sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

PAPIRO VIRTUAL 99

Encontrei um texto no site do jornal Diário da Manhã, que narra o encontro com uma criança indígena albina. Como a história está contada em tom literário, inseri-a em nosso Papiro Virtual.

A indiazinha albina do Itacajá
Uma experiência inovadora

POR SALATIEL SOARES CORREIA

Loira, completamente loira, ou melhor, albina, com a pele branca como a neve. Não tinha mais que uns 14 anos. Lá estava ela sob aquele sol de rachar, na rua principal, na porta do maior supermercado do município. Para quem não conhece a localidade, vai aqui a informação: trata-se de uma pequena cidade incrustada no sertão, onde convivem pacificamente lado a lado cerca de três mil índios kraos com a população branca de identidade nordestina. Falo de Itacajá, no estado do Tocantins. A pequena criança de que vos falo é uma indiazinha krao.Seus pais, índios normais típicos, fisicamente, em nada se diferenciam dos outros índios: morenos, de olhos rasgados e cabelos longos.
“Vem cá para dentro, o sol quente faz mal para sua pele”, alertou o zeloso funcionário do supermercado, designado pelo proprietário do estabelecimento para cuidar única e exclusivamente de atender aos índios. Estes, subsidiados pelo governo, movimentam, com suas rendas mensais,grande parte do comércio local.
A indiazinha, de dentes  encravados, sorria inocentemente um sorriso irregular. A inocência brilhava em seu olhar.
– Você quer um picolé ou um refrigerante para espantar o calor?, indaguei à pequena albina.
– Um picolé, respondeu a mãe que estava bem ao seu lado.
– A senhora quer também um?, indaguei a índia mãe.
– Quero!
Nisso, mãe e filha saborearam os picolés na calçada do supermercado. Pouco tempo depois, a índia mãe retorna para concluir o diálogo interrompido pela degustação.
– O senhor sabe que minha filha já é aposentada?
– Então, a senhora tem de colocar um aparelho nos dentes dela. Vai melhorar muito a mastigação da garota. Além de mudar a face de seu rosto – respondi.
Conversa vai, conversa vem, e a índia veio com mais um pedido: – O senhor pode pagar uma cerveja pra mim? – “Pega lá na geladeira”, respondi.
Nisso, a krao sai na calçada com a cerveja na mão e entrega no destino que originou o pedido: o marido que estava lá fora.
A cena me fez voltar em meados dos anos de 1960, quando, ainda criança, vivia na vizinha Pedro Afonso. Para lá iam muitos índios. Se você desse uma coisa, eles pediam outra e mais outra. A demanda é de fato infinita.
O saudoso indigenista e senador pelo Rio de Janeiro, o grande Darci Ribeiro, colocou o brilho da sua inteligência na defesa da causa indígena. Aliás, o grande sociólogo e fundador da Universidade de Brasília escreveu brilhantes tratados sobre os índios e viveu entre eles com sua mulher. Descontada a esperteza, os índios têm de ter sua cultura protegida. É a tradição incrustada num mundo repleto de modernidades.
De resto, conhecer a indiazinha albina do Itacajá foi uma experiência, para mim, interessante. Ela é a expressão mais viva de que a inocência e a pureza se sobressaem num mundo tão cheio de dificuldades como é ainda o do sertão do Tocantins.
(Salatiel Soares Correia, engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Planejamento Energético, autor, entre outras obras, do livro A Energia na Região do Agronegócio)

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