terça-feira, 22 de janeiro de 2013

TELINHA QUENTE 68

Roberto Rillo Bíscaro

Sorte não haver televisor que transmita cheiro, caso contrário seria mais difícil assistir à trinca de documentários da BBC, que achei completos no You Tube, sem legendas.
Produzidos ano passado, Filthy Cities (Cidades Imundas) desglamuriza metrópoles ao mesmo tempo em que alerta sobre o que fazer com nosso lixo e detritos. Se sustentabilidade for mesmo possível, esse é um desafio do qual não podemos nos esquivar.
Primeiro, vi o programa sobre a Nova York tornada Nova Roma a partir da Revolução Industrial do século XIX. Em tom bombástico, o repórter Dan Snow mergulha a mão em detritos, deixa-se picar por percevejo e piolho e visita um apartamentos que não via limpeza há décadas.
No século retrasado, a Grande Maçã era bichada. O maciço fluxo migratório aumentava a população em progressão geométrica. A cidade fedia com toneladas de estrume, animais apodrecendo e excrementos humanos nas ruas. Muitas fortunas – hoje tidas como impolutas, né? – foram construídas pela exploração dessa gente e a corrupção era espantosa. Senhorios cobrando aluguéis extorsivos por apartamentos onde diversas famílias se amontoavam e eram foco de epidemias de cólera e tifo. Açougueiros fabricando lingüiça com carne podre e mascarando cor e fetidez com tintura e produtos de limpeza.
O documentário mostra como a tecnologia resolve problemas, criando outros. A invenção do automóvel limpou o estrume das ruas (que fim será que tiveram as centenas de milhares de cavalos, desaparecidos em 5 anos?), mas iniciou a brutal emissão de gases que destroem a camada de ozônio.
Também serve de alerta pra quem ainda crê que cientistas são abnegados seres sem interesse político, visando ao bem comum. A cena em que a empresa de Thomas Edison eletrecuta um elefante pra provar a eficiência de seu sistema é revoltante.
Isso não significa que o programa seja tecnofóbico e niilista. Aprendemos sobre um fotógrafo que usou o então novo invento pra registrar as miseráveis condições nos pardieiros e conseguiu mobilizar a nação em prol da melhoria das condições de higiene e de vida em geral.

Seguindo a nojeira, vi o documentário sobre Londres no século XIV. Evite vê-lo durante as refeições. Ugh!
O espaço reduzido e as ruas apertadas da cidade, eram lar pra cerca de 100 mil pessoas, a maioria imigrada atrás de liberdade e iludidas com a promessa de ruas pavimentadas de ouro, de acordo com a fama de opulência da cada vez mais importante capital inglesa.
Ao invés de ouro, as ruas fediam com pilhas de lama, excremento humano e animal, restos de carne. O problema da disposição das fezes é abordado com detalhes e imagens repugnantes. Profissões novas, como limpadores de fossas, foram criadas; multas pra sujões existiam, mas quase ninguém cumpria. Longe de não fazerem nada a respeito ou apreciarem a sujeira, a infraestrutura medieval não possibilitava a erradicação da imundície.
Quem pensa em tornar-se vegetariano deveria ver esse episódio; a indecisão certamente se desvaneceria. Dan Snow limpa um porco, com riqueza de sons, inclusive (ele não mata o animal, mas os ruídos de quando se chega aos intestinos, por exemplo, são nojentos).
Tanta falta de higiene foi prato cheio pra Peste Negra, que, mudou o panorama sócio-político europeu. No caso de Londres, metade da população pereceu, mas, ao mesmo tempo, a epidemia encetou ações pra sanitarizá-la. Claro que os leitores de Dickens, lá do século XIX, sabem que muitas partes da metrópole eram muito insalubres, centúrias após a medievalidade. 

Finalmente, vi como Paris se livrou da fedentina e pestilência perenes que a sufocaram por séculos.
À época da Revolução Francesa (1789), a Cidade Luz não fazia jus ao atual cognome. Inchada com mais de 500 mil habitantes, as ruas e o Sena eram esgotos a céu aberto e a expectativa de vida dum parisiense pobre – a maioria – era de meros 23 anos.
A suntuosidade de Versalhes não ficava muito atrás no quesito imundície. Densamente povoado por moradores, visitantes e animais, o palácio também não era exemplo de higiene. Chanel ficaria nauseabunda.
O apresentador-historiador Dan Snow novamente enfia as mãos na meleca, desta vez reproduzindo o modo como o couro era tratado, num processo que envolvia fezes caninas e urina humana.
Citada como um elemento deflagrador da Revolução, a sujeira não foi eliminada por ela, porque a guilhotina comeu decepou pescoços demais à época do terror, empesteando a cidade com milhares de cadáveres.
O tão versejado brilho parisiense só luziu a partir da segunda metade do século XIX, quando o prefeito Haussmann demoliu três quartos da cidade, mandou os pobres pros subúrbios e idealizou um desenho urbano que tornou a capital mais arejada e espaçosa, e, que, no processo, coibia levantes populares. 

Ao arrolar a (luta contra a) sujeira como mais um fator de reivindicações, lutas e mudanças, Filthy Cities ensina bastante. E embrulha o estômago. 

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