terça-feira, 16 de janeiro de 2018

TELINHA QUENTE 292


Roberto Rillo Bíscaro
Medo de pestes devastadoras, como a Negra ou a Gripe Espanhola, incomoda há milênios e volta e meia compraz a fome incessante da mídia por drama e pavor. A gripe aviária d’alguns anos atrás ensejou cenários extintores fartamente explorados.
Os 10 capítulos da temporada primeira de Cordon (2014), da belga VTM, imaginam um desse cenários hecatômbicos, provocado por vírus mortalmente contagioso, propagável por contato com mucosas e secreções.
Tudo começa quando uma professora leva seus aluninhos pruma visita ao Instituto Nacional de Doenças Infecciosas. Realmente, excelente escolha: um bando de crianças curiosamente inquietas e vivendo fase obsessivamente tátil num viveiro de infecções em potencial. Isso é o que chamo de procurar vírus pra se contaminar. Cordon exige bastante desarmamento da descrença.
O problema com a visita e com toda uma seção de Antuérpia é que um container chegara carregando vírus 100% letal, que começa a se alastrar, daí as autoridades instituem o cordão sanitário aludido no título. As crianças não podem sair do Instituto e ninguém pode deixar a parte isolada da cidade. Não pergunte pelos petizes lá pelo capítulo 5, porque sua função dramática já desaparecera, então não precisam mais ser vistas.
Cordon tem todos os elementos padrão duma representação de catástrofe bacteriológica, viral, quem se importa?: em poucos dias, o tecido social se dilacera e a barbárie se espalha feito praga na área isolada, indicando que o ser-humano não é tão diferente de irracionais unicelulares. Há também mistério que aponta a possibilidade de tudo ser esquema muito maior, deflagrado e camuflado por esse Lobo Mau chamado Governo (que no caso europeu ajuda no financiamento dessas séries), que, claro, tenta se esquivar da culpa culpando os afegãos por bioterrorismo.
Um dos núcleos é um laboratório de informática, onde técnicos recuperam arquivos perdidos. Alguém me explica, porque num local assim, haveria estoque aparentemente inesgotável de roupas isolantes, com touca, luva e tudo? Uma das coisas mais divertidas dessas séries é fazer essas perguntas, mas aceitar o mundo dramático, porque dói menos.
Semivedete do mundo televisivo cult – a Inglaterra descobriu séries belgas há um tempinho e já exibiu umas 3 ou 4 – o pequenino país não possui orçamento pra superprodução, então as ruas são bem desertas, não há muitos extras e nem grana pra pensar em helicóptero pra tirar um menino que poderia conter genética benéfica pra se achar cura.
Duro de crer que a rica Bélgica não teria grana pra isso, mas pro mundo dramático de Cordon a modéstia não é ruim, até porque não se trata de produção mambembe ou esquálida. Apenas não é bombástica como se esperaria nos centros anglófilos do dinheiro.
Orçamento cont(i)ado resultou numa narrativa quieta, intimista, mas que prende, por isso chamou a atenção dos norte-americanos, que compraram os direitos e fizeram sua própria versão, Containment, exibido pela The CW, ano retrasado.
Uma vez que não se trata de spoiler, cumpre apontar que o vírus veio do Brasil. Incrível como a imagem de refúgio pra bandido e origem de violência/mal perdura por décadas. No cine noir não era incomum bandidos fugirem pro Rio. E não é que na contemporânea Bedrag acontece o mesmo?
Cordon teve segunda temporada não muito bem-sucedida, em 2016, mas a primeira pode ser assistida de boa sem se preocupar com a segunda, porque tem um fecho.

Encasquetei se os roteiristas norte-americanos teriam a ideia de enviar um helicóptero pra apanhar o moleque potencialmente carregador da cura; afinal, a seção de Atlanta isolada pelo cordão sanitário possuía prédios altos. Será que não daria pra pousar ali? Pois não é que mantiveram a solução da prima pobre belga?!
Os 13 capítulos de Containment são mais ricos, coloridos, explosivos, patrióticos, dramáticos e, óbvio, mais bem produzidos. Todos os maneirismos de série ianque estão ali: aquelas histórias do passado contadas em momentos-chave; discursos patrióticos e motivadores; a crença de que um homem pode mudar o sistema (ilusão, porque tudo o que consegue é pequena correção de curso). A história básica é mantida até em detalhes com quem morre e sobrevive, mas a adição de 3 capítulos forçou o esticamento d’algumas subtramas. Todo mundo com pele sem manchas e dentes simetricamente alvos; gente do mau com corpão sarado e subtrama de criança que tem que enterrar os pais cortada, claro.
Containment é bem-feita, como negar? Mas, é mais uma na multidão de filmes e séries sobre catástrofes. Tem a moça que na hora do perigo faz o escritório voar pelos ares, enfim, é mais do mesmo, ao passo que o clima da belga – até por ser duma TV não muito conhecida – é mais sombrio e quieto, onde o caos social ocasionado pela epidemia é mais opressor do que com todo o dinheiro e multidões de extras da releitura anglófona.

O público doméstico dos EUA provavelmente sentiu a generalidade do produto, o que determinou a não renovação pra segunda temporada. Eu veria a segunda vinda de Cordon, mas não a de Containment.

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