segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 346


Roberto Rillo Bíscaro

Houve tempo em que Burt Bacharach era sinônimo de cafonice. Hoje, a palavra cafona pereceu e houve “reavaliação crítica” (gargalhada) e ninguém se atreve a disputar seu lugar no panteão dos maiores compositores populares do século passado.
Como jamais dei bola pra essas coisas, sempre amei Burt com abandono. Pra mim, a melhor coisa dos anos 60 e uma das melhores da primeira metade dos 70’s (porque daí já havia philly soul, Genesis).
Quando sei dalgum lançamento bacharachiano, ouço. Não que os busque, porque os originais significam tanto pra mim, mesmo repetidos milhares de vezes.
Soube de dois, um deles de material original, então não podia deixar de comentar.

Há meio século, Dionne Warwick era estrela internacional de primeira grandeza. O semiesquecimento de hoje é muito injusto. Negra e gravando em selo independente fundado por mulher, Warwick cravou diversos sucessos nas paradas.
Na Scepter Records, Dionne gravou as primeiras versões, que não poucos julgam definitivas, de músicas de Burt Bacharach e seu parceiro Hal David.
No comecinho deste ano, saiu compilação de 26 faixas, chamada Odds & Ends -Scepter Records Rarities, recomendada especialmente para experientes em Dionne Warwick. Neófitos não deveriam ser expostos a versões alternativas, outtakes e diferentes mixes de pérolas como I Say a Little Prayer ou Don’t Make Me Over. Longe de serem ruins, mas há uma razão porque não foram as escolhidas dentre as várias sessões de gravação para serem os lançamentos oficiais.
Não há só Bacharach nesse repertório, mas ele é o filé mignon. Que devoto não amaria ouvir clássicos como A House Is Not a Home e Walk On By em alemão, francês e italiano? A despeito da imensidão do mercado em língua espanhola, àquela época as gravadoras anglo-sediadas nem lhe davam bola. Provavelmente a pronúncia deixe a desejar, mas quem resiste ao solo de trompete de How Many Days of Sadness, em francês? Dá uma baita saudade de não sei quê. E a voz de Warwick é tão maviosa que pouco importa pra não italianos como ela cante The Windows of the World. Também há o jogo inverso: uma versão em inglês de La Vie em Rose.
O título da coletânea provém da versão alternativa da faixa Odds & Ends. Toda essa geração moleca que se delicia com fofuras indie pop daqui ou de lá fora devia ouvir isso. Burt Bacharach praticamente inventou esse pop assobiável, que dá vontade de estalar dedinhos, fazer papapa e sair pulando pela rua de oclão e maria-chiquinha.
Pessoal do sophistipop também deve muito à Dionne e Burt. Ouça Amanda, que começa discreta até explodir naquelas orquestrações “exageradas”’ dos 60’s, que o Swing Out Sister copiava com perfeição e gosto nos 90’s e começo dos 00’s.
A coleção oferece ainda curiosidades como Warwick cantando Monday, Monday do The Mamas and the Papas. Que modulação que sua voz dá à melodia! Respeito, mas nunca fui muito fã dos branquelos sessentistas; pra mim o melhor da década é soul e R’n’B da Motown, Stax, Atlantic e indies, como a Scepter, claro. Assim, essa versão de Monday, Monday é minha favorita desde o começo de 2018 (não que isso signifique muito, porque nem ouvia a original).
Ainda há o studio mix delicioso de I Love Paris, super big band e o jazzinho sacana de C’est Si Bon. Como a França era paparicada, não? Hoje alguém ainda se importa?
E pra provar que Odds & Ends -Scepter Records Rarities é mais indicada pra quem é mais obsessivo e experiente em Warwick/Bacharach, a última faixa é composta por comerciais de rádio e mensagens da cantora e, no fim, pra arrepiar, o Mestre recomendando duas coletâneas de Dionne.

Jonathan Butler nasceu, em 1961, na segregacionista África do Sul. Lá o apartamento entre brancos e negros era legalizado e o músico fez sua parte pra que essa maldade desaparecesse como instituição. Excursionando desde tenros sete anos de idade e sendo ídolo teen em seu país, Butler começou a compor no fim dos 70’s e logo se mudou pra Londres, onde ficou por anos.
Nunca massivo, seu sucesso sempre foi mais entre pares e o público de smooth jazz, urban soul, R’n’B, enfim, nós que amamos uma boa vibe afro. Dia 24 de agosto, o cantor e guitarrista lançou Close To You, cujo título ref(v)erencia um dos temas mais conhecidos/regravados de Bacharach/Davis. Das 11 faixas, uma dezena é releitura da dupla norte-americana. A exceção fica é Cape Town, ode à cidade natal de Butler, com clima de tema de Olímpiada ou copa do Mundo, à Shakira. Tem até “kaya kaya”, ou seja o que for, na letra. Gostosa a pegada afro, que informa também vários dos standards bacharachianos, como I’ll Never Fall In Love Again.
Como Butler é exímio violonista (confira a lenta A House Is Not a Home) e guitarrista, um par de letras de Hl Davis foi pro espaço, como em I Say A Little Prayer e Do You Know the Way to San Jose? Nada de errado, afinal as homenagens são sempre pra sonoridade que Burt criou e no caso da primeira canção, ficaria até meio estranho o pio Butler cantando sobre pensar no bofe enquanto se maquia. Versões sem letra de Do You Know..., porém, sempre me soam redutivas, porque rompe ironia não sei se proposital, mas cruel: a brejeira melodia acompanha letra que fala de fracasso retumbante e volta pra casa: são os tantos sonhos de estrelato hollywoodianos que não passam de frentistas de posto de gasolina.
Essa canção – a abertura, inclusive – resume bem Close to You, o álbum: é legal, pinta com tons distintos alguns clássicos, mas não supera ou iguala nenhuma versão mais ortodoxa já ouvida.
Dá pra ouvir de boa e gostar dos soul-jazz midtempo em que foram transformadas Walk On By, Alfie e The Look Of Love e se entusiasmar com a maciça influência de Steve Wonder em This Guy’s In Love You. Mas, não recomendo como introdução à Burt Bacharach; melhor versões mais fieis (claro que não indicarei os originais, porque daí é covardia com quem faz homenagem). 
Se você já é convertido, poderá achar interessante e competente.  

