quarta-feira, 25 de outubro de 2017

CONTANDO A VIDA 209

DUAS AVENTURAS COLOMBIANAS

José Carlos Sebe Bom Meihy

A convite da Pontifícia Universidad Javeriana, de Bogotá, na Colômbia, ministrei breve curso de história oral, entre os dias 09 e 14 de outubro último. Desmentindo a noção de que os colombianos são flexíveis e algo folgados, ou que seriam uma espécie de eco do comportamento brasileiro, fui desprevenido para o volume de trabalho que tive que cumprir. Curso pela manhã, repetição para outra turma à tarde, encontros de trabalho depois da aula, uma aula magna. Isto tudo sob frio e variação de temperatura, inclusive com chuva. Foi uma semana intensa, mas que, em medidos intervalos me permitiu visitar amigos muito queridos. Sim, nas intermitências fugia dos compromissos e assim pude conviver com outras tribos, pessoas com as quais troco experiências acadêmicas e de afetos desde 2009. Num desses dias, exatamente no dia 11, numa brecha cavada na agenda, fui vê-los para jantar. O arranjo do local foi feito por eles, que escolheram magnifica tratoria italiana, no simpático bairro de Macarena. A alegria da conversa se fez progressiva enquanto multiplicávamos assuntos, acertando temas desdobrados desde nosso derradeiro encontro, há pouco mais de um ano. E não faltavam temas: o acordo de paz, os efeitos do Prêmio Nobel entregue ao Presidente Santos, as consequências da entrega de armas das FARC, a visita do Papa. E tudo regado a comparações com a situação do Brasil. Em uma espécie de disputa, medíamos desgraças, pois apesar das aparentes conquistas colombianas, a corrupção tinha se instalado de maneira mais definitiva do que se pensa. E estávamos competindo nessa seara, cada parte tentando mostrar que nossos políticos eram os piores. A contenda seguia célere quando, de repente, sem que houvesse qualquer suspeita, o motorista que havia nos conduzido desde o meu hotel, adentrou e, ante a surpresa de todos, perguntou se alguém havia deixado cair um celular. Imediatamente, consultamos nossos bolsos e era exatamente o meu. Empalideci, pois o meu aparelho tinha pouco mais de dois meses e, novamente, eu o teria perdido. Alejandro, marido de minha companheira de trabalho, Alba, e eu levantamo-nos, fomos em direção do carro que estava à porta e ouvimos de uma gentil senhora, passageira que se sentou no espaço que ocupei, reconheceu-me pela foto no visor do aparelho e devolveu meu objeto. Feita a gentileza, voltamos ao salão, pusemo-nos a medir a grandiosidade da distância entre governos que roubam e pessoas da sociedade civil que desmentem a perenidade cultural de situações que implicam veto em ficar com o alheio. Reinou certa perplexidade, mas daquelas com final feliz. Abraços de despedida, promessas de novos encontros e restava a lição da honestidade popular.
Os dias passaram rápidos, e entretido em tantas atividades, apenas tive o sábado para lazer. O primeiro de meus intentos era voltar ao Museu Botero, um dos meus centros favoritos no mundo. Essa nova empreitada começou com a chamada de um táxi. Marquei o número do chapa que terminava numa combinação fácil de dia e mês de meu aniversário. Perdido na magnífica coleção, tão entretido estava que não notei que antes, ao pagar o motorista, havia deixado cair meus pesos colombianos, algo em torno de 200 dólares, dinheiro reservado para a compra de pequenas lembranças para familiares e amigos. Apenas dei conta quando fui efetuar o pagamento de suvenires adquiridos ali mesmo, na loja do Museu. Outra vez me acometia aquela sensação desagradável de frustrações. Em outro táxi, experimentei mais uma vez a amabilidade do motorista que entendeu a situação e se dispôs a me levar de volta ao hotel, e resolver novo câmbio de moeda para efetuar a paga da corrida. Resolvido o caso, com ajuda do pessoal do hotel, chamei o táxi anterior e... e... em alguns minutos estava o motorista que havia recebido de outro passageiro minha carteira com o dinheiro, cartão de crédito e um documento de identidade. Alegre, surpreso, superei a recriminação pessoal, comum nesses casos, pela consideração da honestidade popular. Voltei, fiz minhas comprinhas, passeei mais um pouco e já no aeroporto me coloquei assinalando os feitos das experiências. Poderia dizer que o ganho foi grande. Aprendi que tanto vale pesar a corrupção sistêmica, da política, como também ver o avesso disso tudo. Presidem na sociedade seres honestos e capazes de gestos grandiosos. Vou tomar mais cuidados com objetos e dinheiro em próxima viagem, mas não quero perder a esperança de crença nas pessoas comuns.

Nenhum comentário:

Postar um comentário