sábado, 26 de agosto de 2017

QUANDO O SOL MACHUCA

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Há três anos, o fotógrafo Glauber Oliveira colocou em prática um mapeamento de localização de albinos no interior do Ceará e através disso pôde ouvir histórias e idealizar o projeto Síndrome do Pôr do Sol

O sol quebrava na vista e ardia na cabeça quando Glauber, ainda menino, no sítio da vó dele, avistou o canto da boca de Cícero sangrando em mais um dia de trabalho na roça. Como muitas pessoas desconheciam o albinismo, chamavam o senhor de aproximadamente 60 anos de “galego” ou “Gazo”, e logo, não imaginavam o perigo que ele enfrentava por estar exposto a tamanha luminosidade solar, principalmente na pele e nos olhos.


Os sangramentos se tornaram uma ferida e com poucos meses o trabalhador faleceu de câncer de pele, sem apoio, sem tratamento e sem uma segunda chance. Quase 20 anos depois, agora fotógrafo, Glauber Oliveira, 30, andando na feira central de Brejo Santo, cidade em que mora, se deparou com uma menina com um vestido rosa, pele brilhante e seus cabelos dourados. “Na hora fechei meus olhos e me emocionei bastante recordando a imagem de Seu Cicero, ao abrir a perdi de vista”, conta ele.

Por hora, ele sentiu o mesmo impacto de quando era menino e foi em busca de informação sobre a garota. Divulgou em redes sociais, foi até a Secretaria de Saúde do município e até que encontrou a professora que ensinava na escola em que a menina estudava. A partir desse encontro, após ter a oportunidade de conhecer a educadora Glauber começa o projeto Síndrome do Pôr do Sol.
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OS FILHOS DA LUA

Pelo fato dos albinos sofrerem implicações devido à falta de assistência contra a luz solar, muitos optam por executarem atividades pela noite, daí o nome filhos da lua. A principal meta do projeto era tentar articular formas para conseguir ajuda na arrecadação de fundos para compra de protetores solar e apoio médico especializado. Como também, profissional Assistente Social e especialista em Políticas Públicas, Glauber percebeu que não havia nenhum trabalho efetivo que atuasse frente ao assunto e desenvolvesse ações específicas. “Fixei como objetivo realizar o trabalho fotográfico, em uma percepção social de ajudar os albinos que vivem no sertão e perceber quais os maiores desafios enfrentados pelos mesmos”, explica.

Tudo começou há pouco mais de 3 anos, mas oficialmente 1 ano e meio, ele colocou de fato em práticas os processos de mapeamento das pessoas albinas no interior do Ceará. Localizados entre idade, origem e falando um pouco da história de cada um e trajetória de vida, o fotógrafo aos poucos foi documentando vivências antes não percebidas ou deixadas de lado. O projeto se iniciou em Brejo Santo, mas após a divulgação do que era produzido, Glauber foi localizando outros albinos em Mauriti, Nova Olinda, Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha e outras pequenas cidades do interior cearense. De acordo com ele, cerca de 90% dos mapeados moram em zonas rurais, onde o acesso à saúde especializada é mais difícil.

Atualmente, o Síndrome do Pôr do Sol tem 42 pessoas albinas na lista e as idades variam entre 3 meses e 72 anos. As situações são variadas, há alguns que nunca tiveram nenhum problema de pele a outros que já tiveram membros amputados e quase chegaram a morte com batalhas vencidas de sete cânceres de pele. “Sendo que alguns ainda estou lutando para ter uma abertura, chegar a conversar, disponibilizar ajuda. Infelizmente alguns não permitem sua exposição e nem um contato para conversa. Como é algo muito novo para eles, meio que estranham receber ajuda”, diz o fotógrafo.

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“O sol é meu amigo, mas ele me machuca”, contou Milena, 5, albina. Foi através dessa frase, que Glauber conta como surgiu o nome do projeto. “Sou péssimo para títulos e essa foi a frase mais verdadeira que escutei na vida, a partir daquele momento pensei como seria o título ideal para seguir com o Projeto. Eu senti como se eles tivessem uma ansiedade para o passar do dia e com a chegada do pôr do sol fosse um alivio para sua pele e seus olhos”.

Para os planos futuros, o fotógrafo que participar de editais de apoio e projetos sociais, além de lançar um livro fotógrafo com contos inspirados em depoimentos dos albinos e realizar exposições de fotografias para divulgar ao máximo o trabalho realizado e lutar pela efetivação e garantia de políticas públicas e benefícios para essas pessoas. A ajuda se baseia em doações de protetores solar de fator acima de 50, atendimento de médicos especializados em dermatologia e oftalmologia disponíveis em realizar atendimento gratuitamente.

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“O albinismo infelizmente ainda é uma problemática que não é assistida totalmente pelo governo, os benefícios não são suficientes, não distribuem protetor solar por alegarem que são cosméticos e não medicamentos, o que nos revolta porque para os albinos são considerados medicamentos preventivos”, desabafa Glauber. Para ele, não existe no Brasil uma política pública efetiva que proporcione um bem-estar a essas pessoas que além de sofrerem com os problemas de pele, vem o preconceito, rejeição e discriminação. “Lutar pela efetivação dessas políticas é o meu maior desafio hoje como ativista da causa”, finaliza ele com ar esperançoso e força de vontade.

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