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

TELONA QUENTE 268

Roberto Rillo Bíscaro

Até hoje, não consigo ver cabides de arame sem me lembrar da antAlógica cena em que Fae Dunaway, interpretando Joan Crawford, espanca sua filha Christina, no exagerado Mamãezinha Querida (1981). Ao longo das décadas, lixos assim ou como o pavoroso Diana (2013), desavergonhadamente inventam/especulam sobre vidas de celebridades mortas, e, portanto, incapazes de dar sua versão dos fatos. Esses filmes facilmente passam a se constituir como versões oficiais dos fatos. Apareceu na tela (qualquer que seja), é verdade.
Várias dessas produções divertem, porque são tão ruins e é por isso que amo assisti-las. Escolho não acreditar em nada que vejo e mergulho no mar de lixo-luxo. Só mesmo com essa atitude pra “defender” Grace de Mônaco (2014), que eu sequer sabia da existência antes de trombar com no catálogo da Netflix.  
Em 1956, a atriz norte-americana Grace Kelly realizou o sonho conto-fadista do século XX: uma plebeia se casar com um príncipe, no caso, o de Mônaco. Diana era lady, há anos, ao se casar com Charles; sua família mais antiga e inglesa que a do marido; ao passo que Kelly era filha de novo rico ianque. Claro, ambas tinham grana.
Grace de Mônaco retrata a transformação de Grace Kelly em Grace de Mônaco. É meio como um The Crown pro canal Lifetime (aliás, única TV norte-americana que aceitou exibir o filme): a atriz tem que sacrificar sua individualidade, mas ao fazê-lo – ao contrário da série britânica -  tornar-se-á  a monarca monegasca e cumprir sua missão histórica de conduzir seu povo, salvar seu país através de sua individualidade. Dito assim, parece conceito muito esperto de subversões, mas não é; é uma bobeira.
Como a realidade foi bem menos heroica que o necessário pra esse tipo de narrativa, o roteiro quer que acreditemos que seis anos após seu casório, Grace ainda não se adaptara ou aprendera a complexa etiqueta da realeza. Quando uma crise entre Mônaco e o General De Gaulle põe em xeque a existência do principado (mentira, foi tudo bem mais suave!), Grace mostra a que veio. Recorre à ajuda de Derek Jacobi pra aprender a ser princesa (tão vendo, porque amo esses filmes?) e à Hitchcock desvenda trama palaciana e vira ícone em um discurso num evento de gala da Cruz Vermelha. Em meia dúzia de anos, ela não conseguira perceber o que o conde ou sei lá quem, a ensina em dias? Que droga de atriz não observadora era essa?
Exceto pelo figurino, é tudo deliciosamente tolo. Nicole Kidman recebe cada close-up de surtar Norma Desmond; Tim Roth fuma desesperadamente com mãos expressionistas; os sotaques são de teatro de segunda; tem governanta à de Rebecca (Hitchcock, darling); Derek Jacobi tem um papagaio e o roteiro até “explica” como Grace faleceu. Quando ela ficava brava, subia as colinas pra casa dirigindo feito louca. Mais velhos lembrarão que ela morreu, porque despencou dum desses penhascos, então, o propósito da cena é óbvio. Mas, na verdade, ela teve um AVC, por isso, perdeu o controle e voou pra baixo. Pelo menos, essa é a versão oficial... É muito mais glam imaginar como Grace de Mônaco nos induz, pra ser sincero, gente!
É muito ruim, recomendo demais!

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

TELINHA QUENTE 341

Roberto Rillo Bíscaro

Qualquer abuso sexual é indigno, mas o estuprador serial Roger Abdelmassih é especialmente abjeto, porque se aproveitava da posição de macho de prestígio e mando para assediar mulheres fragilizadas. Numa sociedade que eleva a maternidade a níveis quase impossíveis de dedicação e amor, ser infértil deve ser traumatizante. Assim, decidir-se por fertilização artificial tem implicações emocionais e financeiras que deixam mulheres especialmente vulneráveis. E nem falo da literal indefesa causada pela anestesia, que o ex-médico não se furtava de aproveitar.
O roteiro da ótima Assédio, minissérie que a Globoplay adicionou a seu catálogo, há alguns meses, é livremente inspirado no infame caso do Doutor Vida, que infelizmente, ora se repete com renomado médium, outro macho em posição de poder sobre gente desesperada.
Os dez capítulos oferecem repulsiva pintura íntima de Roger Sadala e de algumas das mulheres assediadas. Repulsiva não deve ser entendido como de baixa qualidade, pelo contrário, Assédio está entre as coisas mais poderosas que vi em 2018 e o pra mim tão simpático Antônio Calloni conseguiu me fazer ter nojo dele, ou melhor, da personagem. O mérito não é apenas seu, todo mundo está ótimo, com destaque também pra destruída Stella, de Adriana Esteves.
Assédio é filmada em tons sombrios, com música austera; não é fácil, rápida e divertida de assistir. Amora Mautner, Joana Jabace, Guto Arruda Botelho e equipe não espetacularizaram a miséria de tanta gente. A história de ascensão e queda de Roger é contada de forma temporalmente fragmentada, intercalada com depoimentos das vítimas ficcionais, num trabalho de montagem que, além de competente, empresta caráter quase de docudrama à produção.
Assim que o escândalo eclode, na metade da mini, a narrativa se acelera. É como se a forma acompanhasse a trama, porque, embora saibamos o desfecho do Roger real (“preso” numa casa diversas vezes maior que a minha, de cidadão “livre”), vivemos diegeticamente o nervosismo das denúncias, depoimentos, fugas e captura.
Através do relacionamento consigo mesmas e com suas famílias, percebemos algumas das sequelas menos aparentes da brutalidade a que as mulheres foram submetidas. O medo do opróbrio social; a incerteza da paternidade; os sutis, mas não menos dolorosos, atos falhos de maridos e familiares, que demonstram como a culpabilização muito frequentemente recai na própria agredida. E, paralelamente, mergulhamos cada vez mais na doentia psiquê do médico, que se crê imbuído de poder divino, numa perigosa mistura de pseudo-fé religiosa, falsa ciência e, claro, misoginia abissal.
Assédio é doído e necessário atestado de que o Brasil também está sintonizado com a tão (de)cantada Idade de Ouro da televisão.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 345


