segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

CAIXA DE MÚSICA 87

Ouvi o jorro de Mel, de Maria Bethânia, lambuzando incessantemente as estações de rádio, nos idos de 78, 79. Canto a faixa-título quase toda, de cor, de tanto que tocou na época. Ela foi a primeira cantora brasileira a ultrapassar o milhão de cópias vendidas. Com Mel.
E não é que em março, a baiana lançou seu quinquagésimo disco e demorei quase uma gestação humana pra descobrir? Não me julgava mal informado com relação aos grandes da MPB dos anos 60 a 80, afinal, sei que Gal, Caetano, Djavan, todos lançaram trabalhos recentes. Mas, o Oásis de Bethania passou batido. Vergonha. 

10 faixas intimistas, cada uma sob a batuta dum arranjador, que atendeu à ordem de Bethania de fazer arranjo pra instrumento único ou pouco mais que isso. A sonoridade esparsa realça a voz da intérprete, soberana nesse oásis de controle e idiossincrasia autorais numa época em que muita gente quer soar moderno/padronizado pra agradar. Bethania faz como lhe apetece.
Oasis abre com a seresta minimalista deprê de Lágrima, cuja letra afirma que “não há ninguém feliz”. O álbum capricha na melancolia, como na saudosista Casablanca, simpática, mas uma das mais convencionais  dum álbum, que, ao contrário do que alguns acusaram, traz novidades: um Fado, tocado em viola e uma versão energética e talvez definitiva d’O Velho Francisco, aquele idoso em asilo, cuja memória lhe prega peças, criação de Chico Buarque.
Minha favorita é Vive, composta por Djavan especialmente pra Oasis de Bethânia. O maestro toca violão no bolero que temsua marca inconfundível. Antes da primeira audição, lera que uma das canções era de sua lavra, mas não sabia qual. Quando Vive começou, pensei “essa é a dele”, pelo modo do violão, pela melodia e pela letra.
Bethania confessou que escreve muito e queima a maior parte, como ato purificador. São dela os versos declamados da impressionante Carta de Amor. Em mais de 7 minutos entre declamação e samba, a cantora entoa um rosário de entidades terrestres ou não, que a protegem. Sincrética e com assustadores vocais em falseto, onde diz pra não mexerem com ela que ela não anda sozinha, a carta é pura ameaça. 

A letra de Barulho parece daquelas da Era do Rádio, mas é do século atual, composta por Roque Ferreira, autor da também antiquada Casablanca. Ao som de piano, o eu-lírico diz que releva e tolera infidelidade e mentiras do(a) parceiro(a), menos que este(a) lhe levante a voz. Completa dizendo que mesmo que quisesse jamais poderia ser infiel, porque “nasceu pra amar direito”. Terapia já, pra (re)construir a autoestima!
O álbum traz citações de canções em algumas faixas e não tem participação do mano Caetano em qualquer capacidade. Equacionei essas informações e a letra de Barulho e fantasiei: será que se o modernete Caê – que injetou funk carioca no último álbum de Gal Costa - tivesse produzido Oasis, teria convencido a irmã a cantar um trecho do “clássico” de MC Beth, Um Tapinha não Dói, junto com Barulho?
Pândega à parte, Oasis de Bethânia é outro belo trabalho na carreira dessa intérprete elegante e independente, uma das mais respeitáveis de sua geração. Demorei pra achar o Oásis de Bethânia, mas dele não saio mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário