quarta-feira, 10 de junho de 2009

CRANFORD

Roberto Rillo Bíscaro

Vou contar um segredinho a vocês, mas peço que não divulguem. Alguns setores acadêmicos podem até torcer o narizinho, mas sabe o que realmente me dá prazer? Aqueles romances do século XIX, onde tudo acaba bem, tudo é idealizadinho, onde pessoas herdam fortunas do nada, todas as histórias de amor dão certo, enfim, sabe aquela coisa meio novela das 6 de antigamente? Assisto ou leio e não me contenho: sempre choro ou pelo menos fico com os olhos umedecidos. Atóron!
Acabei de ver outra adaptação de romance britânico do século XIX, produzida pela BBC. Dessa vez foi Cranford (2007), da Elizabeth Gaskell. Tenho esse livro há anos em minha estante, mas não tive ainda a oportunidade de lê-lo. Preciso, só não sei quando pela quantidade de coisas que sempre tenho adiante!
A minissérie em 5 capítulos é simplesmente adorável. Foi me cativando aos poucos. Cranford é uma fictícia cidadezinha inglesa à beira da mudança provocada pela inevitável vinda da linha férrea que a colocará definitivamente na rota e no mapa do capitalismo industrial.
A história centra-se na vida de vários de seus habitantes, suas fofocas, alegrias, tristezas, amores, boatos, enfim, é a idealização duma pequena cidade às vésperas de "perder sua inocência".
As profundas mudanças que alteraram pra sempre a vida na Inglaterra pós-Revolução Industrial estão definitivamente forçando sua entrada em Cranford: o jovem médico com suas técnicas novas, os óculos pra corrigir astigmatismo, mulheres participando de cortejos fúnebres e começando a trabalhar, cartões impressos pro dia de São Valentino e outras coisas mais.
Também os problemas advindos do capitalismo estão afetando a comunidade como a bancarrota dum banco em Manchester, que afeta duramente a vida duma velhinha.
Por outro lado, o roteiro é esperto demais pra permitir que achemos que a "inocência" anterior fosse assim tão boa. A velha estrutura feudal, que de certo modo ainda imperava na cidade, vê seus dias contados com a universalização da educação e do aprendizado da leitura e a consequente falência do sistema que impunha que cada pessoa teria que seguir os mesmos passos de seus antepassados ad infinitun, sem chance de ascensão social ou cultural.
Quem é familiarizado com cine britânico ou as séries e minisséries da BBC reconhecerá um bom punhado de rostos muito familiares e queridos. Bom, queridos pra mim, pelo menos. Em meio a atores e atrizes tão bons, fica difícil destacar alguém,. Entretanto, uma das cabeças do elenco é Judi Dench. E quando tem La Dench, La Dench impera!! Maravilhosa, maravilhosa, maravilhosa como sempre.
A mini é recheada de momentos muito bem humorados. Hilariante a sequência em que um gato engole um pedaço de renda e as distintas senhoras tão ciosas do que seria "adequado a fazer", decidem recuperar o ornamento. As caras que fazem são impagáveis.
Outro momento delicioso é quase ao final do tocante último episódio. Uma das solteironas da aldeia está se gabando de que a ausência de marido tornara seu corpo de solteirona uma fortaleza. Ela diz algo como "este corpo de solteirona não recebeu jamais a visita de um médico". Ato contínuo, aparece em cena o irmão desaparecido duma outra personagem, aliás, uma rápida aparição de Martin Shaw, o Father Jacob, de Apparitions, com sua vasta barba e cabeleira grisalhas. A cara que a solteirona faz e o olhão que arregala permitem ao telespectador perceber que ela mudou de ideia rapidinho e que em sua mente seguramente passam ideias de visitações mais, mas muito mais mesmo, agradáveis do que as de um médico!
Em síntese, Cranford é leve, divertida, esperta, tocante e bem produzida. Um outro triunfo da BBC.
Achei a cena em que o gatinho engole a renda. "There is lace at stake!" LOL

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