Roberto Rillo Bíscaro

Horizon, dos Carpenters, foi um dos primeiros discos que possui, juntamente com os primeiros de Gal Costa e dos Secos & Molhados. Talvez precoce prum menino de 8 anos. Havia uns LPs de canções de roda, também, mas eu preferia esses de “adulto”. Lembro bem de Only Yesterday e Please, Mr. Postman tocando nas rádios, em 1975.
Não sei se conheci Richard e Karen Carpenter assim ou se foi também no apartamento de meus tios em Curitiba, onde passava férias e ouvi Horizon pela primeira vez. Morando ainda em Sampa, quando voltei pra casa, infernizei meus pais até me comprarem uma cópia. Ainda o escuto regularmente, em formato digital, a ponto de cantar junto todas as letras. Tanto que uns dias antes do motivo deste texto, eu o tocara inteiro, via Youtube, enquanto escrevia algo, arrumava notas de alunos, sei lá.
Os Carpenters dominaram as paradas da primeira metade dos anos 70, com seu pop fácil e de ricas harmonias vocais, graças à trágica Karen Carpenter, morta tão nova, aos 32 anos, em 1983. Tanta vida pela frente, mas a anorexia nervosa enfraqueceu demais seu coração. Soube de sua morte, quando o Fantástico anunciou o clipe de Make Believe It’s Your First Time, lançado postumamente. Então, o reinado dos Carpenters já estava findo há anos; a canção sequer entrou no Top 50 da Billboard.
Nada sugere que a dupla reconquistaria seu sucesso nos 80’s, mas a cristalinidade da voz de Karen influencia até hoje, de Madonna a Rumer e a novíssima Harriet (em breve no blog!). Creio que até 1994 não era hipster gostar deles. Daí, saiu o álbum de covers If I Were a Carpenter, com queridinhos da época, como Sonic Youth e Cranberries e o duo foi “reavaliado”, como ocorreu com Burt Bacharach. Ainda bem que jamais necessitei de selo de recomendação pra admitir amar algo, porque não troco nenhum original por qualquer versão. Sequer ouvi If I Were a Carpenter na íntegra, afinal, quem lembra de American Music Club? Mas, dos Carpenters, tantos lembram que até produto novo saiu, dia 7 de dezembro.
Carpenters with the Royal Philharmonic Orchestra foi produzido com esmero e astúcia por Richard Carpenter, o que garante integridade às 18 faixas. Até a capa segue o padrão gráfico de décadas. A edição japonesa e a vendida na rede Target têm 19: Please Mr. Postman vem de bônus. O álbum funciona como mais um grande Best Of, que mantém intactos os vocais de Karen e os arranjos originais, apenas com toques orquestrais. Quem quereria ouvir We’ve Only Just Begun, Hurting Each Other, Superstar ou Top Of the World em versões só com a orquestra, sem aquele charme AM, que as tornam tão queridas e perfeitas?
Um coro aqui, outro ali, jamais se intrometendo muito nas canções, introitos e pontes orquestrais são acrescentados, como por exemplo no início do álbum, que elegantemente abre com uma Overture, citando trechos de clássicos do duo, mas focando em Yesterday Once More, cuja letra fala de canções antigas capazes de despertar nostalgia. Que é o que os Carpenters fazem agora.
Para aproveitar o Natal, Richard rearranjou Merry Christmas, Darling, porque ele nunca foi bobo. Deu certo, até onde acompanhei, pelo menos na Inglaterra, o álbum chegou à oitava posição na parada.
Carpenters with the Royal Philharmonic Orchestra é totalmente desnecessário, mas, como tem Karen, é essencial.

domingo, 23 de dezembro de 2018

TRUFAS DA SUPERAÇÃO

A história de sobrevivência e alegria de Francisca Queiroz, a 'Tia da Trufa' 

“É o meu sustento. Com o dinheiro das trufas consegui formar meus três filhos com bom humor." 

"Chupa que é de uva, "Senta que é de menta que só chupa quem aguenta", "Abacate que a gente chupa e tudo bate": é com estas três frases de efeito que a irreverente Francisca Queiroz, de 62 anos, carinhosamente apelidada de "Tia da Trufa", anuncia os dindins, brigadeiros e claro, as trufas de chocolate que carrega para lá e para cá em sua caixa de isopor. Ela é conhecida por vender todos esses quitutes na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). "Amo levar alegria com o sabor das coisas que vendo. Eu brinco e recebo um carinho sem precedentes", conta em entrevista ao HuffPost Brasil. 

A volta por cima Francisca ocorreu há quase 20 anos. Ela trabalhava como doméstica quando foi surpreendida com a perda de movimento de um dos braços. "Fui ao médico e descobri que estava com Lesão por Esforço Repetitivo (LER). Tive que me afastar do emprego para fazer um tratamento", lembra. Só que Francisca, sozinha, tinha 3 filhos para criar e não podia ficar parada. 

À época, ela ganhava apenas o valor de uma pensão alimentícia de seu ex-marido que não chegava a um salário mínimo. Precisou ir à luta. E disso, vieram as trufas. "Meu filho mais velho deu a ideia de fazer as trufas para vender em universidades. Ele aprendeu a fazer na internet e preparou 70 para eu vender a 1 real", recorda. Ela conta que, no começo, o bombom esgotava em menos de uma hora. 

Assim, a produção de trufas teve que aumentar. E aí, outro dia, Francisca precisou envolveu todos os filhos na venda. "A procura era tão grande que chegava a vender 600 trufas por dia. Com o dinheiro, consegui formar meus filhos, reformar minha casa, além de investir no negócio com a compra de uma moto", diz, orgulhosa. 

O apelido "Tia da Trufa" veio logo depois de um mês vendendo os quitutes. "Um universitário, lindo, lindo, perguntou se podia me chamar assim. Eu disse sim e aí pegou". E, assim, Francisca se transformou automaticamente na "Tia da Trufa" acolhida pelos universitários. 

Desde 2008, ela viaja com alguns grupos para congressos e feiras -- tudo isso, claro, para vender as trufas. Ela só paga a passagem. A hospedagem e alimentação é por conta deles. "Já fui para Curitiba, Rio de Janeiro e lá, é claro, que vendo minhas trufas enquanto eles participam das palestras. São meus amores." 

Hoje tudo o que eu quero compro com meu dinheiro. É libertador. 

Com a venda das trufas, Francisca consegue se manter -- e, de quebra, levar alegria para quem passa. 

Mas o que pouca gente sabe é que muito antes de ser a famosa "Tia da Trufa", Francisca é uma sobrevivente. Ela nasceu em uma família humilde no município de Coari, a 500 km de Manaus (AM). Aos 7 anos, sua mãe precisou viajar para a capital e, por isso, ela e seus irmãos ficaram aos cuidados do pai cearense, linha dura. 

"Um dia, ele [o pai] pediu pra tirar a panela de água do fogo quando fervesse. Minha mãe não deixava a gente fazer isso. Mas ele não se preocupava com isso. Fui brincar e esqueci. Quando me lembrei, corri. Era baixinha, peguei uma caixa de sabão para subir, mas me desequilibrei e a água quente caiu em mim". E assim, enquanto criança, Francisca teve que lutar pela vida. A água tinha queimado 98% do seu corpo. 

Até hoje tenho cicatrizes que me mostram como uma sobrevivente. 

Na época, Coari não tinha hospital. Só existia uma drogaria na cidade. O pai saiu para comprar uma pomada no estabelecimento. "O meu pai me puxou pelos cabelos, me trancou no quarto e disse pra eu não chorar para os vizinhos não ouvirem", lembra. Ela sentiu as dores e precisou aguentar calada. 

"Quando ele saiu, abri a porta do quarto bem devagar e uma vizinha que estava estendendo roupa no nosso quintal me viu e prestou socorro", conta. Francisca deu sorte, e foi levada até um mutirão de consultas e cirurgias que estava acontecendo na cidade. "Fiquei em casa de freiras e entrei em coma por 45 dias. Só consegui me recuperar depois de um ano." 

