quarta-feira, 15 de outubro de 2014

CONTANDO A VIDA 83

Nosso cronista corintiano escreve sobre a rivalidade entre Brasil e Argentina. Quanto de preconceito existe nessa guerra de estereótipos travada entre os 2 países? Será que sabemos o limite de quando parar? A mídia contribui pra acirrar essa disputa e faturar sobre nós, consumidores? 
Leia a crônica de hoje e reflita.

HERMANOS, HERMANOS MIOS...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Brasil 2 X Argentina 0. Somos campeões e na China. A rivalidade construída entre nós e nossos vizinhos reacende as propagandas de cervejas, em particular as destinadas a homens. Isso, aliás, me faz perplexo frente aos conteúdos veiculados em diversos meios de comunicação, em particular da TV. Acho que nós brasileiros temos uma linguagem própria para mostrar produtos e atrair clientes. Entendo que faz parte do convite ao consumo o apelo, seja qual for sua intenção ou mote. Pelo trágico, informativo, educacional ou mesmo pelo lúdico, as campanhas devem suscitar a exaltação diferenciada que, afinal, leve o freguês a procurar este ou aquele produto. Chamar a atenção é a regra básica do convite ao comércio, não resta dúvida, mas, vale tudo? Creio ser melhor fugir do debate sobre a ética e a moral, pois neste caso teríamos que nos deter em complexas reflexões filosóficas e quiçá, assim nem tocar no assunto que interessa, ou seja falar das referências aos argentinos, dubiamente referidos como Hermanos em nossos merchandisings e conversas. Em termos de propaganda, há entre outros, um efeito que parece chamar muito a atenção dos brasileiros: a picardia ou a malícia. Melhor dizendo, quando o cômico se embrenha no desafio tudo fica mais saboroso e intrigante. E assim, parece que consumimos mais. As companhias de cerveja sabem muito bem disso e usam e abusam da prática. Surpreende o efeito espetacular que tais mensagens exercem sobre a cultura e disseminam comportamentos. Não estou dizendo que elas inauguram tradições, mas que as reforçam não resta sombra de dúvidas. E assim vemos os portugueses de um jeito, os árabes e judeus de outro, os franceses... Na atualidade, porém, nada e ninguém provoca mais gozo do que a referência aos argentinos.

Antes de falar de nossos (pré)conceitos contra os argentinos, é justo lembrar que uma marca famosa de cerveja, talvez por conta da Copa do Mundo, trocou o apelo sexual significado pela presença de mulheres bonitas pela competição motivada pelo futebol, ou melhor pelas torcidas nacionais. Entraram nesse roteiro, mensagens contra a Inglaterra, Itália, França, mas obviamente, com mais insistência, contra “los Hermanos argentinos”. Mas, diga-se, isto importa menos, o que vale é lembrar que do mesmo modo que nós os provocamos eles respondem e assim travamos um diálogo que é engraçado sem dúvida. Engraçado, mas preconceituoso. De tão sério é o assunto que o antropólogo Pablo Alabarces cunhou uma frase explicativa e contundente: “os brasileiros amam odiar os argentinos e os argentinos odeiam amar os brasileiros”. Muito mais do que um jogo de palavras, vale lembrar que a “brincadeira” é recheada de argumentos que vão desde a infame disputa sobre quem é melhor, Pelé ou Maradona, até o conceito de churrasco e de quem tem a melhor carne, se o lado brasileiro das Cataratas do Iguaçu é mais bonito que o deles, ou se o samba é mais conhecido que o tango, e daí em diante.

É verdade que a situação esportiva sempre motiva torcidas que se opõem. É exatamente aí que entra a disputa que não deveria passar do jocoso ou hilário para outros campos. Falo do preconceito como resultado de estereótipos consequentes, muito perigosos. Tudo fica mais ameaçador quando os símbolos nacionais entram em campo. Bandeiras, comentários desairosos sobre hinos, canções clássicas de cada cultura deturpadas, figuras de destaque parodiadas são artifícios fáceis e que compõem um repertório de gosto popular. Vamos a dois exemplos: quem não se lembra da referência que fazíamos a Maradona como “gordote cheirador”? E, lá, quando nosso craque Ronaldo Fenômeno foi flagrado com travestis ouvia-se “El campeón es maricón”. E assim as brincadeiras progridem, sempre num crescendo. Saberemos qual é o limite?

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