sexta-feira, 31 de outubro de 2014

PAPIRO VIRTUAL 82




Roberto Rillo Bíscaro

Quando um sapato foi atirado por um árabe contra George Bush há alguns anos, não tive noção da força simbólica do ato até que nosso cronista-historiador aqui do blog, o Professor José Carlos Sebe Bom Meihy me explicasse a importância dos calçados na cultura islâmica.
Esse desconhecimento das diferentes “orientalidades” me afasta da produção cultural, por exemplo, do extremo leste asiático, tipo Japão?  Receio ver/ler e não entender? Preguiça de procurar informação? Muleta psicológica pra camuflar meu desinteresse “ocidental” pelo Outro “amarelo”? Sei lá, fato é que esquio quase nada em neves asiáticas.
Tentando me redimir, li, Yukiguni , curto romance de Yasunari Kawabata, publicado nos anos 30 de forma serializada e traduzido pro inglês em 1956, sob o título Snow Country, versão que li. O resultado foi o que previa: se eu soubesse sobre cultura nipônica, formas de conduzir e vivenciar o amor, a cultura das gueixas, teria aproveitado muito mais essa narrativa de apelo visual tão poderoso.
A trama gira ao redor das visitas de um rico morador de Tóquio, Shimamura, a uma estação termal incrustada em uma região gélida, onde conhece a geisha Komako. Em 3 ou 4 visitas do turista, percebemos a desilusão provocada pelo amor impossível, pela falta de oportunidades e pelo álcool.
Kawabata satura sua história de toda sorte de símbolos e índices indicativos da falência amorosa: a descrição quase miraculosa dum cenário gelado – elemento de que mais gostei na leitura – assemelha-se quase a uma avalanche verbal de gelo e brancura/escuridão no calor termal, inativo perante tanto frio.
 Shimamura é tão “branco” de sentimentos como a neve. Não faz nada (pobre seria vagabundo; rico é diletante...), estuda balé ocidental sem jamais ter visto um. Um sujeito que sequer estabelece ligações com a pátria, quem dirá com o sentimento.
Komako anota tudo sobre os romances que lê, fato considerado desperdício de esforço por Shimamura. Além disso, ela discute sobre filmes e peças q nunca viu, como Shimamura e seu balé ocidental. O conceito de desperdício de esforço repete-se em diversos casos e personagens ao longo da concisa narrativa. Komako adotou a profissão pra pagar as contas médicas do noivo condenado à morte, que por isso a rejeita romanticamente, arruma amante não-gueixa, Yoko. Tornar-se gueixa e perder o noivo, o amor, e mesmo assim o esforço não lhe salvar a vida é outro esforço desperdiçado.
Quase nada acontece em Snow Country, além de muita conversa e descrições de natureza, então pra quem gosta de literatura mais psicologizda é prato cheio. Apesar da avalanche verbal, o livro não é pesado, pelo contrário, Kawabata tem estilo econômico e até austero. O resultado é uma obra altamente concentrada tanto emotiva quanto verbalmente.
Tudo muito bom, tudo muito bem, mas não me cativou além do lado intelectual, cerebral. Careço conhecer algo dessa cultura pra sentir melhor o frio dessa neve.

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