terça-feira, 31 de outubro de 2017

TELINHA QUENTE 283


Roberto Rillo Bíscaro

Fazia tempo que vira o nome The Principal, enquanto vasculhava online por séries. Como isso significa O Diretor de Escola, relutava em dar oportunidade. Por mais fofos e divertidos que tenha achado Merlí e Rita, não tenciono ver algo similar tão cedo. Quase me ofendem essas séries de professor que luta contra um sistema sem que esse seja sequer questionado e que detona outros professores pra tornar a “missão” do protagonista possível. Não se espera que uma andorinha faça verão, mas acredita-se que um docente possa, desde que se invista do papel de santo amalucado; depende apenas de nós (sou professor, lembram-se?) Bem, não é assim que funciona na vida real de aluninhas dando comprimidos misturados à água pra professora dormir.
Mas, felizmente apertei The Principal (2015) no menu da Netflix e não me arrependi. A produção australiana é uma espécie de Merlí desce aos infernos. O começo é típico: Matt Bashir, de origem “árabe”, é um professor de História que consegue posto como diretor na problemática escola púbica apenas pra garotos onde estudara. Lá, começa a implantar seus métodos integracionistas, que pregam tolerância mais que louvável aos alunos, muitos deles vindos de situações traumáticas de guerras como a da Síria. Como eles sofreram e sofrem horrores com a pobreza australiana, podem chamar o professor de culinária de viado sem repreensão alguma. Por ser docente, ele tem que ser estoico e compreensivo. Lindo, né? Culpado é o resto do staff, que não entende os estudantes. Que o enorme êxodo mundial está juntando culturas que não gostariam que isso ocorresse, pra começo de conversa, não importa.
Dai, ocorre reviravolta que singulariza os 4 capítulos da minissérie. Um aluno é encontrado morto e a perspectiva vira mais de investigação policialesca, o que implica na descoberta de esqueletos no armário de todo mundo, inclusive de Bashir. Ele é um bom homem, mas não a última bolacha do pacote, ou até é, pensando melhor, afinal, bem frequentemente esse biscoito se parte, quando a retiramos.  
The Principal é inteligente, porque consegue ser eficiente suspense policial ao mesmo tempo que mostra que ações individuais podem fazer a diferença, mas não mudarão o desempenho e interesse de todos os alunos (se bem que Merlí e Rita são pura mistificação; eles se envolvem com um punhadinho de estudantes apenas) num passe de mágica. Aliás a resolução do assassinato subverte essa falaciosa narrativa de salvação universal pela educação a partir dum indivíduo-mártir-sacerdote-palhaço-melhor-amigo-figura paterna/materna-confidente  dos alunos.
Em termos de produção, The Principal também tem seu diferencial: é encharcada numa bela cinematografia amarelada, que mostra que ali o negócio é mais bem feito e “artístico”, além de conferir característica algo outro-mundista, o que não deixa de ser perigosinho: vamos lá, The Principal se passa, sim, numa Sidney forçadamente multicultural, que tem bairros pobres.
Nós, professores, brasileiros, não deixamos de sorrir, quando vemos a “pobreza” dos alunos australianos, pelo menos a ali demonstrada. Ah, se aqui fosse assim, já seria progresso!

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

CAIXA DE MÚSICA 289

Roberto Rillo Bíscaro

Pode ser pra causar, mas Tamar Braxton revelou que seu álbum mais recente será seu último. A empresária e estrela de reality show quer se dedicar à família. Bluebird Of Happiness foi lançado de forma independente dia 29 de setembro. Como ela e a irmã Toni sempre gostaram dum bom e gritado drama, pode ser que a afirmação não passe disso, afinal melodrama e berro é o que não faltam nas 11 faixas.
Em Blind, Braxton canta que prefere ficar cega a ver o amado com outra e em My Man esgoela “meu homem, meu homem, meu homem” inconformada de tê-lo perdido pra inimiga. Se você não gosta de exagero; se tem espírito discreto bossa nova, nem tente Bluebird Of Happiness, apenas pra apreciadores dum bom sofrimento, real ou inventado. My Forever, Heart In My Hand, How I Feel, Empty Boxes são outras baladas vocalmente intensas. Os arranjos são sempre discretos: fundo de piano ou electronica hip hop totalmente domesticada ao gosto do R’n’B contemporâneo. O foco do trabalho de Tamar Braxton é sempre sua voz, sempre ela.
A regravação da clássica The Makings Of You, de Curtis Mayfield, causará discórdia entre puristas. Fãs de soul music a conhecem bem nas vozes de Aretha Franklin e/ou Gadys Knight. Braxton hibridizou o tema, misturando voz e arranjos 70’s de Knight com a sua própria e arranjos contemporâneos de R’n’B, além de acrescentar à letra. Ficou no meio do caminho entre uma coisa e outra, mas até que dá pro gasto, embora eu não veja razão pra não ficar de vez com Gladys Knight And The Pips. Outro empréstimo, bem menos polêmico, é o de Pick Me Up, delícia pop soul dançante. Atente pro sampler de teclado de Love Come Down, sucesso oitentista de Evelyn ‘Champagne’ King.
Como no anterior, Calling All Lovers (resenhado aqui), Bluebirds Of Happiness tem um par de faixas que trazem a qualidade pra baixo. No caso anterior, eram baladas meio insossas, neste é o par de midtempos meio metidinhos a agradar plateias mais jovens, Run Run e Hol’ Up.
Se Tamar Braxton cumprir a promessa de aposentadoria, a soul music perderá uma caixa torácica capaz de muito drama. Tomara que reconsidere.

domingo, 29 de outubro de 2017

AVC DA SUPERAÇÃO

Depois de intensa dor de cabeça, Angélica foi ao chão, vomitando, em um restaurante. Estava tendo um AVC. Onze anos depois, restabelecida e livre de sequelas, ela conta sua história de superação. 

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

TELONA QUENTE 208


Roberto Rillo Bíscaro

Embora haja muita homofobia e perigo pros gays, não há como negar o aumento enorme na representação da homossexualidade no cinema e na TV nas últimas 2 décadas. Às vezes, dá impressão de política de cotas, porque filmes/séries têm que ter afro-descendentes, algum tipo de desvio da heteronormatividade e por aí afora. Não reclamo, constato. Tamanha representatividade pode levar a ideias errôneas de que na vida fora das telinhas/lonas, comportamentos homoeróticos sejam tão normalmente aceitos como os heterossexuais. A passeata neonazi na Virginia deveria servir como abridor pra muitos olhos hipnotizados por fantasias midiáticas.
O simpatiquinha, porém descartável, 4th Man Out (2016) é bem característico desses tempos onde desvios da heterossexualidade são mais mostrados como plenamente aceitos, do que realmente são. Estreia do roteirista Aaron Dancik e do diretor Andrew Nackmah, o filme pretende mostrar que é OK ser gay e a aceitação nem é mais tão difícil. O problema é que a própria narrativa não está totalmente confortável com a homossexualidade, problema exacerbado por roteiro esgarçado.
Numa dormente cidadezinha operária do nordeste dos EUA, o mecânico Adam revela-se gay pra seus 3 melhores amigos; 2 dos quais chegam a ser caricaturas de heterossexualidade, com seus comentários e peidos. Os caras nem chegam a protestar ou rechaçar Chris, porque são personagens mal construídas pra burro. O mais bem realizado é o bonitão Chris, que aceita Adam numa boa. Como Chris é mais bem escrito que Adam, o interesse recai quase sempre no seu lado da história, então tem hora que 4th Man Out é mais sobre a possibilidade de se ter um amigo gay, do que ser gay. Mas ser gay sem ser efeminado, porque a narrativa nos apresenta uma série de cartuns de personalidades gays “indesejáveis”. Na verdade, há um trecho, onde o real e único interesse é se Chris consegue a menina que cobiça.
Até há uma tentativa bem-intencionada e divertidinha de inverter estereótipos atribuídos a gays, mas o roteiro jamais se aprofunda em nada muito criativo. Enfim, 4th Man Out é passatempo que prega a convivência da diferença – desde que não muito diferente – e por isso merece simpatia, mas não soma muito.
Vi na Netflix, quem sabe ainda esteja no catálogo; tentem.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

