como cordas, bolas, bambolês, para que possam brincar de uma maneira diferente sempre que quiserem”, Valéria Marciel, técnica da gerência de Atenção Básica da Sesau.
No meio das 50 crianças estava o pequeno Ricardo da Silva, de 10 anos, que sonha ser motorista para conhecer outros lugares além das serras que cercam a comunidade.
“Eu venho aqui pela manhã para brincar com os meus amigos, jogar bola, brincar de pega-pega, pular corda e no horário da tarde venho para a escola para estudar, porque quero ser motorista e poder conhecer outros lugares”, disse o menino.
A presidente do instituto Irmãos Quilombolas, Cícera Vital, exaltou a iniciativa do governo em levar ações para essa comunidade tão carente nas mais diversas áreas.
“Essas ações mostram que o governo do Estado se importa com as comunidades quilombolas. As pessoas podem considerar que essas atividades são simples, mas elas alegram o dia dessas crianças que não possuem muitas opções de lazer”, afirmou.
 
A comunidade conta com a presença de nove pessoas com albinismo, uma alteração genética caracterizada pela ausência total ou parcial de pigmentação da pele, olho e cabelo. Entre as cinco crianças albinas da comunidade encontramos a futura professora Thaíse da Silva, de 8 anos, colorindo um desenho ao lado da irmã Thaueny da Silva, de 2 anos.
“Eu estou no 2º ano do ensino fundamental e gosto muito de ler e escrever e quando eu crescer serei professora aqui dessa escola, para poder ajudar outras crianças que também é legal ler e escrever”, disse a pequena que estava encantada com as brincadeiras desenvolvidas, além de estar muito ansiosa para brincar do que mais gosta: pular corda e brincar de bambolê.
Ao final das atividades foi feito um lanche coletivo com os pequenos e brinquedos foram distribuídos para as crianças presentes na ação.