Pareciam as feridas não saravam. Foi horrível. 

Dois anos depois da queimadura, outro susto: Francisca estava brincando no quintal de sua própria asa quando caiu de um pé de graviolas. "Tive traumatismo craniano. Quebrei vários ossos do meu corpo. Felizmente, já tinham inaugurado um hospital na cidade e aí foi socorrida a tempo. Sobrevivi mais essa", lembra. "Parece estória de pescador, mas não é, viu?", brinca com a reportagem. 

E, assim, sobrevivente, Francisca não perde o bom humor diante das dificuldades e sabe valorizar suas conquistas. Transmitir alegria virou missão de vida para ela, que arranca gargalhadas e sorrisos por onde passa. "Não quero ser rica, só quero continuar sendo a Tia da Trufa. A mulher dos doces que leva alegria para as pessoas." 
https://www.huffpostbrasil.com/2018/12/19/a-historia-de-sobrevivencia-e-alegria-de-francisca-queiroz-a-tia-da-trufa_a_23623075/?utm_hp_ref=br-mulheres&ncid=fcbklnkbrhpmg00000004&fbclid=IwAR2hQn1xEW1_jVEZj7IHn653aGhhmZWL24lKEZTKACR94_hzKyxvHbeWnTU&ec_carp=1290352896472016659&ec_carp=1290352896472016659

sábado, 22 de dezembro de 2018

DE VOLTA PRA CASA

Alba, o único exemplar de orangotango albino está de volta à natureza

A fêmea de orangotango foi resgatada em 2017 antes de ser vendida como uma espécie rara.

Alba, o único exemplar de orangotango albino conhecido no mundo, está de volta à natureza, depois de um processo de recuperação e adaptação ao seu habitat natural.

O orangotango fêmea foi encontrado, em maio de 2017, numa jaula colocada no terreno do homem que se auto-denominava seu dono e que aguardava a sua venda.

O animal acabou por ser resgatado e entrou num processo de recuperação para poder ser devolvida à natureza.



"A Alba tem mostrado boas habilidades de escalada e circulação segura entre os ramos, o que indica que está preparada para viver em estado selvagem", explicou o diretor executivo da BOSF - Borneo Orangutan Survival Foundation que fez toda a recuperação.

Alba vai ficar num parque natural do município de Katingan, na Indonésia, onde existem "limites amplos e naturais" e onde se pode vigiar uma população de 200 orangotangos, já que a fêmea precisa de ser vigiada devido ao seu albinismo e tem de estar protegida dos caçadores de espécies raras.


De acordo com o La Vanguardia , a população de orangotangos de Bornéu, a ilha da Indonésia, reduziu em 148.500 unidades entre 1999 e 2015 devido a caça e também a plantações, especialmente o óleo de palma, tendo em conta um estudo publicado na revista Current Biology.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

TELONA QUENTE 267



Roberto Rillo Bíscaro

Oscarizar o melhor documentário do ano é subproduto da Segunda Guderra Mundial. A categoria foi introduzida em 1941 pra prestigiar as produções que serviam como propaganda antinazista/facista/japonesa, feitas nas diferentes indústrias de cine dos países aliados. Numa época em que comunistas tiveram que estar ao lado dos capitalistas, Hollywood indicou até documentário soviético, Moscow Strikes Back, além de produções australianas, britânicas e canadenses. 
Hollywood participou do esforço de guerra não apenas com atores e atrizes entretendo tropas, mas com muitos de seus profissionais se alistando, inclusive diretores de renome, como John Ford, William Wyler, John Huston, Frank Capra e George Stevens. O documentário Five Came Back (2017) dirigido pelo francês Laurent Bouzereau, aborda o que levou esses homens afamados e poderosos a irem pros fronts, o que produziram e o impacto que o genocídio teve em suas carreiras.
O programa vale não apenas pelas muitas cenas de arquivo, entrevistas e depoimentos, mas também pelo que tem que abordar tangencialmente, como manipulação de imagens; censura por ordens de juntas militares; encenação de eventos já ocorridos, mas vendidos como reais e a própria escolha na forma de demonizar o inimigo. Usado como ferramenta de propaganda ideológica, o cinema escolheu detonar alemães e japoneses de modos distintos. Five Came Back não foge disso, até porque já não tem importância, e parece que muitos não querem fazer inferências com representações feitas hoje de diferentes grupos.
Five Came Back não dispensa o recurso da fala de autoridade pra provar seus pontos. Steven Spielberg, Guillermo Del Toro, Francis Ford Coppola, Lawrence Kasdam e Paul Greengrass adotam cada um dos diretores e intervém sobre eles com autoridade analítica e factual de quem é experto em sua obra. Esse recurso é tão fake como recriar batalhas e mentir que a gravação fora feita durante a retomada da cidade X. O que esses caras falam tá tão ensaiado como as contendas encenadas, afinal, Five Came Back foi baseado num livro.

Dividido em 3 episódios, você acessa Five Came Back, na Netflix. Qualquer interessado em cinema deveria ver. E preste atenção quando falam do banho que os britânicos davam nos ianques na produção de documentários. De certa forma, foi o chute na bunda da ex-metrópole que acordou o Tio Sam pra produzir documentários melhores.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

