segunda-feira, 31 de outubro de 2016

CAIXA DE MÚSICA 242

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Roberto Rillo Bíscaro

Depois do choque punk de 1977, um subgênero lúgubre se desenvolveu no hemisfério norte, mormente no Reino Unido. Influenciadas por Velvet Underground, Nico, Doors, glam rock e Sex Pistols, bandas como Bauhaus, Cure, Siouxsie And The Banshees, Joy Division pesaram em letras, sonoridade e maquiagem sombrias. Logo a imprensa começou a falar em gothic rock. Embora nenhum desses grupos aceite a pecha, todos apresentavam algum(ns) elemento(s) básico(s) do estilo, como baixo grosso, teclados e guitarras gélidas e sobrepostas, letras dignas de desespero Romântico, vestimentas e maquiagem pretas/cadavéricas.
No começo dos 80’s, a meca gótica era o clube londrino Batcave e a cena contava com bandas tipo Southern Death Cult (mais tarde, o hard rock The Cult), Sex Gang Children, Alien Sex Fiend, Cocteau Twins (fase inicial), Fields Of The Nephilim e no continente nomes importantes como o holandês Clan Of Xymox e o alemão Xmal Deutschland. 


Um dos góticos mais bem-sucedidos comercialmente foi o The Sisters Of Mercy, que sob o despotismo de Andrew Eldritch, estreou numa grande gravadora em 1985, com o LP First and Last And Always, que chegou a ser lançado no Brasil e comprei. Descrito numa revista de rock brasuca da época como “discoteca para vampiros”, o grupo já estava rachado quando das gravações do álbum, em 84. Meses após o lançamento, o baixista Craig Adams e o guitarrista/vocalista de apoio Wayne Hussey deixaram a banda para formar o The Sisterhood, cujo nome pegava carona na fama do Sisters. Eldritch levou a questão aos tribunais e Adams/Hussey foram proibidos de gravar sob aquele nome. Mesmo sem gravar desde 1990, o Sisters Of Mercy segue fazendo shows; este ano até tocou em Sampa.


Hussey e Adams escolheram a alcunha The Mission, convidaram Mick Brown (bateria) e Simon Hinkler (guitarra), clarearam o gótico e em novembro de 1986 estrearam com o álbum God’s Own Medicine, que no Brasil gerou o delicioso hit Severina. Nunca sucesso de massa ou apreciado pela crítica, o The Mission passou a segunda metade dos 80’s e o começo dos 90’s indo decentemente bem nas paradas e turnês com sua bombástica superprodução típica da época. Mal entrará para a história, porque nunca foi mais do que mediano, mas entreteve. Britpop, grunge, desavenças internas, envelhecimento, hiatos tornaram o The Mission perceptível apenas para sua base de fãs, contumazes oitentistas ou para quem segue imprensa musical mais específica, mas os álbuns de vez em quando aconteciam.


Comemorando o trigésimo aniversário, os britânicos lançaram seu décimo LP dia 30 de setembro. Another Fall From Grace soa em sua maior parte como se gravado em 1986, pouco depois de Hussey e Craig terem deixado o Sisters Of Mercy. Com Mike Kelly na bateria, o quarteto fez seu melhor álbum em décadas. Dispensando o excesso melodramático (hoje soa meio brega), a banda voltou com peso sem exagero e tem hora que lembra até U2.
Another Fall From Grace começa com a faixa-título que já abre o empoeirado (não no mau sentido, os góticos devem adorar uma velharia de sótão) baú de tiques góticos: baladona arrastada com bateria pesada à Doktor Avalanche, mas não mais eletrônica; baixo lúgubre e grosso à Joy Division; violão de 12 cordas dedilhado. A voz de Wayne engrossou e quem o ouviu pela última vez em Severina ou Tower Of Strenght estranhará um pouco, mas são 30 anos e muito álcool e droga nas cordas vocais. O The Mission adorava divulgar quanto gastara com drogas nas turnês. Talk about maturity. Mas, ele ainda consegue cantar legal e quando precisa vai do sussurro ao berro. Em vários momentos, lembra Bono Vox. 
A energética Met-Amor-Phosis diz que há uma nova estrela negra brilhando nos céus, alusão ao álbum derradeiro de David Bowie, cujo vocal grave foi amplamente apropriado por gerações de góticos vocalistas. Será que o único desvio da cartilha gótica comercial, Phantom Pain, também deve ao último álbum do Camaleão? Sua eletrônica em borbulhas e seu sax de free jazz dissonante lembram alguns climas de Darkstar, mas fazem o The Mission soar meio King Crimson gótico. Louvável e aventureira para uma banda tão idosa e com decrescente base de fãs, não necessariamente interessados em mudança no rumo de seu grupo favorito, quando todos já se aproximam ou passaram bem dos 50. Interessante, mas se o álbum todo fosse nessa toada seria meio tedioso. Não se assustem, porém. O resto de Another Fall From Grace é como um coturno velho, confortável de usar, mas não detonado, porque a produção evitou soar datada. É quase até como se uma banda mais jovem gravasse influenciada pelo Sisters/Mission biênio 85-6.
As letras mantêm os fantasmas, noites escuras e tempo climática e emocionalmente cinzentos. Within The Deepest Darkness (Fearful) é Na Mais Profunda Escuridão (Amedrontado). Não precisaria explicar mais, mas compensa ouvir a lúgubre balada que tem sussurros e gritos abafados de Martin Gore (Depeche Mode) e do synthpopper Gary Numan no fundo. Só mesmo a pose gótica do The Mission para transformar uma viagem pelas estradas californianas em depressão à Poe, como em Can’t See the Ocean for The Rain.
Para se juntar à galeria das mulheres idealizadas do Romantismo pós-tardio dos góticos, que além da mais popenta Severina, nos deixou Charlottes (The Cure), Marions (Sisters of Mercy) e Rebeccas (Big Eectric Cat), o Mission nos apresenta Jade, que com sua colcha de teclados, baixo e guitarras dedilhados, jamais dorme só, mas também não pode existir. E se estamos numa cruza de Sisters com Mission safra 85-6, vocalizações à Severina não poderiam ficar de fora, cortesia de Julianne Regan (da meio neo prog, meio gótica e meio sem graça All About Eve) e estão na intensa balada Never’s Longer Than Forever. A fixação pelo orientalismo zeppeliniano, culpa de muitos dos micos pagos sonicamente no auge da banda, reaparece no teclado de Bullets and Bayonets, felizmente em tom mais discreto. A letra é sobre regicídio, revolução, quer mais Lord Byron?
Em meio a tantas power ballads e mid-tempos, o único rock acelerado é Tyrany Of Secrets, certamente um dos pontos altos dos shows daqui para frente e melhor faixa de Another Fall From Grace. Wayne ainda tem gogó pra urrar nesse cruzamento perfeito de First And Last And Always e God’s Own Medicine. Vontade de me vestir inteirinho de preto, com chapéu, óculos-escuros e ir dançar voltado pruma parede num porão gótico enfumaçado no inverno do norte inglês.

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