CONTANDO A VIDA 209

DUAS AVENTURAS COLOMBIANAS

José Carlos Sebe Bom Meihy

A convite da Pontifícia Universidad Javeriana, de Bogotá, na Colômbia, ministrei breve curso de história oral, entre os dias 09 e 14 de outubro último. Desmentindo a noção de que os colombianos são flexíveis e algo folgados, ou que seriam uma espécie de eco do comportamento brasileiro, fui desprevenido para o volume de trabalho que tive que cumprir. Curso pela manhã, repetição para outra turma à tarde, encontros de trabalho depois da aula, uma aula magna. Isto tudo sob frio e variação de temperatura, inclusive com chuva. Foi uma semana intensa, mas que, em medidos intervalos me permitiu visitar amigos muito queridos. Sim, nas intermitências fugia dos compromissos e assim pude conviver com outras tribos, pessoas com as quais troco experiências acadêmicas e de afetos desde 2009. Num desses dias, exatamente no dia 11, numa brecha cavada na agenda, fui vê-los para jantar. O arranjo do local foi feito por eles, que escolheram magnifica tratoria italiana, no simpático bairro de Macarena. A alegria da conversa se fez progressiva enquanto multiplicávamos assuntos, acertando temas desdobrados desde nosso derradeiro encontro, há pouco mais de um ano. E não faltavam temas: o acordo de paz, os efeitos do Prêmio Nobel entregue ao Presidente Santos, as consequências da entrega de armas das FARC, a visita do Papa. E tudo regado a comparações com a situação do Brasil. Em uma espécie de disputa, medíamos desgraças, pois apesar das aparentes conquistas colombianas, a corrupção tinha se instalado de maneira mais definitiva do que se pensa. E estávamos competindo nessa seara, cada parte tentando mostrar que nossos políticos eram os piores. A contenda seguia célere quando, de repente, sem que houvesse qualquer suspeita, o motorista que havia nos conduzido desde o meu hotel, adentrou e, ante a surpresa de todos, perguntou se alguém havia deixado cair um celular. Imediatamente, consultamos nossos bolsos e era exatamente o meu. Empalideci, pois o meu aparelho tinha pouco mais de dois meses e, novamente, eu o teria perdido. Alejandro, marido de minha companheira de trabalho, Alba, e eu levantamo-nos, fomos em direção do carro que estava à porta e ouvimos de uma gentil senhora, passageira que se sentou no espaço que ocupei, reconheceu-me pela foto no visor do aparelho e devolveu meu objeto. Feita a gentileza, voltamos ao salão, pusemo-nos a medir a grandiosidade da distância entre governos que roubam e pessoas da sociedade civil que desmentem a perenidade cultural de situações que implicam veto em ficar com o alheio. Reinou certa perplexidade, mas daquelas com final feliz. Abraços de despedida, promessas de novos encontros e restava a lição da honestidade popular.
Os dias passaram rápidos, e entretido em tantas atividades, apenas tive o sábado para lazer. O primeiro de meus intentos era voltar ao Museu Botero, um dos meus centros favoritos no mundo. Essa nova empreitada começou com a chamada de um táxi. Marquei o número do chapa que terminava numa combinação fácil de dia e mês de meu aniversário. Perdido na magnífica coleção, tão entretido estava que não notei que antes, ao pagar o motorista, havia deixado cair meus pesos colombianos, algo em torno de 200 dólares, dinheiro reservado para a compra de pequenas lembranças para familiares e amigos. Apenas dei conta quando fui efetuar o pagamento de suvenires adquiridos ali mesmo, na loja do Museu. Outra vez me acometia aquela sensação desagradável de frustrações. Em outro táxi, experimentei mais uma vez a amabilidade do motorista que entendeu a situação e se dispôs a me levar de volta ao hotel, e resolver novo câmbio de moeda para efetuar a paga da corrida. Resolvido o caso, com ajuda do pessoal do hotel, chamei o táxi anterior e... e... em alguns minutos estava o motorista que havia recebido de outro passageiro minha carteira com o dinheiro, cartão de crédito e um documento de identidade. Alegre, surpreso, superei a recriminação pessoal, comum nesses casos, pela consideração da honestidade popular. Voltei, fiz minhas comprinhas, passeei mais um pouco e já no aeroporto me coloquei assinalando os feitos das experiências. Poderia dizer que o ganho foi grande. Aprendi que tanto vale pesar a corrupção sistêmica, da política, como também ver o avesso disso tudo. Presidem na sociedade seres honestos e capazes de gestos grandiosos. Vou tomar mais cuidados com objetos e dinheiro em próxima viagem, mas não quero perder a esperança de crença nas pessoas comuns.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

TELINHA QUENTE 282


Roberto Rillo Bíscaro

Slasher, série do canal Chiller, especializado em horror, foi cancelada devido à baixa audiência. Malgrado defeitos de produção e roteiro, foi decente homenagem aos slasher films dos anos 1980. Leia resenha aqui.
Plataformas de streaming parece que adoram dar segunda chance a séries machadadas e foi o que a Netflix fez. Produziu uma segunda temporada, adicionada ao catálogo semana passada e que minha paixão por slashers fez passar adiante de tudo, pausar o que via no momento e assistir de maratona. Os 8 capítulos de Slasher: Guilty Party (SGP) foram gravados em maio e escritos pelo idealizador do projeto desde a temporada anterior, Aaron Martin, que ama slasher films, Agatha Christie e mistérios policiais, tipo Broadchurch.
SGP seguiu a tendência do superestimado American Horror Story e voltou com outra mitologia, novo cenário, personagens diferentes. Dessa vez, um grupo de ex-supervisores de acampamento de verão retorna ao sítio, a fim de coletar evidência comprometedora duma coisa terrível cometida há cinco anos. Os atuais ocupantes da propriedade são um grupo alternativo bem Namastê, com aquela conversa Era de Aquário (argh!). O local fica isolado e é o pico do inverno. De repente, membros de ambos os grupos começam a ser brutalmente mortos e os segredos e culpas vão emergindo.
A série canadense volta a lidar com lugares-comuns definidores do subgênero slasher, como a Lei do Retorno: fez errado, paga. Horror e papinho New Age compartilham tanto! A escolha e aproveitamento do inverno justificam o isolamento do grupo, além de conferir mais frialdade e desespero na fase em que as personagens percebem que vão perecer. Vira meio que um slasher noir. Aliás, a roupa e máscara do/a serial killer remeteram-me a obscuro filme bem antigo; já vi coisa similar. Não tô acusando SGP por isso; a indumentária funciona, embora sem poder de virar icônica. Embora ache pecado mortal usar revolver como arma pra eliminar as vítimas, isso acontece pouco e há algumas mortes beeeeem legais.
Outro ponto positivo de SGP é elevar a faixa etária dos tradicionais adolescentes pra adultos e gente entrando na meia-idade. Isso teve repercussão na trama e no visual. A história mostrou que adultos podem fazer escolhas tão estúpidas quanto teens e visualmente é uma suspensão de descrença a menos pro espectador, que não tem que fingir acreditar que atores bem mais velhos são adolescentes. Recentemente via 13 Reasons Why e pensava “caraca, esse cara é uns 5 anos mais velho que a personagem!” E olha minha acuidade visual de 10%, heim gente? Então, os adultos em SGP emulam um daqueles jogos de verdade ou desafio, fazem simulação de julgamento e, clássico, saem sozinhos e, claro, são assassinados. Os tais joguinhos não levam a lugar nenhum na trama, estão lá pra efeitos de exposição e as saídas-solo até entendemos: um desconfia do outro. O roteiro é bem-feitinho.
Como há bastante tempo à disposição, conhecemos bem os passados, expostos através da intercalação de cenas no pretérito, conforme gosto atual. Isso não chega a afetar o ritmo, porque todo mundo tem históricos nada louváveis/monótonos, inclusive a galera vegana de fala mansa e manipuladora de cristais. O problema da desaceleração é aquele que afeta toda série de horror, especialmente as slashers. Não dá pra ficar adrenalinado e matando o tempo todo. Em filmes – quando bem-feitos – isso até se aguenta, mas em seriados essa barriga aumenta, então há momentos quando temos que aturar diálogo sobre a diferença da meia-noite e das 3 da manhã; a primeira consagrada às bruxas e a outra ao demônio, sendo que isso nada contribui pra história, que não lida com nenhum desses elementos.
Quem sabe não seria mais ágil, produtivo, barato e inteligente, pensar em capítulos mais curtos, nessas séries produzidas pra streaming? Que eu sabia só a Netflix exibe Slasher: Guilty Party e não é preciso se preocupar com inclusão de comerciais e encaixe na grade, então, por que não episódios, com digamos, 30,35 minutos ao invés dos usuais mais de 40?
Mas essa lentidão se pronuncia mais nos 2, 3 capítulos iniciais, depois, como num longa-metragem, a coisa pega fogo e torna SGP ainda melhor que a primeira temporada.