TELINHA QUENTE 340


Roberto Rillo Bíscaro

Serial killer de filme/série quase sempre é extremamente inteligente e culto; coleciona troféus recolhidos das vítimas e deve ter tempo, recursos e sorte infindáveis à disposição, pra montar as mortes mais requintadas, trabalhosas, custosas e livres de testemunhas às vezes em locais (semi-)públicos. Nas horas vagas de seu ressentimento e distúrbios mentais, esses malucos estão memorizando detalhes e simbologias presentes em obras obscuras de séculos antepassados, sobre as quais deixarão pistas para brincar com algum detetive que, a despeito de conhecer assuntos tão especializados, preferiu se arriscar combatendo o mal ao invés de ficar de boa nalguma universidade, ganhando mais.
Não saberia dizer quando essa maluca representação de malucos começou, mas sucessos de bilheteria como O Silêncio dos Inocentes (1991) e Se7en (1995) consolidaram essa idealização do assassino serial. Claramente inspirada pelo filme com Brad Pitt é a série britânica Messiah, que rolou com histórias independentes entre 2001 e 2008. Foram 5 minisséries, perfazendo 11 episódios no todo.
A BBC deve ter enfrentado duras críticas, porque o nível de explicitação das cenas de crime e dos sádicos assassinatos era inédito pra TV inglesa de início do milênio. O elo entre as histórias era apenas o grupo de investigadores, liderados por 4 temporadas por Red Metcalfe, frequentemente perturbado por tanta barbárie que é obrigado a presenciar/sentir o fedor. Red é férreo defensor da aplicação da lei: nem seu irmão escapara de seu zelo e crença na manutenção da ordem. É durão mas sensível, em quem podemos confiar, diferentemente de seu frequente parceiro Duncan, que volta e meia desliza. Duncan é mais nós, telespectadores, enquanto Metcalfe é o que aspiramos a ser. Nada como um par de atores do calibre de Ken Stott e Neil Dudgeon (o DCI John Barnaby, dos Midsomer Murders, da ITV; qualquer dia escrevo sobre).
Esses sofredores policiais têm que desvendar a mente de assassinos seriais que usam a Bíblia ou A Divina Comédia dantesca como horripilante inspiração pras mortes. Sorte que Metcalfe sabe até citar Dante no original italiano! Sorte também dos serial killers poderem matar a vontade num hospital, sem que ocorra a ninguém simplesmente transferir os pacientes pra quebrar o ciclo. Messiash é dessas; pura diversão de montanha-russa despirocada, no tamanho exato pra fãs de Epitáfios e afins.
Amei até a temporada quatro. Na quinta, a BBC trocou todo o elenco. Aproveitando que Stott estava compromissado com a ITV fazendo Rebus, a emissora estava com carta branca pra fazer o que tencionava: reduzir a faixa etária dos atores. Assim, a matança apocalíptica da última minissérie tem clima e rostos totalmente diferentes, com carinhas mais bonitinhas, embora longe de serem maus atores. Como vi tudo meio em seguida e me apegara demais aos atores – amo Ken Stott desde Rebus e Neil Dudgeon desde sempre – não consegui me adaptar e mesmo a trama boa não me segurou: parei de ver. Será coincidência que desde então – 2008 – não houve mais Messiah? Bem feito.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

AS ALBININHAS DE TOCANTINS

Projeto de conservação identifica tartarugas albinas em rios do Tocantins

Projeto monitorou ninhos e translocou ovos ao longo de 14 semanas. Grupo foi responsável por garantir sobrevivência de 70 mil filhotes de tartarugas; entre elas, as tartarugas albinas que são raras na natureza.
O Projeto Quelônios, que quer aumentar o índice de sobrevivência de tartarugas no Tocantins, divulgou o balanço das ações desse ano. O grupo foi responsável por resgatar e garantir que mais de 70 mil filhotes continuassem vivos. Entre eles, mais de 20 tartarugas albinas, que são raras na natureza.

Ao longo de 14 semanas, ninhos foram monitorados e os animais receberam cuidados ainda antes de nascer. Ao todo foram contabilizados 71.275 filhotes vivos. Para ajudar na preservação da espécie, operações de combate ao consumo predatório dos ovos e tartarugas foram realizadas. Cerca de 270 ninhos foram monitorados e 900 ovos translocados na época de chuva.

Durante o período, dezenas tartarugas albinas, que são raras na natureza, também foram resgatadas. Segundo Aline Vilarinho, inspetora do Naturatins, nasce uma tartaruga albina a cada dois milhões de filhotes.

Em praias na região do Cantão, técnicos do projeto encontraram 22 tartarugas albinas. O número chamou atenção e quatro delas foram levadas para o Centro de Fauna do Tocantins (Cefau) para fins de pesquisa.

Os animais foram pesados e medidos e o desenvolvimento de casa um será acompanhado. “No ambiente natural, a tartaruga albina, pela falta de pigmentação no corpo, é mais visível aos predadores e, mesmo que sobrevivesse, teria mais dificuldades para caçar”, explicou Aline Vilarinho.

Para garantir a sobrevivência dos filhotes, a equipe do projeto transferiu diversos ninhos para partes mais altas das praias. Isso porque os rios encheram e muitos deles estavam sendo alagados. Neste processo, 900 ovos foram translocados, gerando 595 filhotes vivos.

Tartarugas albinas

O albinismo é uma condição caracterizada pela ausência de melanina, cuja principal função é a pigmentação e proteção contra a radiação solar. As tartarugas albinas nascem quando machos cruzam com irmãs, tias ou mães.



CAIXA DE MÚSICA 344



Roberto Rillo Bíscaro

A estrada do Graveola e o Lixo Polifônico é longa e bem-sucedida. Formado em 2004, em Belo Horizonte, já excursionou pela Europa, gravou EP em Londres e foi indicado na categoria melhor gruhttp://www.albinoincoerente.com/2018/04/papiro-virtual-125.htmlpo ao Prêmio da Música Brasileira. Membros como Luiz Gabriel Lopes e Luiza Brina têm carreiras-solos e todos participam de trabalhos paralelos, provando que a cena mineira fervilha tanto quanto no tempo do Clube da Esquina.     
Seu álbum mais recente é o merecidamente elogiado Camaleão Borboleta (2016). O mais Tropicalista de seus trabalhos, o título alude ao caráter m/Mutante do som, simbolizado pela metamorfose ambulante dos dois coloridos animais.
O caráter polirritmico manifesta-se de faixa a faixa, mas também dentro delas. Tempero Segredo começa meio baladinha, vira reggae e no meio psicodeliza, para falar duma ervinha proibida. Reggae e doideira psicodélica têm tudo a ver!
Como os Tropicalistas, o Graveola mistura psicodelia com aquela pegada nacional. Maquinário tem percussão afro, lá-iá-lá-iá de samba, mas com arranjo de quem conhece e foi influenciado por rock. Back In Bahia parece saída dum álbum sessentista de Gal Costa: a letra fala em Bethânia e o cantar de Brini é bossa, mas o instrumental é algo como uma psicotimbalada. Aurora é bolero pós-moderno, que na letra rima Espanha com arranha e tem cornetinha ao fundo. Tão Caê-Qualquer-Coisa pra lá de Marrakech.
Sons afoxéticos são outra influência vital nesse trabalho, que às vezes lembra Novos Baianos e A Cor do Som, como atestam Índio Maracanã ou Talismã, que tem participação de Samuel Rosa, do Skunk. Claro que o Graveola trabalha essas referências pra fazer som seu, não decalques: ouça o tecladinho Jovem Guarda com andamento afrofrevo, de Sem Sentido, cuja letra é sobre ativismo online.
O caráter ativista está também na letra hispano-portuguesa da psicobossa Costi, que psicodeliza o Clube da Esquina e usará a faixa em seu trabalho paralelo Luiza Brina e o Liquidificador.


