segunda-feira, 13 de outubro de 2014

CAIXA DE MÚSICA 142/TELINHA QUENTE 136




Roberto Rillo Bíscaro


Em sua autobiografia, Morrissey reclamou que hoje é fácil desconsiderar o impacto artístico-comportamental de David Bowie. Androginia e declarações bombásticas acerca de homo/bissexualidade são lugares-comuns em partes do hemisfério norte, mas quando o Camaleão começou a quebrar esses tabus no início dos anos 70, sua rebeldia escandalizou a Inglaterra. Imagine que pra capa de The Man Who Sold the World, seu álbum de 1970, o artista pousou com cabelão comprido – até aí nada demais no universo rock – e vestido, deitado num divã, num cenário super-Pré-Rafaelita. No mundo (aparentemente) macho do Deep Purple e Led Zeppelin isso era um ultraje.
Mas ainda não era quase nada comparado ao que Bowie aprontaria pro álbum seguinte, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972). De cabelos curtos e vermelhos e com visual inédito no planeta Terra, o multimídia inventou uma personagem que o catapultaria ao estrelato e seria o primeiro duma série de trabalhos e personas que o constituiriam num dos artistas mais influentes do século XX.
O excitante documentário David Bowie & the Story of Ziggy Stardust (2012) radiografa a concepção, execução e os desdobramentos desse feito sociocultural. Muitos reclamam que hoje os artistas são como produtos já em seu estágio final quando chegam ao consumidor, sem tempo pra testar ideias e maturar. Bowie levou 10 anos absorvendo elementos - que passam pelo rock dos anos 50, teatro de vanguarda, mímica, ficção-científica, cenário underground gay e tanto mais – utilizados e ressignificados sob forma de tentativa e erro até explodir como um dos vulcões mais criativos e incendiários dos anos 1970.
O programa da BBC entrevistou músicos da banda Spiders from Mars, inventada pro projeto, e artistas como Elton John, Marc Almond e um dos Kemp do Spandau Ballet pra atestarem o impacto do álbum. Incrívell como o arroz de documentário da BBC Iggy Pop não apareça, afinal, ele influiu muito na guinada de Bowie.
Aprendemos sobre o penteado, as roupas, as canções, suas aparições na TV e também sobre o lado menos bonito da histeria Ziggy Stardust, que iniciou o processo de esquizofrenia cocainada do Camaleão. Pra quem se atém à idealização romantizada de que basta ter talento, David Bowie & the Story of Ziggy Stardust traz uma injeção de realidade ao explicitar o papel preponderante que um empresário endinheirado teve na ascensão de Bowie, especialmente quanto à conquista do cobiçado e difícil mercado norte-americano. Inegável a genialidade de David Bowie, mas sem dindim talvez ele tivesse permanecido subterrâneo ou não poderia ter dado vazão a tantas ideias.
Tomara que a BBC dedique documentários a outros álbuns do Camaleão, afinal, ele passou os anos 70 preparando o terreno pro punk, pra maioria dos artistas oitentistas, pro Britpop e até pra Lady Gaga, não se enganem. A gente abre um Nordic Noir e lá está uma personagem ouvindo Ziggy Stardust o tempo todo (Paganinikontraktet; resenha aqui), enfim, Bowie é referência e sempre tendência.
Disponível no You Tube com legendas em espanhol. Recomendo. David Bowie importa.

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