Já tô torcendo ansiosa e esperançosamente pra terceira!

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

CAIXA DE MÚSICA 288


Roberto Rillo Bíscaro

A psicodelia sessentista nunca morreu. Vai bem até hoje, enlouquecendo o underground e vindo à superfície disfarçada, de quando em vez, em álbuns pop, como no mais recente do Foster The People. No Brasil, segue circulando também, vide exemplo da paulista Bike, que lançou segundo álbum este ano e já fez até turnê pela Europa.
Na segunda metade dos anos 80, a Grã-Bretanha viveu surto psicodélico, então acrescentado do prefixo neo. Claro que bandas fundamentais do universo indie, como o Echo & The Bunnymen, utilizaram muito da cartilha psicodélica em seus álbuns iniciais, no começo da década. A reabilitação da guitarra em um mundo sinthpopizado, feita por Smiths e Jesus And Mary Chain, além de Echo, Cure e outros levou a um estouro de guitar rock na segunda metade da década. Misturando anos 60 com as jangling guitars de Johnny Marr, as distorções reverberadas do seminal Psychocandy (1985) e até o white noise domesticado em forma de arte pelo Cocteau Twins, uma porrada de grupos desabrochou a partir da chamada Class Of 86. Na verdade, a profusão de rótulos aumentava proporcionalmente ao número de bandas que o fértil celeiro britânico armazenava. The Telescopes, House Of Love, Soup Dragons, era um nome atrás do outro que líamos na Bizz, sem conseguir obter os singles/álbuns.
De vez em quando, aparecia messias que salvaria o “puro” e tadinho rock, contaminado, vilipendiado, humilhado devido ao império da música dançável sintetizada durante toda a década de 80, que fecharia com o estouro lisérgico da acid house, que fez com que os Soup Dragons regravassem sucesso dos Rolling Stones em clima bem dance rock, que subiu ao topo das paradas oficiais em 1990 e tocava até em pistas de dança da distante e petiz Penápolis.
Um desses salvadores da pátria roqueira britânica foi o Ride, formado em 1988, na universitária Oxford, por Mark Gardener (vocais e guitarra), Andy Bell (vocais e guitarra), Steve Queralt (baixo) e Laurence Colbert (drums). Esse Andy Bell não é o do Erausre, mas seria o do Oasis. Quando os Stone Roses morreram na praia – que hype fizeram em cima dessa banda mediana, Jesus! –  o clima meio onírico chapado e certa postura de “tô nem aí” no palco, garantiram que a imprensa musical inglesa entronasse o quarteto como reis do shoegaze, título que sempre refutaram.
Em 1990, o hoje semiesquecido Ride era a salvação. Essa posição não se manteria por muito tempo; caíram em desgraça mais celeremente do que viraram queridinhos. O sucesso nunca passou muito dos confins indie, as desavenças internas não demoraram, o desgaste das turnês e o atropelamento pelos trens grunge e britpop obsoletaram seu som quase de hora pra outra. Em 96, saiu o fiasco Tarantula e depois cada um seguiu seu caminho.
Com o fim dos Smiths, em 87, e a decadência do Cure, Siouxsie e dos astros pop oitentistas, parei de atentar pra cena “nova”, acho que a partir dos Stone Roses. Desse modo, não vivi a onda das bandas de nome curtinho tipo Ride e Lush. Escolhi não experimentei grunge ou britpop, porque passei os 90’s colecionando material dos membros e ex do Genesis, ouvindo prog rock e resquícios oitentistas. Claro que conhecia Smells Like Teen Spirit, do Nirvana e Alright, do Supergrass, mas preferia ouvir Steve Hackett (até hoje). Só na era da net que ouvi várias coisas 90’s com mais atenção, inclusive o Ride. Nada marcou a ponto de sempre escutar, porém.
Mas, quando li que retornaram com Weather Diaries, dia 16 de junho, deu aquela nostalgia, afinal início dos 90’s ainda era 80’s. Ouvi o single Charm Assault e pirei. Ficou no repeat e decidiu o imperativo de ouvir as 11 faixas dos já (quase) 50tões. E não é que os coroas ainda dão boa descarga de oníricas harmonias vocais e instrumentais temperadas em viajante psicodelia contida pra ser palatável a apreciadores do formato canção indie rock? Confira a linda Cali.
Lannoy Point abre criando clima, introduzindo instrumento atrás do outro pra criar atmosfera bem apropriada pra entrada em palco, até que bateria bem 1986 entra com guitarra e baixo e as coisas ficam típicas da cena inglesa dos late 80’s/early 90’s. Não demora prum solo de guitarra todo jangling encantar. Desculpem usar o inglês jangling, mas pra mim essa é a única definição pra esse tipo de guitarrada. Charm Assault vem em seguida; ponto alto do LP. Irresistivelmente pra bater cabeça e cabelão e prova – pra quem esquecera ou não sabia – de que o Ride deve muito ao My Blood Valentine.
A vibe mais pra cima – dentro do possível pro brumoso Ride – das 2 primeiras canções engana quem esperava disco no estilo. As 9 faixas restantes são bem mais lentas, nada dançantes, apresentando vários andamentos e versões de algo como psych-ballads, tipo Home Is A Feeling, Impermanence ou White Sands. All I Want está nessa categoria, mas abre com o maior tropeço do álbum: pra que aquele truquezinho pop de boy band de botar vocal em eco no começo? Não combina com o esfumaçado hipnótico do resto. Muito melhor é a faixa-título, que em seus quase 7 minutos mantém a característica de psicobalada, mas ao final, uma avalanche de estática literalmente destrói a melodia, deixando apenas fragmentos de cordas. Grande faixa.
Rocket Silver Symphony tem 2 minutos de ambiência space rock pra se transformar em psicodelia com incrustações de estrutura repetida de krautrock/Kraftwerk, que, como sabemos influenciou muito da EDM, que também informa a canção. Nesse caso os vocais com eco funcionam, porque dentro de padrão apropriado. Lateral Alice é psicodelia anos 60 trombada com um mundo pós-Jesus And Mary Chain. Guitarras graves e bateria avalanchada dão-lhe notável energia. Integration Tape utiliza fragmentos sônicos e white noise de ninar, pra estabelecer seu clima de viagem interssensorial.
O tempo nesses diários é nublado com bruma chuvosa, um dos traços distintivos de muitas bandas etiquetadas shoegaze. Essa cerração sônica permeia as 11 faixas de um álbum que colocou o Ride no décimo-primeiro lugar da parada inglesa. Nada mal e eu que os cria semiesquecidos.

domingo, 22 de outubro de 2017

PORCO-ESPINHO ALBINO EM VÍDEO

Porco espinho albino é capturado por Bombeiros



Durante a tarde desta quinta-feira 19/10, a guarnição do Corpo de Bombeiros composta pelos Cabos Ramos e Reis, foi acionada a comparecer no Bairro Marechal Rondon em Ariquemes, para realizar a captura de um animal. Chegando ao local passado pelo solicitante, os Militares se depararam com um ouriço cacheiro (porco espinho) albino. O animal foi capturado e solto em uma área verde para ficar em seu habitat natural. Porco espinho albino é um animal raro, pois o albinismo é uma característica recessiva que atinge entre 1% a 5% da população mundial. Esta condição genética ocorre em praticamente todo o reino animal inclusive nos seres humanos. Os indivíduos albinos sofrem de uma deficiência em uma enzima envolvida na produção da melanina. Mesmo parecendo um animal inofensivo, espinhos dos ouriços, são pelos modificados, extremamente duros, que servem como defesa. Quando um predador encosta no animal, esses, espinhos se soltam, fixando-se na pele e musculatura do atacante. Sua ponta tem minúsculas farpas que tornam a extração difícil e dolorosa. Em caso de animais silvestres serem encontrados em área urbana, é recomendado acionar imediatamente o Corpo de Bombeiros para que seja feita a captura.

sábado, 21 de outubro de 2017

WET N WILD N...ALBINA!