Luiza Brina é cantautora, como alguns dizem hoje. Além disso, toca vários instrumentos. Um de seus projetos paralelos ao Graveola é o trabalho com a banda O Liquificador, formada por Analu Braga, Alcione Oliveira e Di Souza nas percussões; Aline Gonçalves, João Machala, João Paulo Prazeres e Maria Raquel Dias nos instrumentos de sopro e Vanilce Peixoto no violoncelo.
No comecinho do ano passado, saiu Tão Tá, segundo álbum da colaboração.
Qualquer aglomerado de músicos mineiros, por vários anos vindouros ainda, terá que lidar com comparações com o influente Clube da Esquina. É inescapável e não há nada que os músicos atuais possam fazer a respeito, afinal, pra geração deste resenhista, por exemplo, “música de Minas” está indelevelmente associada a Milton Nascimento & Co. O grande acerto do Clube, em geral, foi triturar influências de estilos musicais díspares e amalgamá-los numa massa compacta, de hibridez original.
Luiza Brina e O Liquidificador faz o mesmo, incluindo na maçaroca deliciosa e sútil elementos do próprio Clube. Basta ouvir a regravação de Costi, que abre o álbum, onde percussão afro convive com sopros andinos, ares suaves de bossa e pinceladas de Clube. Sincrética no som e na letra hispano-portuguesa.
Como não comparar ao Clube, um álbum que traz canção chamada Da Janela? E que amálgama bem feito é esse de marchinha-frevo com melodia quebradiça? É Clube-Tropicalista sem ser cópia, pelo contrário, é sequência da onívora tradição pop.
O clima folclórico de toada e “alembrou”, de Remanso, junta boi e fogueiras, ao passo que a calmaria de De Um Porto remete ao Fellini d’E La Nave Va, mas nesse caso a nave é espacial.
Na lírica Neve Sobre o Mar, a linda melodia justapõe com ruídos de estática de radiocomunicação, como se a doce voz de Brina emanasse dum ponto distante. Essa característica de sonoridade d’outra dimensão permeia o álbum todo; é como se o som proviesse do planeta sonoro próprio de Tão Tá, que em 2017, talvez só tenha encontrado equivalente nas lindas texturas do Recomeçar, de Tim Bernardes.

domingo, 16 de dezembro de 2018

MOÇAMBIQUE PERIGOSA, MAS PUNINDO

Zambézia: Detidos 6 indivíduos acusados de assassinato de um menor albino
Seis indivíduos estão detidos e outros dois a monte acusados de envolvimento no caso de assassinato de um menor de quatro anos com problemas de pigmentação da pele. O caso deu-se no passado dia dois do corrente mês no distrito de Mopeia.

O porta-voz do comando provincial da Zambézia, Sidner Lonzo, referiu que dos seis detidos três foram neutralizados em Mopeia e os restante três em Morrumbala. Dos detidos em Morrumbala um é professor da escola básica agrária de Boroma localizada naquele distrito.

A nossa reportagem sabe que dos dois suspeitos a monte um é professor e presumível mandante do assassinato do menor Albino para fins de tráfico de órgãos humanos com a finalidade de enriquecimento ilícito enquanto que outro é alegadamente curandeiro.

A polícia diz que já tinha controlado os casos de assassinato de pessoas albinas na Zambézia, por isso segundo o porta-voz do comando provincial, do momento este caso é considerado atípico e que a corporação vai activar variantes operativas para evitar ocorrência de futuros casos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

TELONA QUENTE 266

Roberto Rillo Bíscaro

Halloween, mãe de todas as franquias slasher, foi a que mais enfraqueceu com as continuações. A partir de Halloween II (1981), houve até um que nem tinha Michael Myers. A tentativa de reformulação por Rob Zombie não me convenceu, até porque o serial killer de Haddonfield não é meu favorito. Meio paradoxal, considerando-se que o original de John Carpenter, de 1978, é um de meus filmes de horror prediletos. 
Já postei mais de uma vez sobre documentários a respeito do Halloween original ou mesmo da franquia. Além de estabelecer algumas das convenções de meu subgênero favorito, Halloween é exemplo de ambientação e força do underground. Admiro como Carpenter e Debra Hill criaram a mulher empoderada no filme de horror e não canso de apreciar a astúcia de como ambos reutilizaram filmes como Black Christmas e Psicose pra criar sua própria mitologia, copiada até hoje. Carpenter sabe que é foda – ele ainda compôs uma das trilhas mais reconhecíveis da história de qualquer subgênero, é mole? – e todas as decisões dos filmes posteriores, atribui aos diretores, mesmo quando está produzindo. Esperto esse John: criou a obra-prima; o que vem depois não repetirá a originalidade, então, é responsabilidade de outrem.
Planejara rever toda a franquia pra poder opinar mais conscientemente sobre o Halloween, lançado há poucas semanas. Sorte que enviei mensagem ao amigo Carlos Eduardo contando que faria isso, porque ele me avisou que a película era continuação direta da primeira. Acho que eu já sabia, mas esquecera, porque parece que lembro que fui eu que enviei a ele o primeiro link sobre a pré-produção, há muitos meses. Mudei TOTALMENTE (fãs roxos do primeiro Halloween entenderão!) a estratégia. Como o clássico estava fresquinho na cachola, lancei-me direto ao Halloween novo.
Acertada a decisão de desconsiderar os detritos inventados durante a franquia pra explicar o inexplicável: porque Michael não morria e voltava o tempo todo a Haddonfield. Criaram parentesco entre ele e a final girl Laurie Strode, que, inclusive, faleceu numa das sequelas. Como é de conhecimento universal, Strode é Jamie Lee Curtis, que há vinte anos afirmara que o filme em que sua personagem finalmente morreria, seria seu último, encerraria ciclo, blá, blá, blá. Ela repetiu a ladainha pra aceitar o Halloween du jour; resta saber se resistirá. O filme rendeu muito, foi elogiado, e, convenhamos, se ela for lembrada por algo, será pelos fãs de horror e não por Um Peixe Chamado Wanda. E como no planeta slasher tudo é possível, Michael Myers pode voltar dos mortos, afinal, um vilão slasher jamais morre ou vira purpurina.
Quarenta anos depois de ser atacada e ter seus amigos mortos pelo maníaco Myers, Laurie Strode é perturbada por traumas não tratados. Reclusa e paranoica, espera pelo retorno do mascarado, que, efetivamente acontece, quando consegue escapar em uma transferência de manicômios. Como qualquer slasher, Halloween está cheio de decisões estúpidas e furões no roteiro, tudo pra possibilitar o que mais ansiamos: mortes. Essas acontecem no ritmo de hoje, a mais merecida é a mais gore, digna de qualquer Victor Crawley pós-moderno.
Roteiro e diretor demonstraram respeito pelo original e pelos poucos fãs de longa data. Ver Halloween 1978 imediatamente antes foi muito útil, uma vez que o filme atual inverte algumas situações, como fazer Laurie voar pela sacada e não Michael e este se esconder num closet e não ela. Até o querido Doutor Loomis é ref(v)erenciado.
Há defeitos, como a dupla de jornalistas do início, cuja função é apenas expositiva e ser carne-moída. O roteiro de Carpenter é bem superior e nem estou considerando o quesito inovação; é na parte braçal mesmo. Mas, por não se desviar do caminho slasher que esperamos, este Halloween é mesmo o melhor, desde 1981.
Oxalá o sucesso de bilheteria enseje nova febre slasher. Totally. 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

CONTANDO A VIDA 260



CACHORRADAS...

