quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

TELONA QUENTE 136

Além das Montanhas
Roberto Rillo Bíscaro

Há uns 10 anos, a balcânica Romênia tem se destacado nos festivais de Cannes e Berlim, além de obter elogiosas resenhas em respeitados jornais ianque-europeus. Essa Nova Onda do cinema romeno rendeu pelo menos 2 resenhas no blog: Instinto Materno, ganhadora dum Urso de Prata, em Berlim e Occident, estreia do queridinho de Cannes, Cristian Mungiu. E é do diretor de 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, o tema da seção de hoje: După Dealuri (2012), exibido no Brasil como Além das Montanhas.
A órfã Alina volta à Romênia pra convencer Voichita a ir com ela pra Alemanha trabalhar como garçonete num navio. Mas, a também pobre de marré deci Voicihita convertera-se ao catolicismo ortodoxo e vivia num monastério sem água corrente ou energia elétrica, em meio a um punhado de freiras supersticiosas, comandadas por um ex-operário que supostamente vira um anjo e agora ficava rezando, aconselhando e tiranizando, enquanto a mulherada fazia o serviço pesado.
Alina quer mais do que amizade com Voichita, que parece ter deixado pra trás os desejos carnais lésbicos e pensa em seguir vida como freira, tirando água de poço no inverno cortante da Romênia. A inconformada Alina surta, é diagnosticada no hospital como potencialmente bipolar ou algo que o valha, mas logo é mandada embora, porque não há suficientes leitos. A família que a acolhera – e lucrara com isso – também se mostra inviável pra nova permanência. Querendo Voichita e sem muitas opções, Alina volta ao monastério, apenas pra surtar novamente e seu caso ser confundido com possessão demoníaca. Daí o espectador perceberá que a Transilvânia é o menor dos horrores do país do leste europeu.
Filmado em excruciantes sequências longas e com quase 3 horas de duração, Além das Montanhas pode cansar um pouco pela primeira hora morosa, mas se o espectador tiver paciência, será recompensado por uma película austera em todos os aspectos da composição, desde interpretação, até tonalidades de roupas e adereços.
Sem demonizar a religião, o roteiro trata de pessoas esquecidas pelo estado e pela própria igreja (o bispo não consagrará a humilde igrejinha na colina até que seja pintada por inteiro), que, sem alternativa, chafurdam bem-intencionadamente no fanatismo religioso. Situado na era dos celulares, Além das Montanhas coloca a incômoda questão: se na época comunista o peso do estado sufocava o cidadão, o que dizer agora, que a ausência do estado relega-os a disparidades econômicas tão grotescas que apenas emigração ou entrega cega a dogmas incompreensíveis aparecem como alternativas viáveis a alguns?
Mungiu não responde nada, apenas dá elementos poderosos pra discussão e reflexão. Não há vilões ou mocinhos; todos são mostrados em seus aspectos mais humanos e incoerentes. O policial acusa as freiras de terem amarrado Alina, ao que essas retrucam que no hospital ela também o fora. Esse detalhamento é uma das causas da longa duração; outra é o contraste que ocorre entre a lerdeza e quietude dos 2 primeiros atos com a pauleira do terceiro.
Com atuações estupendas das premiadas Cristina Flutur e Cosmina Stratan, Além das Montanhas não é pra viciados em ação ou deficitários em atenção; mas quem lhe der oportunidade, terá uma experiência cinematográfica que não lhe deixará neutro. 

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