Marca escolhe modelo albina para campanha de beleza

Diana Forrest é o novo rosto da marca Wet N Wild

A modelo albina Diandra Forrest compartilhou a notícia em suas redes sociais e foi celebrada por todos aqueles que vibram pela inclusão e pelo respeito à diversidade. Albina, ela foi a primeira modelo com essa caracteristica a ser escolhida como rosto para uma campanha de beleza.


Diandara é estrela da da Wet N Wild, cuja campanha Breaking Beauty pretende celebrar características físicas que geralmente somos levados a cobrir e a disfarçar. Segundo o site de moda Refinery29, esta é a primeira vez que uma modelo albina é rosto de uma grande campanha de beleza.

Diandra revelou ao site que o objetivo de sua participação é desmistificar sua condição de pele. “Eu quero normalizar a maneira que o albinismo vem sendo representado. Quis fazer isso por mim e pelas jovens garotas crescendo,” disse.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

EQUIDNA ALBINA


As equidnas são mamíferos incomuns e de hábitos noturnos. Junto com seus parentes ornitorrincos, são os únicos mamíferos existentes que botam ovos. Na Austrália, são também chamadas de tamanduá-de-espinhos e de equidna-ouriço.

Há três espécies de equidna. A equidna-de-focinho-curto é comum na Austrália e na ilha da Tasmânia. Duas espécies da chamada equidna-de-focinho-longo vivem apenas na ilha da Nova Guiné.

Recentemente, uma equidna de focinho curto albina foi filmada em um parque na Tasmânia. O vídeo está no link:

PAPIRO VIRTUAL 117

Roberto Rillo Bíscaro

Antohony Trollope não gostava de Evangélicos, subdivisão do protestantismo desde o século XVIII mais ou menos e que hoje se espalha mundo afora. Não é de admirar, portanto, que a revista Good Words tenha recusado publicar Rachel Ray (1863), quando leu o material encomendado ao escritor inglês, que apresenta as personagens evangélicas como intolerantes, mercenárias e amargas. Mas, claro que havia também que se aprofundar na desonrosa guerra travada entre as diversas seitas protestantes na Inglaterra do século XIX pra se ter chão mais sólido pra compreender a recusa do editor, que temia ser “fervido vivo” com a publicação. Pesquisar sobre essa encarniçada luta por detrás dos púlpitos, poderia colocar em xeque muito do que se prega neles.  
Como Trollope estava quase no pico de sua fama, não foi difícil vender Rachel Ray pra outra editora e até faturar mais do que com a Good Words, pra qual não parou de colaborar. Trollope era prolífico, da vasta gama de escritores profissionais mesmo, atacado na época por ser dinheirista por setores cristãos rivais à revista. Ele vivia de vender sua escrita, mesmo que fosse pra quem não apreciasse.
Como esses escribas produziam literalmente em série, o nível artístico varia. Rachel Ray não figuraria entre o melhor de Trollope, mas é correta, embora escapa-me como leitores contemporâneos não fãs de século XIX ou estudando algo correlato poderiam se envolver pelo romance. Imagine uma garota de hoje deparando-se com um dos dilemas da personagem-título: deixar ou não o pretendente chamá-la pelo primeiro nome.
Um dos interesses da história é que muito dela foca na classe média baixa, bastante ausente das obras eleitas como cânone da literatura britânica. Tem “mama” e “papa”, não se preocupem, mas tudo se passa na pequena e provinciana Baselhurst, onde existe a cervejaria dos Tappitts, gente que veio de baixo, ralando, o que Trollope indica pelos ocasionais deslizes da norma culta, do casal nada simpático. É don’t no lugar de doesn’t e verbo to be empregado erroneamente. Os Tappitts têm 4 filhas e ficam esperançosos de casar alguma com Luke Rowan, afluente londrino que chegou a aldeia por ter direito sobre parte da cervejaria. Mas, o jovem se engraça por Rachel Ray, moça bem classe média baixa, que vive fora da urbe e tem amizade com campesinos.
O núcleo de Rachel é formado pela mãe irritantemente maria-vai-com-as-outras e pela devota irmã Dorothea, evangélica daquelas que acreditam ser necessário ser infeliz na terra pra ganhar a felicidade no céu. O narrador não deixa de acusar a hipocrisia nesse discurso, uma vez que Dolly enviuvara cedo e tal fervor salvacionista poderia muito bem ser resultante do amargor da solidão. Tal rigor faz com que seja contrária ao interesse de Rowan pela irmã, assim como quase todo o círculo – influenciado pela opinião de pastores e pela opinião púbica de Baselhurst, que vê o forasteiro londrino com maus olhos por querer modificar o método da produção da cerveja de péssima qualidade produzida pelos Tappits.
Pra variar, isso que realmente me interessou em Rachel Ray, o romance: Luke Rowan personifica o avançar inexorável da produção capitalista, que advoga mais qualidade nos produtos pra atender melhor o consumidor e pra vender mais (e é aqui que reside a ênfase, claro!). Devonshire consumia mais cidra, produzida artesanalmente, do que a industrializada cerveja dos Tappitts (do jeito que é descrita, quem poderia culpá-los?). Rowan vem com a proposta de modernizar a produção, manufaturar cerveja melhor e mais abndante e assim alterar o padrão de consumo. Rachel Ray é bem eficaz em descrever, como “pano de fundo”, como o modo de produção favorito dos meritocratas não permite que a produção se “acomode”; as alianças que estabelece pra se impor e sobrepor; como obsoletiza e constrói reputações e relacionamentos. Quando Baselhurst percebe que lucraria com a modernização da cervejaria, Rowan passa a ser queridinho bem rapidamente. Se eu estudasse romance da época, prestaria especial atenção às alianças estabelecidas para a eleição.
Mas o que está na frente é a história de amor de Rachel Ray, que, protagonista, não protagoniza nada, porque vive de obedecer a mãe indecisa e todas as circunstâncias a ela impostas. Não a odiemos, porém: a nobre Rachel é a pintura da mulher e futura esposa perfeitas, que espera, que vai se submeter ao maridón, assim como ora se resigna com a escolha da mãe pra que não dê corda pra Mr Rowan. Também caracteristicamente, a inferioridade social e econômica de Miss Ray é encarada como erro a ser corrigido. Seu inglês é perfeito, seus modos e maneiras de classe mais elevada – ou o que se idealiza desse grupo. Pra esse tipo de personagem na verdade não existe ascensão social – pura ilusão de ótica ideológica – mas, uma espécie de recondução a seu lugar de mérito. 

