terça-feira, 22 de agosto de 2017

TELINHA QUENTE 273


Roberto Rillo Bíscaro

A emancipação feminina, de modo geral, processou-se de forma mais rápida e radical na parte setentrional e protestante do continente europeu. Países latinos e católicos, como a Espanha, chegaram mais tardiamente à rinha da guerra dos sexos. A brutal e torpe ditadura franquista – que se estendeu de 1939 a 1975 – complicou ainda mais o desequilíbrio entre os gêneros no país ibérico.
Como a História não é rio comportado, que se movimente exclusivamente pruma direção previsível, não significa que jamais na experiência espanhola mulheres tenham tido protagonismo, antes do fim da catástrofe franquista. Os 8 episódios da temporada inicial de Telefonistas – série original da Netflix, estreada em abril – foram marqueteados como feministas, soróricos, gênero-afirmativos, porque se passam no crepúsculo dos anos 1920, quando a ainda superpatriarcal Madri se vê invadida por mulheres de todas partes do reino, em busca de colocação nas centenas de postos abertos pela inauguração da gigantesca companhia telefônica espanhola, a maior do continente (segundo o roteiro).
É certo que a mulherada se joga no protagonismo, mas Las Chicas del Cable está muito mais pra novelão latino do que produção feminista. Não que isso seja defeito – pelo menos não pro que se propõe este blog – mas sempre é bom tentar situar melhor as coisas. Será mesmo feminista uma série, onde, como em qualquer bom folhetim, as meninas no fundo querem um maridão pra chamar de seu? Tudo bem que Carlota explore sua bissexualidade, mas de resto Telefonistas é dramalhão misturado com algum alívio cômico fornecido por Marga e Pablo.
Tudo que amamos num bom folhetim está lá: amantes desencontrados em estação de trem, identidade secreta, chantagem, cafetina ajudando moça ameaçada por inspetor malvado, mal-entendidos, violência doméstica. A dramaturgia de Telefonistas é veloz, os problemas aparecem e são resolvidos sem aprofundamento, mas tudo permanece exatamente igual. Uma vez que cada menina nos seja apresentada e aprendamos seu papel, a personagem não muda. Por isso deixo a discussão feminista da propaganda pra estudiosos do tema; como entretenimento Telefonistas é viciante é maratonável.
Sem poder deixar de notar que o retrocesso franquista asfixiará a Espanha, o roteiro insere laivos políticos como cor local na esmerada produção, que, ciente que seu público será maior entre jovens mulheres, usa vestuário e adereços “de época”, mas na hora da trilha-sonora opta por um monte de canções modernas, em inglês. Isso também deveria despertar discussão: público diz amar produções de época “realistas” de reality show, mas não guenta a experiência “completa” e amarela na hora da trilha-sonora? Como a Netflix é “só” uma empresa de entretenimento que visa ao lucro, entendi a escolha pra agradar a audiências mais vastas, mas é bem esquisito ver pessoas vestidas e penteadas como há 80 anos ao som de trip hop.

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