José Carlos Sebe Bom Meihy


Para João Coroa.



Fim de ano... Que escrever? Sentei-me decidido a não falar de política e de perspectivas ideológicas. A ideia era fugir de temas que tanto atormentaram o combalido 2018 coletivo. Também queria esquecer o incêndio do Museu, a divisão do país, o fracasso do meu time de futebol, conjugado com o vexame da Seleção, a morte de tantos amigos e ídolos de todas as áreas, o tratamento injusto a mulheres, gays, índios e negros. Tinha certeza de evitar a greve dos caminhoneiros, os dramas – tão tocantes – dos exilados, imigrantes, deportados, e deixar de lado o aquecimento global e os novos/velhos quadros mandatários. Queria apagar o debate sobre o estado laico, a descriminalização do aborto, os efeitos da judicialização dos três poderes e o amargo espetáculo multiplicador dos moradores de rua. Mariele, nem pensar... Presidia em mim a certeza de que a exaltação reversa, a epifania dos bons momentos, que certamente existiram, seria pouca matéria para emblemar a fatalidade de um calendário que, paradoxalmente, parece ter passado rápido demais. Vapt-vupt, e o ano acabou: feliz ano novo, adeus ano velho...

Houve, porém, um caso que me chamou a atenção e atiçou argumentos que se abraçaram para uma conversa sobre o acabamento desta jornada que, de forma estranha, mistura, em plena primavera, dias de calor intenso e frios repentinos. Sim, há alguma coisa que vai além dos mistérios climáticos e sociais: o tratamento dado aos animais, no caso específico, aos cachorros. De saída, devo dizer que estou comovido com a morte (quase escrevi assassinato) de Manchinha, o cãozinho agredido com uma tacada de ferro no pátio do Supermercado Carrefour, nas imediações de São Paulo. Eu que leio jornal com tesoura na mão, fiquei surpreso com a pequena montanha de recortes feitos sobre o assunto. Não foi sem sentido que me vi motivado a tal pena, pois poucos dias antes também me comovi com a fidelidade elegante do cão de guarda no funeral do presidente Bush-Pai naquele adeus derradeiro. Decidi considerar ambos, e por eles medir meus sentimentos sobre o tempo que se encerra. 

De forma gostosa, declinei lembranças de outros cachorros que afinal compuseram a mitologia bichana que anima meus sentimentos por animais. O primeiro que me alentou foi Marley, o labrador descrito no livro “Marley e eu” (que depois virou filme), de onde guardei uma frase preciosa “Quantas pessoas fazem você se sentir raro, puro e especial? Quantas pessoas nos fazem sentir extraordinários?”. Não teria como deixar de lado as sessões televisivas sobre “Rin Tin Tin” que, desde os anos 1950, animaram o tema “companheirismo”. Certamente, o filme “Beethoven” emocionou o mundo, perdendo, contudo, em enternecimento para o insuperável “Hachiko”, de 2009, película que contava a história de um animalzinho que, mesmo depois de quase dez anos da morte do dono, ia diariamente espera-lo na estação de trem. É lógico que “A Dama e o Vagabundo”, bem como “Os 101 Dálmatas”, não deixaram mais pobre a ladainha de loas. 

Nem vou contar minha história pessoal com os cachorros que tive; apenas permito-me mencionar uma passagem recente que adoçou um reencontro com velhos amigos. Na ocasião, festiva, o colega de juventude evocava um presente que lhe dei, um filhote que além de manter o nome que decidi, “Tango”, se tornou melhor amigo do pai, que havia perdido seu antigo parceiro bichano. Mesmo que sem que os demais notassem, tive que mudar o assunto, pois as lágrimas cabíveis não combinariam com o jantar. Desse embargo interdito resultou um sonho que tive com minha última “cã”, Susy que tanta dor provocou quando a perdi.

É lógico que cabe menção aos cães bravios, aos amedrontadores cachorros maus como o mitológico Cérbero vindo do submundo (de onde adveio a referência ao diabo como cão), mas isto sempre esteve longe de anular a fidelidade de um Argos, amigo de Ulisses, e único a reconhecê-lo depois de 20 anos na guerra. Quero agora falar de Manchinha, um “sem dono”, desses que perambulam por aí em busca de sobrevivência. Indo de cá para lá, sua vida – nem triste, nem alegre – se fazia parte de uma história de valor menor, como alguém que é, no máximo, complemento rotineiro de uma paisagem comum. Não se pode definir com precisão de onde viera, qual sua trajetória, mas é certo que chegou ao tal supermercado em busca de algum resto. Entrou, olhou, foi espantado por zeladores das ordens sanitárias. Até aí, tudo bem, ainda que discutível, pois, por certo era “um cão sem dono”. O que é desalentador é a forma com que foi tratado depois do escorraço. Zeladores de regras o espantaram, mas na pacatez dos desalentados, Manchinha caminhava em marcha lenta. Presumo que sabia de seu destino de continuidades. E foi assim, até que um obstinado pegou uma vergo e o atingiu com convite à morte. Nossa!... As cenas que se seguiram foram cruéis demais. “Desumana” seria adjetivação cabível?

Mas qual seria a lição a ser tomada. Além da solidariedade que se avolumou, uma multidão em nome da justiça tem bradado, e, pelas redes sociais, se impôs. Lembrei-me de Waldick Soriano no segundo verso da cantiga brega “Eu não sou cachorro, não”: Tu não sabes compreender/Quem te ama, quem te adora/ Tu só sabes maltratar-me/ E por isso eu vou embora. E Manchinha se foi. Adeus Manchinha. Feliz ano novo...
 