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

TELONA QUENTE 207


Roberto Rillo Bíscaro

No momento em que o narrador de Uma Beleza Fantástica (2016) inicia, contando a estapafúrdia gênese de Bella Brown (criada por patos, dá um tempo!), conectei-o à O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001). Por pertencer à rarefeita minoria que prefere extração dentária a rever o excessivamente longo, tedioso e sacarinado filme francês, deveria ter dado stop, classificado negativamente e buscado outra coisa na Netflix. Tom Wilkinson em papel proeminente me impediu essa sábia atitude e terminei por testemunhar a sensaboria do roteiro e direção do britânico Simon Aboud, que implora pra que simpatizemos e nos emocionemos com essa picaretagem, digo, “releitura” inglesa do original francês.
Jessica Brown Findlay (a desviante Lady Sybil de Downton Abbey) é Bella, moça que parece ter caso severo de TOC e fobia de animais e plantas. Trabalha numa biblioteca, onde chega sempre atrasada, e quer ser escritora infantil. O vizinho é senhor rabugento, que trata seu cozinheiro irlandês como escravo, fazendo-o rebelar-se e procurar refúgio na casa de Bella. Ele tem 2 filhas, mas aceita cozinhar pra garota, mesmo que ela não o pague. O jardim de Bella é um desastre, porque ela tem a tal fobia, mas seu senhorio a ameaça com despejo caso não dê um jeito nisso. O velho vizinho, então, revela-se mentor que guiará Bella pelo maravilhoso mundo da jardinagem, metáfora pra seu florescimento, ao redor da qual giram todos os demais, a fim de desabrochá-la.
Uma Beleza Fantástica se vende como “conto de fadas moderno”, mas seu roteiro e estrutura são tão cheios de furos e o tema tão clichê, que é uma ofensa à organicidade e telurismo das histórias que há gerações falam sobre alguns de nossos medos (claro que não me refiro às versões da Disney, de onde vem parte da mentalidade infantiloide da produção inglesa). Protagonista é quem faz a trama andar; como classificar Bella se não faz nada? É comandada pelos homens a seu redor, que praticamente deixam suas vidas pra empurrá-la do ninho.
O roteiro usa transtornos mentais como convenientes marcadores simpáticos de estranheza, naquela vibe  pós-moderninha “é legal ser diferente”, de filme indie cuti cuti tutti frutti. Mas Bella não passa de uma songa-monga mal-vestida, que nem estofo pra escritora tem. O livro que escreve – ou vocês acham que não tem final feliz?! – é rapinagem das histórias contadas pelo vizinho. E como acreditar que um senhor que numa cena humilha gratuitamente um empregado, do nada, veja potencial numa menina que nem conhece e comece a jorrar lições de vida e bondade? E como um cidadão com 2 filhas pra sustentar aceitaria viver ao redor de Bella, sem nem salário? A fim de satisfazer o vício atual por doçura, Aboud criou história onde diversas vidas não têm significado, apenas pra justificar uma (medíocre, ainda por cima). Hipocrisia narcisista, disfarçada de coisinha fofa, ui ui, ai ai.
Não tenho dúvidas de que multidões se encantarão com Uma Beleza Fantástica, mas isso nada significa, afinal, o fato de legiões amarem junk food não quita seu estatuto de lixo.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

CONTANDO A VIDA 208

ALLONS ENFANTS DE LA PATRIE...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Atravessamos dias difíceis, não resta dúvida alguma. E ninguém está isento. Em momentos instáveis, por certo, é complicado manter o equilíbrio, não perder o juízo. Tenho aprendido, com mais pacientes, que nas instabilidades, em último caso, é melhor ficar quieto, observar e filtrar palavras que apenas devem ser pronunciadas em caso de oportunidade. Confesso que, como dizem os mais jovens, “ando cabreiro”. De tal maneira tenho me calado que temo somatizar situações culturais que fazem mal à saúde. Na contramão de tantos interditos, troco ideias com pessoas afinadas, pares de ideias e percepções, seres abertos à criatividade, gente sem ódio. Escrever me é outro elixir, e perturbo a brancura das páginas com protestos surdos, tristes, desiludidos, de uma intimidade sofrida. 

Sim, dói-me muito ver amigos queridos, pessoas que historicamente fazem parte de meu universo afetivo, valendo-se de redes sociais, exarando laivos autoritários, repetindo jargões cansados e até aplaudindo tendências políticas ultraconservadoras. Nesses labirintos sem saída, contudo, uma alternativa me consolou: hierarquizar em registros minhas mágoas, mas não para guardá-las em páginas pessoais, mas, pelo reverso, publicar meus desabafos, provocando assim diálogos menos verborrágicos. Por questão de espaço, vou poupar leitores da fartura de queixumes. Enumero apenas dois pontos que, no momento, me são os mais intrigantes. O curioso é que ambos se emendam, completando-se por explicativos que são. 

O primeiro fere minha sensibilidade de professor, historiador, pai/avô, cidadão que aprecia arte, busca museus e exposições. Sim, vou falar mal do veto grassado por “autoridades” que, inclusive fora do círculo da própria competência, sem educação cultural mínima, censuraram a exposição “Queermuseu”, e alimentaram, com suas atitudes grotescas, um dos mais vexatórios atos de censura. Gostaria de ir mais a fundo nos argumentos que se emendam ao de tantos outros defensores da arte como forma de expressão livre e democrática. Neste sentido, mais do que adjetivar ignorantes, gostaria de dizer que arte é um código expressivo que ganhou linguagem universal por ser cumulativo, cultivado por crítica especializada, transmitido em favor da beleza. Basta pensar nas primeiras inscrições das cavernas, nos desenhos e afrescos gregos, na estatuária romana, nas referências cristãs que divinizaram o corpo de Cristo nu, na beleza das madonas com seios fartos, no vislumbre erótico das referências mitológicas, nas dimensões dadas pelo romantismo que colocou nuas ninfas, pessoas comuns, deuses e deusas, no impressionismo libertário das cores, no atrevimento modernista, em tudo enfim, para ver que a arte encanta e educa. E mesmo contra a ação inquisitorial, hitleriana ou stalinista, a arte fez circular o bom ar do prazer visual e da comunicação social. Os maquinários modernos, a fotografia e o cinema, por sua vez integraram o âmbito difusor do gosto, afinando sentidos. 

Como não poderia deixar de ser, o mundo avesso também se eternizou e assim, principalmente pela negação de todos os aparatos da arte, a pornografia tomou o lugar da beleza erótica e os mais incultos, aqueles de corações sujos, os de mente imunda, fariseus vestidos de pastores, exercitaram a ignorância dando vazão ao que escondem em suas almas danadas. Confundir erotismo com pornografia é distorção imperdoável, ainda que se torne prática censora poderosa. O pior é que fazem isso em nome da família, sem explicar, contudo, de que família falam (certamente das deles). E não bastasse, investem na educação como guardiões do conhecimento, como se o saber pudesse ser crivado e pecaminoso. É importante repetir que estamos habituados, culturalmente, às exposições nas praias, na televisão, nas ruas, e, pelo inverso, ir a museu é ato de escolha. Que não venham, portanto, fundamentalistas dizer que quem quer não pode optar para onde levar seus filhos. E os filhos, por que não deixá-los admirar a beleza visual refinada? Será que devemos esperar que eles aprendam como os pais que veem o mal em tudo? 

Complemento do primeiro item, o outro afeta a escola. Devemos condenar o fundamentalismo religioso com força e nos indignar com a permissão do ensino religioso. Sem temor, precisamos ver que um bando de legisladores, obscurecidos pelo viés autoritário, se converteu em “bancada política”, e tem ganhado força desmedida. Às vezes às claras, outras travestidos de normalidade, saídos das igrejas, adentram setores do poder legislativo e, como rapinas, ferem direitos e se esforçam por limitar olhares que, afinal, por inteligentes e livres, podem virar contra eles. É preciso recobrar a Constituição e advogar o direito à livre expressão, à crítica, à criatividade. Demorou para que conseguíssemos ser um estado laico. Ainda que nossa depauperada educação pública esteja mal, não cabe gastar mais dinheiro colocando o ensino religioso como matéria de formação. Por neutros que sejam os professores, não é correto (nem honesto) substituir conteúdos que cuidem de maneira objetiva de direito ambiental, das diferenças sociais, dos segmentos deprimidos pelo sistema injusto. 

