quarta-feira, 29 de outubro de 2014

CONTANDO A VIDA 85

Nosso historiador-cronista já se prepara para o Natal, mas tem críticas a fazer. Além disso, já elegeu a personalidade do ano; adiantado ele, não?
Descubra quem, lendo a crônica!

NATAL, FIM DE ANO, SAUDADE E JUSTIÇA...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Sei que posso parecer repetitivo, mas não tenho como fugir da surpresa desagradável que se repete a cada fim de ano. E sempre mais cedo, se impondo como obrigação ou tarefa. Refiro-me às preparações para o Natal. Tudo se inicia logo demais! Já no mês de outubro as lojas estão decoradas, as propagandas se multiplicam e as inefáveis musiquetas começam rondar nossos ouvidos saturados pelos sinos, palavras gastas e repetidas mecanicamente. Tenho um temor maior, confesso: ouvir a cantora Simone entoando “Então é Natal”. Arrepios se multiplicam com a espera do Show do Roberto Carlos, aiaiaiai. Alongada no tempo, as supostas celebrações perdem a graça e a magia que se supunha projetada nas crianças vira apenas troca de presentes materializados em compras estafantes. Sei que vivemos na “sociedade do espetáculo” como definiu Guy Debord, mas não precisa tanto exagero. Até a decantada missa do galo perdeu prestígio dando lugar a exagerados encontros gastronômicos e etílicos. E que dizer dos humilhantes e incômodos livros de ouro, amigo oculto e reuniõezinhas festivas de fim de tarde? Não é demais?!
Com saudade perfumada, recordo-me do tempo de minha meninice quando, em minha casa, faltando uma semana para os festejos, minha mãe arrumava o presépio com zelo irretocável. Era emocionante. O tempo parecia perfeito para não vulgarizar algo que tinha que significar muito. Toda família reunida, escolhíamos onde colocar os personagens, discutíamos sobre o local da estrela guia, optávamos pelo caminho dos Reis Magos e inventávamos possibilidades baseadas na tradição. Era mesmo uma festa e o mais emocionante, porém, é que o menino Jesus apenas era colocado no dia 25. Expectativas. A solenidade nos enternecia e convidada à meditação sobre nosso papel na família e o juízo sobre as virtudes dos feitos fazia parte do pacote emocional de cada um. Havia leveza na simplicidade dos atos. Dado o tempo de intensificação do trabalho motivado pelo atendimento da loja de tecidos de meu pai, o presépio correspondia ao auge dos festejos. Demorou muito para que começássemos a trocar presentes e pensar em árvore de Natal, bolas e outros apetrechos. O importante mesmo era o clima aconchegante provocado pela tradição religiosa iniciada por São Francisco de Assis e replicada em cada rincão de um jeito. O tempo foi rodando e novas práticas foram sendo assumidas. Não houve como negar a imperiosidade do consumismo que trocou a ternura festiva pela sensação da modernidade. A eletrônica tem a ver com isto. Substituindo as antigas “marquinhas”, pequenas velas acesas em copo com água e azeite, as feéricas lâmpadas atestam o envelhecimento de tudo.
 Aprendi a guardar as velhas lembranças e tenho me treinado a aceitar alguns ângulos bons da modernidade. Uma das práticas que exercito é a eleição íntima onde, depois de arrolar pessoas e fatos elejo alguns símbolos para minha celebração cidadã. Delego tempo e extremo cuidado na composição das possibilidades. Sempre penso, por exemplo, em modelos de pais, professores ou demais profissionais, em gestos nobres e humanitários. Nem meço proximidades, pois vezes há que escolho pessoas de outros países, de plagas distantes. Aliás, isto aconteceu este ano. Na verdade, tudo começou em abril, com a visita do Papa. Quando soube da escolha de um jesuíta para o Trono de Pedro, fiquei cético. A reputação estereotipada dos inacianos me deixou atento. Tudo foi mudando mais rapidamente do que supunha nas melhores expectativas. Estando no Rio, com inexplicável empatia, Francisco foi mostrando a que veio. E não parou de surpreender. Uma medida atrás da outra, o Papa foi cativando fieis e até opositores do Catolicismo. Para mim a posição assumida na abertura do recente Sínodo da Família é a prova mais eloquente da possibilidade de um mundo melhor, mais justo e fraterno. A fresta para a aceitação irrestrita de casais em segundas núpcias é de avanço mais que desejado. Isto afeta toda a comunidade e dilata os espaços da tolerância. Nem preciso dizer do significado do acolhimento dos homossexuais. Nesta linha, outra dimensão importante se deve ao enfrentamento valente da questão da pedofilia dentro da Igreja. É lógico que neste arrolamento progressivo, não pode faltar a alternativa cultivada por muitos de abertura também para casamentos de padres.
 Não sei ainda dizer se o ano foi bom ou ruim. Garanto, porém que o Papa é meu personagem do ano. Ele merece e com ele faço justiça à condição humana. Começo a pensar que o ano que vem será melhor e o Natal pode ser reinventado.

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