segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

CAIXA DE MÚSICA 111


Roberto Riolo Bíscaro

O punk nasceu em Nova York, mas foi o cenário britânico que se tornou referência mundial pelos adereços como alfinetes e cabelos moicanos, além da cusparada febril e feroz de bandas como os Sex Pistols, The Clash, The Damned e tantas outras. Qualquer fã que se preze dos grupos britânicos dos anos 80 deveria conhecer um pouco da história da punk music, afinal, de Smiths a Bananarama, de U2 a Culture Club, todos foram influenciados pelo levante de 1977. 
Mesmo conhecendo algo sobre o assunto, assisti às 3 partes do documentário Punk Britannia (2012), encontráveis no You Tube, sem legendas. Queria aprender mais, especialmente com a parcela primeira, que cartografa os anos pré-punk, de 72 a 76.
O cenário é velho conhecido: Inglaterra enfrentando década dura, repleta de greves e apagões, constatando finalmente que sua fase imperial era história. juventude desempregada, entediada, com sistema educacional arcaico. A geração roqueira de fins dos anos 60, que prometera revolucionar, frequentava festas do grand monde e se pavoneava em megaestádios e/ou produzia álbuns requintados, onde a diversão e simplicidade do rock and roll passavam longe.
Nos pubs londrinos surgia uma reação. Bandas voltavam-se pro blues, bluegrasss e os primórdios do rock dos anos 50 e início dos 60. Essa cena barulhenta e visceral ganhou o nome de pub rock. Semeava-se a semente da rusticidade e rouquidão de uns 4 anos adiante.
Uma geração ainda mais jovem adicionou a rebeldia gutural e travestida dos ianques New York Dolls, da provocação glam de Marc Bolan e mesmo do camaleão David Bowie - que pra muitos não deixava de representar o estatuto do superastro distante de sua plateia – e começou a fazer sua própria moda e música, independentemente de perícia. A cultura do “Faça Você Mesmo” (Do It Yourself, D.I.Y) nascia e explodiria.
Esses movimentos juvenis necessitam dum catalizador, o qual estava à mão, na figura de Malcolm McLaren, que com sua loja Sex, queria chocar, ser notado, causar. Esperto, o empresário percebeu de imediato o potencial avassalador dos desafinados e maus músicos dos Sex Pistols, especialmente a figura carismática e o olhar de ódio do vocalista John Lydon aka Johnny Rotten. A glória de ter lançado o primeiro compacto punk coube ao The Damned, mas quando os Pistols entraram nos estúdios da EMI (movimento rebelde, gravando álbum de estreia em grande corporação? Prato cheio pra discussões e acusações que cortariam décadas...), em 1976, pra gravar Never Mind The Bollocks, deflagrariam uma sublevação musical que varreria os 5 continentes. 

A segunda parte do documentário da BBC é a mais refinada analiticamente. Descreve os anos de 77-8, epicentro do “movimento” punk, compreendendo o lançamento do álbum dos Pistols e a dissolução da banda, cansada da manipulação classe-média de Malcolm McLaren. Aí estava uma das várias contradições da rebelião: The Clash, Sex Pistols, The Damned não tinham ligação estreita com a classe trabalhadora, e isso faz diferença danada na classista Inglaterra, vide a rivalidade Oasis/Blur, 2 décadas depois.
O surgimento de bandas falando diretamente sobre e pra garotada dos impessoais conjuntos habitacionais foi ato contínuo, indo desde gente politicamente do bem como Paul Weller, líder do The Jam até a fascista ligação de boa parcela moicana com movimentos de extrema direita, racistas e homofóbicos.
Não se pode falar dum movimento punk. Centrado numa atitude que apadrinhava e incentivava o individualismo, os punks espalhavam-se em grupos violentamente rivais. O documentário não fala, mas é bom lembrar que a tão apregoada “revolução” punk/pós-punk nem chegou a fazer cócegas de perigo à eleição da neoliberal Margareth Thatcher.
Isso não significa que os Pistols e a invasão das roupas, penteados e adereços extravagantes nas ruas londrinas não tenham causado comoção. Quando Johnny Rotten disparou um “fuck” num programa de entrevistas, o incêndio punk espalhou-se pelo Reino Unido e a imprensa caiu de pau. Como qualquer publicidade parece ser boa, a atitude dos Pistols realmente motivou uma avalanche de novos artistas, agora livres da necessidade de serem exímios instrumentistas.
A ideologia musical retrô do pré-punk e do seu estouro no biênio 77-8, porém, colocavam outra contradição irreconciliável: como ser o futuro (mas, um dos hinos dos Pistols não repete a frase “no future” insistentemente?) da música, utilizando apenas 3 acordes e voltando-se pro rock dos anos 50?
Quando Johnny Rotten se deu conta de tantas encruzilhadas, encheu o saco e disse adeus aos Sex Pistols no palco. O tórrido verão de 77 – interessante pensar que o estouro da acid house na década seguinte também se deu num verão escaldante – passou e com ele o frescor do punk também. O The Clash assinou com gravadora gigante, o Jam começava a singrar por mares mod e gente como Siouxsie Sioux e Jim Kerr sofisticava sua sonoridade. Aí reside a importância do estilhaçamento punk. Essa eclosão de forças criativas criaria cenário cultural mais caleidoscópico, atitudinalmente individualista, onde nichos se formariam e sub-gêneros eram criados a cada hora.

A Terceira parte foi a de que mais gostei, porque mapeou a abertura do gargalo punk pra entrada de influências milhares, como reggae, ska, electronica (leia aqui como o synth pop é filhote inesperado do punk), pop e o escambau. Falando sobre o pós-punk, o programa narra o nascedouro de minha amada década de 1980.
Egresso dos Pistols, Johnny Rotten voltou a ser John Lydon e formou o P.I.L (Public Image Limited), que lançou álbuns fundamentais, incorporou ritmos e tonalidades, deu diversos lugares-ccomuns sônicos aos anos 80 e nunca perdeu seu caráter de confronto.
A lúgubre e decaída Manchester presenteou o planeta com um mártir pós-punk, o suicida Ian Curtis, da Joy Division, que também influenciaria gerações. O programa não esquece bandas como a lírica Durutti Column e o anárquico The Fall.
Anarquismo, tendências marxistas e uma profunda desconfiança e falta de vontade de se tornar estrelas pop endinheiradas marcaram uma geração de bandas influentes como Gang of Four, Orange Juice e Wire. Quando topavam se apresentar no Top of the Pops, por exemplo, partiam do princípio de que necessitavam marcar espaço, propagar sua ideologia.
Em meio ao modismo punk, bandas até legais como o The Police e grandes artistas como Elvis Costelo foram vendidos como pós-punk ou sua versão mais palatável e universitária, a New Wave. Mas, eles eram outra coisa. Não os desprezo como alguns artistas no documentário – pelo contrário -, mas justiça seja feita. O lance do Sting era fazer dinheiro e se tornar pop star.
Imperdoável a omissão do The Cure; não entendo porque fazem isso com Robert Smith. O cara é um ególatra ditador, mas os primeiros discos da banda são muito importantes!

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