Cabe, finalmente, reclamar contra os valores políticos coloridos pelos devotos da censura. Esta matéria não se polariza em esquerda ou direita. Em ser simpático a este ou àquele sistema. Nada disso. Trata-se, isso sim, de respeito a princípios discutíveis, debatidos em arenas livres, acima de vetos, sanções, censura. Trata-se sobretudo em substituir dogmas pela inteligência. Vamos... Vamos fazer como alguns museus parisienses que convidam os filhos para levar os pais para ver exposições de arte. Entendo melhor agora a primeira frase da Marselhesa: allons enfants de la patrie... Vamos crianças da pátria... Vamos levar os pais fundamentalistas para os museus... Quem sabe eles se convertem à beleza e deixem livre o céu da inteligência. Quem sabe?!...

terça-feira, 17 de outubro de 2017

TELINHA QUENTE 281




Roberto Rillo Bíscaro

Ano passado, o articulista Brian Boyd, do The Irish Times, escreveu que Israel era a nova Dinamarca, quando se tratava de sériesexcitantes. O pequeno país escandinavo foi a locomotiva da invasão de shows estrangeiras na TV britânica, depois do sucesso da legendada Forbrydelsen. Suécia, Itália, Noruega, Islândia, Bélgica já tiveram produções cultuadas por uma geração, que meio ironicamente, Boyd diz passar as noites de sábado em frente à TV, com seu Chardonnay, sentindo-se especial, porque lê legenda.
Sem entrar no mérito da gratuidade da farpa, o jornalista escrevia sobre Hostages, série israelense, então exibida pela BBC4. É certo que o pequenino país asiático tem oferecido excelentes produtos, que os norte-americanos não param de adaptar, como In Treatment, Homeland e a própria Hostages. Esse encanto novo da nuvem cultural gafanhota pela nação judia é que levou Boyd a sugerir a troca da Dinamarca por Israel.
As 2 temporadas de Hostages – disponíveis até dubladas na Netflix brasileira (foi assim que vi, não tenho fetiche por legendas) – estavam na minha mira há meses, então, esperei o feriadão da Independência, pra mim acrescido de mais um dia devido à extração dos últimos sisos, para dedicar-me aos mais de 20 episódios. Fiz bem em ter assistido em época possível de fazer maratona. Hostages prende e, lá pelo capítulo 5 em diante da segunda temporada, se você não tiver bastante tempo, terá que recorrer a ansiolítico até poder ver a prestação seguinte.
A competente, competitiva e linda Dra. Yael Danon está prestes a atingir o cume da carreira: no dia seguinte operará ninguém menos que o amado Primeiro-Ministro Shmuel Netzer, mas na véspera, encapuzados invadem sua casa e mantém a família refém (hostage, em inglês). A exigência é que a médica mate o político na mesa de cirurgia. Como ela tem que ter liberdade de ir e vir pra não levantar suspeita e, óbvio, poder operar, Hostages não é de longe um drama estático. Além disso, segredos emergem; relacionamentos entre os sequestradores e entre estes e os reféns se desenrolam, tornando a série muito dinâmica. A segunda temporada é outra situação de cerco entre polícia e reféns, decorrente das ações da primeira, mas não com todas as personagens.
Hostages é como um longo longa-metragem de horas e horas, porque realmente entendemos algumas das motivações apenas no decorrer da segunda temporada.  Ao contrário de tantos filmes e mesmo séries, como Fauda, Hostages não aborda a problemática relação entre árabes e judeus; tudo se passa em Jerusalém, mas as motivações são mais pessoais do que políticas. É ótimo ver abordagens do conflito étnico entre árabes e judeus, mas também é salutar demais termos noção de que a cultura israelense não apenas vive e respira isso. Hostages é problema intrajudeus.
A dimensão pessoal preponderando foi escolha sábia do roteiro, porque Hostages é thriller pra diversão e não elucubração. São revelações e reviravoltas mirabolantes pra quem está atrás de emoções, sem se importar se a trama é plausível. Advertência: se você é do tipo que preza “realismo”, essa série não é indicada. A delícia de Hostages é ser tão despirocada quanto Scandal ou Whitechapel. Totalmente viciante em seu redemoinho implausível. Fazia tempo que corridas contra o relógio – há repetidas, especialmente na eletrizante segunda temporada – não me deixavam tão tenso e sem forças pra sair da Netflix.
Não sei se Israel é a nova Dinamarca televisiva, mas o rico país europeu ainda está com a bola toda e influenciando. Mais pro final da temporada 2, Kim Bodnia – o Martin Rohde, da cultuada Bron/Broen – aparece pra adicionar ainda mais complicação à vida das personagens israelenses.
Se eu não puser Hostages na minha lista de melhores do segundo semestre, podem enviar e-mails com vírus fatais!

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

CAIXA DE MÚSICA 287


Roberto Rillo Bíscaro

Como tantas negras norte-americanas, Lizz Wright começou cantando na congregação onde seu pai era pastor e diretor musical, no sulista estado da Georgia. E é pra homenagear essa região – controversa por seu racismo e separatismo latentes – que a jazzista escolheu as 10 canções de Grace, lançado pelo selo Concord, dia 15 de setembro. O trabalho reúne uma inédita e 9 regravações, de gente que vai de Ray Charles a Bob Dylan (a baladaça country Every Grain Of Sand, já gravada por Emmylou Harris) até kd lang (a balada meio anos 40 Wash Me Clean). Wright não teme cobrir material consagrado por lendas como Billie Holiday: confira o madrigal de cordas superpersonalizado que criou em Stars Fell On Alabama.
A Graça evocada pelo título está em todas as faixas, mesmo quando as letras não tematizam sobre religião, afinal, Grace não é álbum gospel e Wright é intérprete secular. Mas, o clima de spiritual e de louvor ou perdão também tem tudo a ver com a tradição sulista das igrejas negras entoando canções que originaram o rock’n’roll, dentre outros petiscos musicais do século XX, que tornaram a música norte-americana a mais influente do planeta.
Dona de caixa torácica que facilmente permitiria berreiro sem fim (delícia, amo!), Lizz usa seu potente registro grave de forma mais calma, mas marcante. Sua voz tem tom de terra quente e molhada; fértil pra fazer brotar a cevada (Barley) no R’n’B que abre o LP. Isso, somado a arranjos dispensadores de qualquer modismo de produção, faz com que Grace soe ainda mais telúrico; marca registrada da tradicionalista Lizz Wright, vide o LP anterior, Freedom & Surrender, resenhado aqui.
A única inédita, o country emocionante de All The Way Here, encerra o álbum e dá vontade que a cantora componha mais e lance LP só de novidades. Mas, mesmo que Wright se dedique a regravar, não há do que reclamar quando os coros gospel poderosos se erguem em canções como Seems I’m Never Tired Lovin’ You ou quando o secular que originou o rock se infiltra na guitarra inquieta do spiritual R’n’B de Sining In My Soul. E quer melhor pra provar que o sul norte-americano tem muito mais do que atraso do que a quase hipnótica Southern Nights?
Com nenhuma nota ou arranjo fora do lugar, Grace deixa o ouvinte em puro estado de Graça.

domingo, 15 de outubro de 2017

ARQUITETURA DA SUPERAÇÃO

De engraxate a arquiteto, de arquiteto a arquiteto premiado, e agora, arquiteto com fama internacional. Conheça uma história de superação e sucesso que inspira quem não tem medo de sonhar.

sábado, 14 de outubro de 2017

ALBINO GOURMET 244

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

PAPIRO VIRTUAL 116 (ALBINO)


QUADRINHO FRANCÊS DO ELRIC DE MELNIBONÉ CHEGA AO BRASIL PELA MYTHOS


A criação máxima de Michael Moorcock, Elric de Melniboné, possuiu algumas adaptações em quadrinhos ao longo dos anos. A mais famosa e elogiada, produzida na França e publicada pela editora Glénat, é tida por Moorcock como “a versão mais perfeita de Elric“, e esta adaptação está chegando ao Brasil pela Mythos Editora.

Em meio a traições, feitiços e espadas mágicas, acontece uma luta acirrada pelo poder. Elric, o imperador albino criado por Michael Moorcock deve enfrentar seu primo Yyrkoon pelo controle do reino de Melniboné. E além de todos os perigos e armadilhas, os dois vão ter que lidar com as manipulações de Arioch, Senhor do Caos e Duque dos Infernos Abissais!


Elric: O Trono de Rubi traz um dos personagens mais importantes do gênero “espada e feitiçaria”, inaugurando a nova linha de quadrinhos da Mythos: o selo Gold Edition, em formato diferenciado!

A edição nacional irá compilar os dois volumes publicados na França até o momento, O Trono de Rubi (2013) e Stormbringer (2014). O terceiro volume, O Lobo Branco, foi lançado na França somente este ano, sem maiores previsões para uma quarta edição. A edição nacional inclui um pôster especial de 68 cm x 104 cm para clientes da Amazon e Saraiva.

Elric: O Trono de Rubi possui 124 páginas encadernadas em capa dura e formato 32 x 24 cm, e o preço de capa sugerido é R$ 84,90.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

DIA DA CRIANÇA EM MOÇAMBIQUE

Desconhecidos roubam mais uma criança albina no Niassa

Uma criança de um ano de idade, que sofre de albinismo, foi roubada por pessoas ainda não identificadas, na semana finda, no distrito de Mecanhelas, província do Niassa. Um cidadão está detido por se suspeitar que tem alguma conexão com os presumíveis criminosos.

