segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

CAIXA DE MÚSICA 89

Roberto Rillo Bíscaro

Manchester, nos anos 1970, era pálida lembrança dos dias de Elizabeth Gaskell. A melhor tradução urbana da Revolução Industrial cedera lugar a uma cidade arruinada e suja. A demolição de velhas construções semibombardeadas ensejou a construção de desumanizadores conjuntos residenciais. Desemprego, pobreza e criminalidade abundavam.
Até que em junho de 76, os Sex Pistols tocaram no Free Trade Hall, num show hoje mitológico. A partir dele, muitos jovens manchesterianos sacaram que criar uma banda era alternativa pra sair do marasmo. Uma delas foi a Joy Division, definidora de muito do que se convencionou chamar pós-punk. Em termos de Brasil, basta escutar o álbum de estreia da Legião urbana, pra saber do que estou falando.
Revi o documentário Joy Division (2007), no dia de Natal, especialmente pra resenhá-lo pro blog. Dado o caráter depressivo das letras, talvez não a melhor escolha pras festas de fim de ano.

Ian Curtis (vocal e letras), Bernard Summer (guitarra), Peter Hook (baixo) e Stephen Morris (bateria) eram fãs de Iggy Pop e Velvet Underground, que mal sabiam tocar seus instrumentos, mas que, com o produtor Martin Hannett, inventaram uma nova sonoridade. Esparsa, fantasmagórica, com o baixo lugubremente pesado, mas  por vezes, dançante, sem deixar de ser lúgubre; a guitarra que às vezes parece serra (Atrocious Exhibition é modelar nesse quesito) e a bateria de outro planeta. Som solene, arrastado, mas não destituído de delicadeza (confira o teclado de Atmosphere, com seu rastro de cacos de cristal). Joy Division somou boa produção à fúria punk. Sons de elevadores e até mesmo potencial dançante (Transmission pré-data em anos o estilo discoteca pra zumbis, do Sisters of Mercy ou Fields of the Nephilim).
Joy Division, o documentário, traz os sobreviventes da banda e figuras como Tony Wilson, dono da influente Factory Records, falando sobre a trajetória desse grupo fundamental. Juntamente com imagens e recortes de jornal, aprendemos como Summer, Hook e Morris não souberam lidar com o torturado Ian Curtis, que se enforcou em 18 de maio, de 1980, 24 horas antes de tomar o avião que levaria a já criticamente idolatrada Joy Division pra sua primeira turnê norte-americana. 

O epilético Curtis, com sua espasmódica presença de palco e referências literárias que vão de Dostoievsky a William Burroughs, compôs letras expressando profunda depressão e desespero, pedidos de socorro que ninguém ouviu. O programa relata a inspiração pra alguns clássicos. She’s Lost Control nasceu depois que o cantor viu uma moça ter um surto de epilepsia e saber de sua subsequente morte. A definitiva Love Will Tear Us Apart é fruto de sua dúvida angustiante entre o casamento falido e a namorada francesa.
Joy Division deixou 2 álbuns – Unknown Pleasures e Closer (perfeito, perfeito) – e um legado que somado a bandas como os Smiths, faria de Manchester uma das cidades-referência do pop/rock oitentista. Se o neoliberalismo de Thatcher remodelou sua infraestrutura, em parte foram suas bandas que a tornaram centro de excelência cultural.
Depois do suicídio de Ian Curtis, a Joy Division metamorfoseou-se em New Order, pérola synth-dance-pop, um dos produtos de exportação cultural mais valiosos da Grã-Bretanha 80’s. O documentário e atitudes recentes de Summer e Hooky atestam pra obtusidade de seu caráter. Mas, como não respeitar suas contribuições pra cultura pop?
O documentário pode ser visto no You Tube, sem legendas:

Quem quiser se aprofundar no mundo de Ian Curtis, pode se interessar pela excelente cinebiografia Control (2007), disponível com legendas em português. Se eu fosse você, assistiria.

Um comentário:

  1. Muito bacana, Roberto, conhecer esses cantores que, apesar de terem feito música na época em que eu nasci, eu os desconhecia.

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