domingo, 23 de dezembro de 2018

TRUFAS DA SUPERAÇÃO

A história de sobrevivência e alegria de Francisca Queiroz, a 'Tia da Trufa' 

“É o meu sustento. Com o dinheiro das trufas consegui formar meus três filhos com bom humor." 

"Chupa que é de uva, "Senta que é de menta que só chupa quem aguenta", "Abacate que a gente chupa e tudo bate": é com estas três frases de efeito que a irreverente Francisca Queiroz, de 62 anos, carinhosamente apelidada de "Tia da Trufa", anuncia os dindins, brigadeiros e claro, as trufas de chocolate que carrega para lá e para cá em sua caixa de isopor. Ela é conhecida por vender todos esses quitutes na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). "Amo levar alegria com o sabor das coisas que vendo. Eu brinco e recebo um carinho sem precedentes", conta em entrevista ao HuffPost Brasil. 

A volta por cima Francisca ocorreu há quase 20 anos. Ela trabalhava como doméstica quando foi surpreendida com a perda de movimento de um dos braços. "Fui ao médico e descobri que estava com Lesão por Esforço Repetitivo (LER). Tive que me afastar do emprego para fazer um tratamento", lembra. Só que Francisca, sozinha, tinha 3 filhos para criar e não podia ficar parada. 

À época, ela ganhava apenas o valor de uma pensão alimentícia de seu ex-marido que não chegava a um salário mínimo. Precisou ir à luta. E disso, vieram as trufas. "Meu filho mais velho deu a ideia de fazer as trufas para vender em universidades. Ele aprendeu a fazer na internet e preparou 70 para eu vender a 1 real", recorda. Ela conta que, no começo, o bombom esgotava em menos de uma hora. 

Assim, a produção de trufas teve que aumentar. E aí, outro dia, Francisca precisou envolveu todos os filhos na venda. "A procura era tão grande que chegava a vender 600 trufas por dia. Com o dinheiro, consegui formar meus filhos, reformar minha casa, além de investir no negócio com a compra de uma moto", diz, orgulhosa. 

O apelido "Tia da Trufa" veio logo depois de um mês vendendo os quitutes. "Um universitário, lindo, lindo, perguntou se podia me chamar assim. Eu disse sim e aí pegou". E, assim, Francisca se transformou automaticamente na "Tia da Trufa" acolhida pelos universitários. 

Desde 2008, ela viaja com alguns grupos para congressos e feiras -- tudo isso, claro, para vender as trufas. Ela só paga a passagem. A hospedagem e alimentação é por conta deles. "Já fui para Curitiba, Rio de Janeiro e lá, é claro, que vendo minhas trufas enquanto eles participam das palestras. São meus amores." 

Hoje tudo o que eu quero compro com meu dinheiro. É libertador. 

Com a venda das trufas, Francisca consegue se manter -- e, de quebra, levar alegria para quem passa. 

Mas o que pouca gente sabe é que muito antes de ser a famosa "Tia da Trufa", Francisca é uma sobrevivente. Ela nasceu em uma família humilde no município de Coari, a 500 km de Manaus (AM). Aos 7 anos, sua mãe precisou viajar para a capital e, por isso, ela e seus irmãos ficaram aos cuidados do pai cearense, linha dura. 

"Um dia, ele [o pai] pediu pra tirar a panela de água do fogo quando fervesse. Minha mãe não deixava a gente fazer isso. Mas ele não se preocupava com isso. Fui brincar e esqueci. Quando me lembrei, corri. Era baixinha, peguei uma caixa de sabão para subir, mas me desequilibrei e a água quente caiu em mim". E assim, enquanto criança, Francisca teve que lutar pela vida. A água tinha queimado 98% do seu corpo. 

Até hoje tenho cicatrizes que me mostram como uma sobrevivente. 

Na época, Coari não tinha hospital. Só existia uma drogaria na cidade. O pai saiu para comprar uma pomada no estabelecimento. "O meu pai me puxou pelos cabelos, me trancou no quarto e disse pra eu não chorar para os vizinhos não ouvirem", lembra. Ela sentiu as dores e precisou aguentar calada. 

"Quando ele saiu, abri a porta do quarto bem devagar e uma vizinha que estava estendendo roupa no nosso quintal me viu e prestou socorro", conta. Francisca deu sorte, e foi levada até um mutirão de consultas e cirurgias que estava acontecendo na cidade. "Fiquei em casa de freiras e entrei em coma por 45 dias. Só consegui me recuperar depois de um ano." 

Pareciam as feridas não saravam. Foi horrível. 

Dois anos depois da queimadura, outro susto: Francisca estava brincando no quintal de sua própria asa quando caiu de um pé de graviolas. "Tive traumatismo craniano. Quebrei vários ossos do meu corpo. Felizmente, já tinham inaugurado um hospital na cidade e aí foi socorrida a tempo. Sobrevivi mais essa", lembra. "Parece estória de pescador, mas não é, viu?", brinca com a reportagem. 

E, assim, sobrevivente, Francisca não perde o bom humor diante das dificuldades e sabe valorizar suas conquistas. Transmitir alegria virou missão de vida para ela, que arranca gargalhadas e sorrisos por onde passa. "Não quero ser rica, só quero continuar sendo a Tia da Trufa. A mulher dos doces que leva alegria para as pessoas." 
https://www.huffpostbrasil.com/2018/12/19/a-historia-de-sobrevivencia-e-alegria-de-francisca-queiroz-a-tia-da-trufa_a_23623075/?utm_hp_ref=br-mulheres&ncid=fcbklnkbrhpmg00000004&fbclid=IwAR2hQn1xEW1_jVEZj7IHn653aGhhmZWL24lKEZTKACR94_hzKyxvHbeWnTU&ec_carp=1290352896472016659&ec_carp=1290352896472016659

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