O roubo do miúdo aconteceu à noite, no povoado de Maico, quando ele estava a dormir junto da sua mãe. Não é a primeira vez que um caso similar acontece naquele ponto de Moçambique, e as restantes ocorrências ainda não foram esclarecidas pelas autoridades policiais e da justiça.

Segundo a Polícia da República de Moçambique (PRM), no Niassa, o cidadão ora preso albergava gente de considerada de conduta duvidosa na sua residência.

O albinismo é uma doença que se caracteriza por ausência ou grande falta de pigmento na pele, nos olhos, nos pêlos e no cabelo.

Em Janeiro deste ano, no Niassa, um miúdo de sete anos de idade, também que sofre de albinismo, foi roubado por quatro indivíduos desconhecidos, depois de arrombaram a porta de casa onde a vítima estava com a família, a dormir.

O caso deu-se no distrito de Ngaúma. Nunca mais se soube, publicamente, se o rapaz foi ou não resgatado, nem se os raptores foram detidos.

O informe anual da PGR é deveras vago em relação a este problema. O mesmo refere que o Plano de Acção Multissectorial criado pelo Governo, em 2015, para lidar com o mal acima exposto, permitiu que o tráfico e/ou assassinato de albinos reduzisse de 51, em 2015, para 15, em 2016.

TELONA QUENTE 206


Roberto Rillo Bíscaro

Tenho lido/ouvido muito o termo empoderamento duns tempos pra cá. Bastou aparecer personagem minoritária e a simples representação é índice de empoderamento. Foge ao escopo de minhas resenhas fazer discussão acadêmica sobre temas, afinal este é um blog pra entretenimento, quando não sobre o assunto albinismo, mas seria pertinente checar salários pra ver se atrizes intérpretes de empoderadas são igualmente cheias de poder como os homens, por exemplo.
Não procurei saber o salário da excepcional e premiada Paulina Garcia, mas Gloria (2013), dirigido por Sebastián Lelio, é excelente história de empoderamento feminino. A personagem-título é mãe de meia-idade vivendo muito só na capital chilena. Os filhos já adultos não têm muito tempo pra ela, porque têm suas vidas/problemas, então, resta-lhe o emprego e dançar em bailes da saudade (que toca música já da minha geração!) ou frequentar bares pra solteiros, onde de vez em quando arruma parceiro.
Gloria não apresenta nada de “especial”, como preconiza certa cartilha artística. Isso não significa que seja oca; é como todos nós, comuns: cantarola música brega a plenos pulmões, enquanto dirige, usa uns oculões gigantescos (parece Dustin Hoffman, como Tootsie, às vezes!). À primeira vista desanima; que história uma pessoa assim teria pra nos interessar? Pelo menos pros acostumados apenas à heroica narrativa comercial de Hollywood. Num desses bailes da vida, conhece Rodolfo, coroa simpático, carinhoso, inteligente, bem-sucedido e fera na cama. Quero ver se Hollywood botaria Michael Douglas e Dianne Keaton em cenas tão apimentadas e realistas, como as entre Garcia e Sergio Hernandez. Rugas, flacidez, nada é camuflado, mas o sexo na idade 3 parece ser muito bom. Rodolfo, porém, é dominado pelas filhas e ex-mulher dependentes e manipuladoras. Será que pra fugir da solidão, compensa ter um homem assim, mesmo que fofo, atencioso (quando não sai correndo pra atender às marmanjonas) e rojãozinho no leito?
Gloria, o filme, narra paciente e vagarosamente – bem naquele ritmo de cinema de festival latino-americano – esse recorte na vida de Gloria, a personagem. O roteiro faz emergir o fascínio que histórias “comuns” podem ter e nos insere no mundo interior tão rico de alguém que a princípio, julgamos não ter caso interessante a ser mostrado. Gloria é muito sobre nos tocarmos de que nossas vidas, embora imersas na cotidianidade desprezada e até ironizada pelas “grandes” narrativas, podem ser tão férteis e ricas quanto a das impossíveis personagens que somos adestrados a idealizar. Nada contra essas últimas, porém. O que seria da diversão sem uma Victoria Grayson ou um JR Ewing (amo ambos!)? Mas, Gloria, além de empoderar, ainda prova que diversidade é mais do que apenas mostrar personagens mais do mesmo, apenas com cores de pele diferentes ou orientações sexuais mais fluídas. É também mostrar como a vida duma mulher “apagada” de classe-média não é nada apagada.
Um filme assim exige atriz de alto calibre e Paulina Garcia dá um show de olhares e expressões faciais. Fascinante e olha que a atriz está na tela quase o tempo todo. Mas é tão boa que em bem pouco tempo começamos a torcer e admirar essa mulher “comum”, quanto qualquer “incomum”, até cairmos na gargalhada no modo como elimina o bofe tóxico. Não se zangue, não deve ser mais spoiler a essa altura saber que Rodolfinho dança – não disse que é uma narrativa sobre empoderamento? O engraçado (mesmo) é ver como, e depois ficar morrendo de vontade de dançar Lança-Perfume (tem Rita Lee na trilha!) e a oitentista Gloria, com Gloria. E desejar que seja muito feliz do que jeito que der, porque Gloria é incrível.

E se ela é, podemos ser também!

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

CONTANDO A VIDA 207

NADA A COMEMORAR...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Não é só para mim. Não mesmo... Creio que muitos se surpreendem quando olham o calendário e exclamam: ou-tu-bro, já?! Meu Deus, o ano está apontando para a sua vira e, mais do que exaustos, nos é fácil sentirmos tragados. E que ano, diga-se! Quando não se acreditava que as coisas conseguissem piorar, eis que o improvável se materializa galopando. A mecânica dos dias, porém, é implacável e no caso do mês de outubro, o acúmulo de celebrações cabíveis nas efemérides oficializadas é formidável, e se esparrama por todos os níveis: sociais, morais, religiosos, éticos, e cívicos.  É tanta data celebrativa que se tem a sensação de que temos que festejar como nunca, antes que o mundo acabe. E haja destaque: dia das crianças, da Padroeira do Brasil, de São Francisco, da chegada de Colombo à América, dos professores, dentistas, médicos... Ante tanta festividade, indignado, fico me perguntando dos porquês, principalmente posto que dezembro está logo ali, com sua carga de tantas outras comemorações oficializadas sob o decreto cultural de epílogos. Mas outubro está correndo, e de forma quase patética isso nos impõe balanços sobre a vida social, em cima de nossos projetos pessoais, e sobretudo conferindo nosso papel no complicado processo.

Sempre me recordo do neologismo “outubrite”, referência frajola a um conjunto de 31 dias que inflamam os sintomas anunciados ao longo dos meses e tensões anteriores. Achei graça, dia desses, quando perguntei a uma colega como ia indo e ela conformada respondeu “vou outubrando”. Entendi logo, ela está “sobrevivendo”, tocando a rotina de dias mecânicos e exaustivos. Mas bastou isso para me perguntar “mas e eu, como vou neste outubro”? Fatal questão essa, diga-se, pois doeu-me como a imagem refletida em trágico espelho social. O que vi? Sem muito esforço, desfilou aos meus olhos a exaustão das investigações da Lava-jato tão pontuada sem resultados. O agravo maior, porém, corre por conta do sufoco contábil da soma dos incontáveis montantes de dinheiro implicado nos processos. Nada tem fim. Consequência imediata disso, o triste espetáculo dado pelo nosso Poder Judiciário que fugindo da discrição conveniente e desejável aos cargos, ganhou protagonismo anulador da máxima jurídica que prezava a fala dos juízes nos processos. Como popstars, ministros mostram suas intimidades, expondo a público o desequilíbrio interno e o que é ainda pior, os desníveis entre os poderes. O periclitante dessa história é que o longuíssimo processo se encaminha para provar que tudo é a imagem e semelhança da nação. Não bastasse o mau exemplo das “autoridades competentes”, o respaldo legislativo legitima o desastroso executivo, que faz repetir que estamos melhorando economicamente, como se isso não fosse previsível.

