segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

CAIXA DE MÚSICA 117



Roberto Rillo Bíscaro

Meu Deus, como os Cocteau Twins confeccionaram maravilhas! Em 1980, Robin Guthrie e Simon Raymonde fundaram uma banda numa cidadezinha perdida na Escócia. Pra vocalista, convidaram Elizabeth Fraser, logo apelidada de “A Voz de Deus” pela bombástica imprensa musical britânica.
A mágica sonora do trio jamais lotou estádios ou voou alto nas paradas, mas sua influência na música pop foi descomunal. Impossível de rotular, os Cocteau Twins desenhavam paisagens sonoras habitadas por seres místicos e etéreos. Camadas sobrepostas de instrumentação, os vocais de múltiplos timbres da fada Liz, a música dos Cocteau gerou filhotes líricos, mas também rebentos sonolentos ou mesmo noise, como a cena shoegazer, que de certa forma casou Cocteau Twins com Jesus and Mary Chain. Ainda outro dia, li sobre o novo single duma banda indie qualquer dos EUA. Quando iniciei a audição, era óbvio que chuparam a faixa Amelia, do excruciantemente belo Treasure (1984).


O som dos Cocteau Twins é tão idiossincrático que a noção dum álbum-tributo pode soar herege aos acólitos, especialmente quando se cogita quem elevaria os vocais à perfeição pristina de Fraser.
Quando soube do álbum A Tribute to Cocteau Twins, lançado no dia 23 de dezembro, reagi como devoto que jamais admitirá a dessacralização de seu objeto de devoção. Logo ponderei que os artistas homenageavam os mestres que lhes influenciaram. Um álbum-tributo não tem a ver com superar o ídolo – intimamente as bandas podem ambicionar isso, mas certamente sabem que os ouvintes sempre (?) preferirão as versões originais. Sendo fãs, os próprios grupos devem gostar mais das versões dos Twins. Depois dessa preparação mental e emocional, escutei o álbum e achei-o muito competente e a altura dos homenageados.
A Tribute to Cocteau Twins tem 10 artistas pra mim desconhecidos, interpretando 8 canções, uma vez que Heaven or Las Vegas e In Our Angelhood (ah, os títulos misteriosos dos CT) são gravadas 2 vezes e uma capa inspirada na de Treasure.

O álbum abre com um achado estupendo; o The US atualizou Garlands, faixa meio gótica do primeiro álbum, nos termos da própria banda de Liz Fraser, deixando a canção com mais cara dum Cocteau posterior, muito mais rico e criativo que o do primeiro disco. Capaz de vocais múltiplos, a vocalista em momentos lembra a injustamente esquecida Sally Oldfield. Prefiro essa versão à original!
A segunda faixa é o maior desafio com relação a fazer de tudo pra deixar de lado a comparação com os vocais de Liz. Carolyn’s Fingers é um dos ápices angelicais da cantora, que garantiria seu lugar ao lado do Senhor apenas com essa canção. O Drakes Hotel fez um servicinho bom, mas aguou um bocadinho o instrumental, usando uma percussão que os CT já haviam abandonado quando de Blue Bell Knoll, álbum-deleite que contém Carolyn´s Fingers.
O Robsongs bota guitarra Robert Smith e vocais masculinos em Persephone, resultando num instrumental mais esparso (fraco) que o original, mas com outra faceta oitentista. Interessante.
In Our Angelhood ganhou leitura que estressa seu lado shoegazer pelos meninos do Screen Vinyl Image com seu vocal sonolento. Já o Schnowald nos congela com uma ducha de synth-gothic.
Suzy Blu acelera Heaven or Las Vegas pra deixá-la como um rockinho feminino feito por quem cresceu escutando hip hop e dance.
O resultado de A Tribute to the Cocteau Twins é tão positivo que estou tentado a dar uma chance a um tributo gótico lançado em 2000. Mas, vamos com calma, tudo tem seu tempo.
A Tribute to the Cocteau Twins pode ser ouvido gratuita e legalmente no endereço abaixo:
http://theblogthatcelebratesitself.bandcamp.com/album/a-tribute-to-cocteau-twins

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