terça-feira, 8 de agosto de 2017

TELINHA QUENTE 271



Roberto Rillo Bíscaro

Embora corramos sempre o risco de exagero ou imprecisão, nesses tempos de overdose de fartura de séries, é importante tentarmos rotular a qual subgênero cada produção pertence, a fim de facilitar, pelo menos um pouco, a vida dos telespectadores. Nem sempre é fácil, porque vivemos a época do pastiche e do crossover, mas pelo menos pode-se tentar dar alguma noção ao consumidor, perdido em um turbilhão de produções.
Os seis capítulos criticamente aclamados de Top Of The Lake (2013) são prioritariamente descritos como série policial com elementos de drama feminista. Eu alteraria a ordem, porque a produção neozelandesa é um poderoso drama-denúncia dos excessos fálicos da sociedade patriarcal, que usa quase como desculpa uma investigação policial. É preciso ter isso em mente antes de se decidir por assistir à produção, que consta da grade da Netflix brasileira. Caso o expectador não se neuro-programe pra aceitar que as convenções e velocidade do drama vêm primeiro, pode achar Top Of The Lake bem monótono, porque há longas sessões que não fazem a trama detetivesca caminhar um milímetro. Mmmm, mesmo depois de me posicionar perante o subgênero, achei meio chatinho, embora esteticamente bem-sucedida. Não, uma coisa não exclui a outra em meu universo emocional.
Nos confins cenicamente belíssimos da Nova Zelândia, uma eurasiana de 12 anos aparece grávida, pra em seguida desaparecer. Ela é filha dum coroa malvado e desonesto, com meios-irmãos da pesada. Candidato a estuprador de vulnerável é o que não falta na pequena Laketop, que afugenta qualquer desejo de viver no interior do arquipélago; eita gente estranha! Se bem que jamais vemos a cidadezinha, atente pra isso, é só natureza, acampamentos, cabanas isoladas. A natureza é fundamental em Top Of The Lake e pra quem curte paisagens, já vale a minissérie.
Quando Tui aparece grávida, quem convenientemente está passando temporada no lugarejo é a detetive Robin Griffin. Ela veio visitar a mãe moribunda e por isso tirou licença de seu emprego em Sidney. Obcecada pelo calvário da menina abusada, Robin tem seus próprios e pesados fantasmas envolvendo seu passado adolescente em Laketop.     
Produzida, escrita e dirigida pela cineasta Jane Campion, Top Of The Lake encaixa-se em seu cânon de denúncia dos abusos do macho. Até sua querida Holy Hunter está no elenco, como mentora espiritual dum grupo de mulheres abusadas que monta acampamento numa área conhecida como Paraíso. Cheia de afirmações-verdades e sentenciosas. Acho tão sacal esse tipo de personagem...
O selo Campion confere a Top Of The Lake direção segura de atores e produção esmerada, além de clima de cinema independente, com sua galeria de gente disfuncional e ações de esquisitice de butique. Tudo muito cabeça, simbólico, pertinente em sua denúncia contra alguns grupos oprimidos (brancos ou eurasianos; neozelandeses nativos não existem nessa natureza), mas, como policial, sinto muito, não dá. É apenas desculpa do roteiro pra falar de outras coisas e querer transgredir (embora um exame de “DNA ex machina” recue a transgressão mais patente).
Robin Griffin não age como protagonista quase nunca, a não ser nos 15 minutos finais, quando há uma plot twist a partir de uma epifania meio que do nada. Top Of The Lake serve pra mostrar como essa visita ao local de nascimento funciona como catarse regenerativa pra detetive. É preciso desconstruir pra construir. Eurasiana ou branca, mulher se ferra mais no patriarcado. Essas coisas são legais em Top Of The Lake e não o suspense policial ou as revelações sobre o sumiço de Tui. Até porque revelar a homossexualidade duma personagem com cabelo super Limahl não surpreende nada, né? Mmm, a não ser que você não seja 50tão e sequer suponha quem tenha sido o vocalista do Kajagoogoo.    
Lento, cheio de distrações narrativas quanto à trama policial (e inverossimilhanças: como alguém fica meses numa floresta gélida e permanece com aquele cabelo de comercial de shampoo? Me deixaaaaaa!), Top Of The Lake é um drama feminista que apenas reafirma a boa época pela qual passa a produção televisiva.

Mas, não sei se terei saco pra prometida temporada dois. 

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