O cenário é amplíssimo: florestas desbastadas, a educação como todo seu complicado aparato levada à falência, cortes de verbas para pesquisas, multiplicação progressiva de moradores de rua, esvaziamento de programas sociais, tentativas incríveis de processos de censura, ataques a cultos religiosos prescritos da legenda evangélica, mulheres atacadas publicamente, militares se autoelogiando como redentores da república, homossexuais reprimidos em sua imagem pública, novos fluxos de brasileiros saindo do país... Nossa!... Tudo somado convoca vergonha e intimida otimismos. Um pálido inventário de nossas mazelas convoca lágrimas.

Sou professor, avó, simpatizante de São Francisco e Nossa Senhora Aparecida. Na constelação dos direitos, por certo, deveria preparar minhas roupas festeiras. Deveria – condicional fatídico – mas não vejo motivos para qualquer alegria. É repetido que vivemos em plena crise, e, crise por crise, vou despindo minhas ilusões. O último fio de esperança reside exatamente na luz dada por este outubro: o ano vai acabar.  

terça-feira, 10 de outubro de 2017

TELINHA QUENTE 280


Roberto Rillo Bíscaro

Nem o fuá cercando a versão fílmica da Mulher Maravilha – seu sucesso de bilheteria e parece que até entre críticos, além do suposto baixo salário recebido pela atriz que interpreta a empoderada – me atiçou a curiosidade em vê-lo. Sequer chequei se as alegações monetárias são verdadeiras ou se a crítica gostou; não sei o nome da atriz. Não me interessa nem em mais remoto âmbito.
Houve época em que o garotinho Roberto Rillo Bíscaro era fã da Mulher Maravilha, porém. Isso por volta de 1977-8, quando a Globo exibia a série, cuja primeira temporada foi originalmente mostrada pela ABC e as segunda e terceira, pela CBS (essa inconstância marca toda a produção). Saber que a super-heroína criada em 1941 por Charles Moulton retornara, deu vontade de rechecar a série.
Os anos 1970 eram propícios pra levar personagem feminina protagônica pras telinhas. Representar/lucrar com o ascendente feminismo estava em alta e a Woman’s Lib felizmente trouxe mulheres fortes e ativas pro cinema e TV. Sitcoms como The Mary Tyler Moore Show, mas também programas de ação como Mulher Biônica, As Panteras e Police Woman. Fenecia a época em que os machos tentavam impedir o poder feminino, como nas sessentistas A Feiticeira e Jeannie é um Gênio. Os 70’s eram a época do não provoque, porque é cor de rosa-choque.
O seriado da Mulher Maravilha, que durou de 1975 a 79, legou atriz eternamente estereotipada como a personagem – a ex-Miss Mundo e futura alcoólatra Lynda Carter – e fez muito sucesso, gerando ícones da cultura pop como a canção-tema (executada com letra apenas na primeira temporada) e o giro pra se transformar de Diana Prince em Wonder Woman (a versão que grudou no imaginário também é a da temporada de estreia).
No Brasil, o sucesso foi tanto que rendeu até paródia no programa Brasil Pandeiro, que Betty Faria comandava, em 1978. Maria Maravilha era a versão pobre da norte-americana. Maria trabalhava numa lanchonete e quando girava e gritava saravá, se metamorfoseava na super-heroína. Eu lembrava de Maria Maravilha, mas não do Brasil Pandeiro, mas pra quem nem faz ideia do que escrevo, veja trecho: 

Não dá pra caçoar muito do mambembismo da produção global, que afinal, era sátira. O original norte-americano, que se queria sério, é difícil de recomendar pra jovens e crianças atuais: mambembice de primeiro mundo, mas gambiarra pura na maioria das vezes. Claro que não revisito esses shows em busca de reproduzir emoções vividas na época da exibição – eu tinha 10 anos, se conseguisse tê-las de novo, precisaria recorrer a um terapeuta urgentemente. Vejo-os, porque me interessam programas antigos, que podem ser bons, veja o caso de The Streets Of San Francisco. Mas, Mulher-Maravilha não era a não ser pela temporada inicial, que ainda tentava ser mais quadrinhos e tem o charme de ser durante a Segunda Guerra. Faltava grana pra produção – continua irrecomendável pra jovens – mas tinha seu charme. As outras 2 são bem pobres.
A temporada 1 chamou-se Wonder Woman e nela vemos a partida da super-heroína da Ilha Paraíso, sua chegada a e adaptação em Washington e sua parceria protetiva com Steve Trevor pra lutar contra o perigo nazista. Não é à toa que o giro e a canção-tema lembrados sejam os dessa época; eu mesmo não recordava de nada das demais temporadas, mas lembrava até do nome duma coadjuvante, chamada Beatrice Colen. Sabe aquele lance de ver a imagem e pensar, “nossa, é mesmo!”? Assim que aconteceu, quando vi seu nome dentro da estrelinha da animação na introdução.
O it (lembram quando isso era sinônimo pra charme?) é que os episódios não escondem que são quadrinescos; tem até aquelas legendas amarelas, tipo “mais tarde, no QG de não sei onde”. A interação entre Diana e Steve é bem mais fluida, de vez em quando aparece o Jato Invisível, cujo teto é tão baixo que quase bate na cabeça da Mulher-Maravilha e tem música de elevador como trilha-sonora e em um par de episódios as Amazonas, inclusive sua irmã Drusilla, a hoje esquecida, mas então estreante Debra Winger. É bem cult, mas as audiências de hoje provavelmente se suicidariam por tédio, porque a heroína aparece por uns 10 minutos num episódio de mais de 40. O resto é tudo falação e quando chegam as cenas de ação, amador pra cacete. As coreografias de lutas com Carter ou seu dublê eram pobres de doer.TV há 40 anos não era Netflix ou HBO: geralmente era pra fins de carreira, inícios a serem “esquecidos” ou relembrados com ironia divertida, ou pra quem não tinha talento/contatos pra entrar em Hollywood. Então, orçamentos eram parcos, porque a visão dos canais e produtoras era mesmo produzir entretenimento barato pra ser exibido entre o que realmente interessava, os anúncios.
As 2 temporadas seguintes chamaram-se The New Adventures Of Wonder Woman, porque o estúdio decidiu remaquiar o show por completo, que agora se passava na contemporaneidade e tinha Diana Prince trabalhando como agente governamental da IADC, que supostamente tinha a função de resolver casos de alta prioridade. Más (será?) línguas dizem que o estrelato subiu demais à cabecinha linda de Lynda Carter, que exigiu menos espaço a seu colega Lyle Waggoner. Ele nunca confirmou o rumor, mas num documentário que acompanha o DVD da série completa, Linda lamenta não o ter “conhecido melhor”, por falta de tempo (ô dó!). Ele não aparece em nenhuma das featuretes que bonificaram a box-set da Mulher Maravilha. Fato é que depois da temporada primeira, Steve Trevor aparece e faz cada vez menos. Pra explicar a presença do mesmo rosto 30 anos após a Segunda Guerra, improvisaram que esse Steve Trevor era o Júnior. Será que se filmada hoje, dariam o papel de galã prum ator de 40 anos não-bombado?
À falta de recursos e pobreza coreográfica somou-se total ausência de rumo. As temporadas são amostras públicas de produtores procurando um tom pro show, ou antes, tentando erraticamente adaptar a Mulher Maravilha à alguma fórmula ou trejeito de sucesso. Tem grupo de episódios, onde Diana e Steve se reúnem numa sala com um chefe invisível, à moda das Panteras; em outros há um robozinho engraçadinho (poooooodre!) à Guerra Nas Estrelas; há um em que parece que nova roupagem será vestida, porque Diana se muda pra Los Angeles e novo chefe é apresentado (o ator é gordinho, nada galã como Waggoner; más línguas, dona Lynda Carter?) e um garotinho negro desponta como alívio cômico, tudo pra que no episódio seguinte ela siga vivendo na capital estadunidense.

A despeito das tramas fracas e mediocridade geral, Mulher Maravilha tem na simpatia de Lynda Carter seu trunfo pra nós que aprendemos a amá-la na meninice. Desindicado pra juventude atual, mas como viagem memorial pra 50tões, episódios da Wonder Woman ainda valem a pena. Mas, tem que ser aos poucos.