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

TELINHA QUENTE 339

Roberto Rillo Bíscaro

Semana passada, a Netflix disponibilizou a terceira temporada de Réttur, série islandesa rebatizada como Case. Os 9 episódios tratam dum caso apenas, ao contrário das 2 temporadas iniciais, que eram mais dramas de tribunal e traziam casos distintos semanalmente, estão não disponíveis.
Elogiada pela imprensa e sites descolados do antigo primeiro mundo, Case foi dirigida por Baldvin Z, um dos codiretores da excelente e mais endinheirada Trapped, também presente na nossa crescente Netflix não-falada em inglês.
A modéstia orçamentária de Case torna-a predominantemente filmada em interiores e os crimes são fora de nossa visão. A produção também deve ter adotado certo tom semidocumental, com imagens e representações mais cruas, menos estilizadas/fetichizadas. A detetive está longe de ter o cabelão de estrela nórdica de Saga Norén ou o notável marcador de personalidade que é o suéter nacionalista de Sara Lund. Gabriela é totalmente cotidiana, pedestre. Nem seus dilemas pessoais tornam-na pesada; até aprendemos que tem problemas com a irmã, mas qual de nós não os possui? Em momento algum, interferem na investigação ou em sua personalidade. Pelo contrário.
Tudo começa, quando promissora bailarina adolescente é encontrada pendurada numa viga do palco do teatro nacional na capital islandesa. Suicídio, por certo, mas logo Gabriela e seu parceiro percebem que há algo sinistro ocorrendo com muitas garotas em Reykjavík. Como a polícia não encontra nada que justifique investigação, um advogado muito problemático, beberrão e sem moral acima dos que investiga, sai buscando informações. Isso abrirá o fosso do submundo das drogas, prostituição e violência contra a mulher da “pacata” Islândia. Pra quem idealiza a Escandinávia, uma informação: os níveis de violência contra mulheres entre parceiros é desproporcional à quantidade de direitos à disposição delas. Esse fenômeno tem até nome, The Nordic Paradox, porque cerca de 30% das norueguesas com parceiro já foram agredidas. Civilizados e superiores, né? 
Chama a atenção em Case, o modo como a exposição das personagens e fatos não é tão pesada, explícita e forçada como em seus congêneres atuais, que fazem coisas quase tipo “oi, sou João da Silva, amigo íntimo do pai da vítima e tenho um grande segredo”, a ser reafirmado, se possível, mais duma vez no episódio inicial. Sendo série lenta, apoiada em diálogos e sem mirabolâncias orçamentárias, Case pode afastar espectadores mais desatentos ou que querem as ligações/implicações mais fáceis, pra poderem mexer no celular, enquanto ouvem. Isso não quer dizer perfeição formal ou inovação, há momentos em que as transições simplesmente acontecem do nada e é curioso aceitar que alguém com culpa no cartório respondesse ás perguntas do advogado Logi, se nem autoridade policial ele tinha.
Pode incomodar também a desinibição escandinava de mostrar adolescentes em situação de abuso de drogas ou sexo. Não que haja orgias explícitas, mas uma teen drogada cavalgando um tiozão não é comum em produções anglo-americanas.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 343


Roberto Rillo Bíscaro

Funkeiros brasileiros deveriam se apressar para aproveitar a grave linha de teclado e a semelhança com o português do baby talk inicial da faixa Boom Boom Tap: tem hora que parece com “tudo bem”, falado bem meiguinho, bem miguxo tchuca-tchuca-miga, parece até homenagem aos momentos Boing Boom Tschak, do Kraftwerk, porque também tem linha de teclado agudo-borbulhante super-referencial. Mas, não é homenagem, é sarcasmo: o balbuciar é cortado por seco e duro FUCK YOU, seguido de célere correnteza jungle.
Lançado no dia de Finados, o sétimo álbum de estúdio do The Prodigy sistematicamente estraçalha qualquer momento de meiguice, com sua agressividade Big Beat. Em mais de um momento durante a dezena de canções, vozinhas finas e momentos que fingem que vão virar pop saltitante são soterrados com sirenes de ataque aéreo e pura artilharia sintética. Títulos como Timebomb Zone e Fight Fire With Fire falam por si, num álbum que não dá trégua ao ouvinte, que, afinal, está numa Londres onde é preciso andar com colete a prova de balas, em certas regiões, de acordo com a nervosa Champions of London.
Poder-se-ia elaborar toda uma teia de referências Brexíticas pra “explicar” a violência de No Tourists, mas Liam Howlett, MC Maxim e Keith Flint nunca necessitaram de razões pontuais pra sua agressividade. O álbum é urgente e rearticula os melhores elementos da carreira do Prodigy num trabalho desinteressado em inovar, mas sem nenhum momento baixo. À parte os momentos iniciais de Resonate – que impressionam ao triturar elementos de drum’n’bass com dubstep vocoderizado – o resto é Prodigy tradicional, como a cyberpunkice de Give Me a Signal
A faixa-título abre com teclados de fundo que dão a impressão de que o Public Enemy está fazendo trilha pra filme de James Bond. Need Some1, a abertura já anuncia o nervo do álbum, com seu teclado lúgubre e baixo/guitarra envolto em pura energia elétrica. Ironicamente, há recorrente sample de Loleatta Holloway gritando “I need someone”, superusado em faixas dance alegres.
Em meio a apenas faixas muito boas, (pelo menos) duas são espetaculares, em termos de dançabilidade violenta, pogueada ou como imaginárias trilhas-sonoras pra conflitos campais de ruas pós-apocalípticas: Light Up Tje Sky e We Live Forever são duas porradas na espinha.
O defeito de The Day Is MyEnemy (2015) – retorno após sete anos sem gravar – foi sua inconsistente duração: faixas boas intercalavam-se com outras nem tanto. Em No Tourists, o Prodigy voltou conciso, sem qualquer adiposidade, todo-poderoso. 

BONECAS INCLUSIVAS

Menina de 10 anos faz bonecas 'inclusivas' em Bagé

Geovanna Petrovichi dos Passos é prenda regional do Movimento Tradicionalista Gaúcho.
No dia internacional da pessoa com deficiência, a prendinha Geovanna Petrovichi dos Passos, 10 anos, de Bagé, dá o exemplo. “Jojô”, como é conhecida, surpreendeu ao organizar uma mostra de bonecas com deficiência, no concurso em que se tornou a primeira-prenda mirim da 18ª Região Tradicionalista.

Aos seis anos, ela já havia doado os cabelos para vítimas de câncer, ao ver uma reportagem na televisão sobre uma professora que tinha a doença.
Seu foco na inclusão é bastante abrangente: tem boneca negra, albina, cega, de muletas e com Síndrome de Down. A avó Anelise dos Anjos conta que o interesse da Geovanna da menina pelo tema surgiu de um trauma quando ela ainda era muito pequena: a prendinha sentia medo ao ver deficientes físicos na rua.

“Pra nós conseguirmos trabalhar esses medos dela, nós começamos a comprar os bonequinhos da AACD com deficiência”, explica a avó.

Ao mesmo tempo, a irmã de Geovana (na foto abaixo) nasceu com uma anomalia que provoca divisão dos lábios. “A primeira boneca inclusiva que ela fez foi com lábio leporino”, conta a avó Anelise. O medo desapareceu.


Incentivada pelo reality Desafio Farroupilha da RBS TV, Geovanna anunciou aos pais seu próximo desejo: confeccionar uma boneca gaiteira e cega para presentear a Natália Guastuci, estrela do reality apresentado pelo Jornal do Almoço. Que prendinha especial!
https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/blog/reporter-farroupilha/post/2018/12/03/crianca-de-10-anos-faz-bonecas-inclusivas-em-bage.ghtml