segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 344



Roberto Rillo Bíscaro

A estrada do Graveola e o Lixo Polifônico é longa e bem-sucedida. Formado em 2004, em Belo Horizonte, já excursionou pela Europa, gravou EP em Londres e foi indicado na categoria melhor gruhttp://www.albinoincoerente.com/2018/04/papiro-virtual-125.htmlpo ao Prêmio da Música Brasileira. Membros como Luiz Gabriel Lopes e Luiza Brina têm carreiras-solos e todos participam de trabalhos paralelos, provando que a cena mineira fervilha tanto quanto no tempo do Clube da Esquina.     
Seu álbum mais recente é o merecidamente elogiado Camaleão Borboleta (2016). O mais Tropicalista de seus trabalhos, o título alude ao caráter m/Mutante do som, simbolizado pela metamorfose ambulante dos dois coloridos animais.
O caráter polirritmico manifesta-se de faixa a faixa, mas também dentro delas. Tempero Segredo começa meio baladinha, vira reggae e no meio psicodeliza, para falar duma ervinha proibida. Reggae e doideira psicodélica têm tudo a ver!
Como os Tropicalistas, o Graveola mistura psicodelia com aquela pegada nacional. Maquinário tem percussão afro, lá-iá-lá-iá de samba, mas com arranjo de quem conhece e foi influenciado por rock. Back In Bahia parece saída dum álbum sessentista de Gal Costa: a letra fala em Bethânia e o cantar de Brini é bossa, mas o instrumental é algo como uma psicotimbalada. Aurora é bolero pós-moderno, que na letra rima Espanha com arranha e tem cornetinha ao fundo. Tão Caê-Qualquer-Coisa pra lá de Marrakech.
Sons afoxéticos são outra influência vital nesse trabalho, que às vezes lembra Novos Baianos e A Cor do Som, como atestam Índio Maracanã ou Talismã, que tem participação de Samuel Rosa, do Skunk. Claro que o Graveola trabalha essas referências pra fazer som seu, não decalques: ouça o tecladinho Jovem Guarda com andamento afrofrevo, de Sem Sentido, cuja letra é sobre ativismo online.
O caráter ativista está também na letra hispano-portuguesa da psicobossa Costi, que psicodeliza o Clube da Esquina e usará a faixa em seu trabalho paralelo Luiza Brina e o Liquidificador.


Luiza Brina é cantautora, como alguns dizem hoje. Além disso, toca vários instrumentos. Um de seus projetos paralelos ao Graveola é o trabalho com a banda O Liquificador, formada por Analu Braga, Alcione Oliveira e Di Souza nas percussões; Aline Gonçalves, João Machala, João Paulo Prazeres e Maria Raquel Dias nos instrumentos de sopro e Vanilce Peixoto no violoncelo.
No comecinho do ano passado, saiu Tão Tá, segundo álbum da colaboração.
Qualquer aglomerado de músicos mineiros, por vários anos vindouros ainda, terá que lidar com comparações com o influente Clube da Esquina. É inescapável e não há nada que os músicos atuais possam fazer a respeito, afinal, pra geração deste resenhista, por exemplo, “música de Minas” está indelevelmente associada a Milton Nascimento & Co. O grande acerto do Clube, em geral, foi triturar influências de estilos musicais díspares e amalgamá-los numa massa compacta, de hibridez original.
Luiza Brina e O Liquidificador faz o mesmo, incluindo na maçaroca deliciosa e sútil elementos do próprio Clube. Basta ouvir a regravação de Costi, que abre o álbum, onde percussão afro convive com sopros andinos, ares suaves de bossa e pinceladas de Clube. Sincrética no som e na letra hispano-portuguesa.
Como não comparar ao Clube, um álbum que traz canção chamada Da Janela? E que amálgama bem feito é esse de marchinha-frevo com melodia quebradiça? É Clube-Tropicalista sem ser cópia, pelo contrário, é sequência da onívora tradição pop.
O clima folclórico de toada e “alembrou”, de Remanso, junta boi e fogueiras, ao passo que a calmaria de De Um Porto remete ao Fellini d’E La Nave Va, mas nesse caso a nave é espacial.
Na lírica Neve Sobre o Mar, a linda melodia justapõe com ruídos de estática de radiocomunicação, como se a doce voz de Brina emanasse dum ponto distante. Essa característica de sonoridade d’outra dimensão permeia o álbum todo; é como se o som proviesse do planeta sonoro próprio de Tão Tá, que em 2017, talvez só tenha encontrado equivalente nas lindas texturas do Recomeçar, de Tim Bernardes.

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