terça-feira, 18 de setembro de 2018

TELINHA QUENTE 327

Roberto Rillo Bíscaro

Antes da ITV lançar a série Mr. Selfridge, em 2013, o fundador da famosa loja londrina andava meio esquecido. A primeira vista, estranho, nesta era que preza, incentiva e acredita tanto no empreendedorismo. Mas, deve ser meio duro explicar como um sujeito tão esperto comercialmente morreu na miséria, depois de expulso pelo conselho diretor da empresa que criou, por torrar dinheiro com mulheres e jogatina.
Supostamente autor da platitude comercial que o freguês sempre tem razão, o norte-americano Harry Gordon Selfridge introduziu conceito revolucionário na Inglaterra eduardiana: ir a uma loja pra passear e, se der vontade, comprar algo que talvez nem soubesse que precisa ou mesmo sem necessitar, porque a disposição das mercadorias se encarregará de despertar essa falsa necessidade. Tão óbvio hoje, isso não acontecia na metropolitana Londres de início do século XX, quando os consumidores iam às lojas pra comprar sabendo o que queriam, sem ter acesso ao estoque. Numa época em que mulher de classe-média pra cima sair sozinha era vulgar, imagine vagar por um estabelecimento comercial. Selfridge democratizou o acesso ao comércio; usou truques publicitários pra chamar freguesia; apoiou causas sociais, desde que percebesse possibilidade de lucro; tratou melhor os funcionários (desde que não ameaçassem casar com seu filho, claro!).
Secrets of Selfridge’s é boa introdução pra acompanhar a série, até porque ambos estão na Netflix.
Desde que você não acredite em tudo e não saia falando que viu uma série que conta a vida do cara que fundou aquela loja famosa em Londres - não a Harod’s, a outra -, os 40 capítulos das 4 temporadas de Mr. Selfridge (2013-16) são totalmente maratonáveis pra galera que ama série “de época”.
Mr. Selfridge é Downton Abbey em loja de departamentos. A diferença é ser menos pretensiosa. A série de Andrew Davies (criador de Bleak House, dentre outras) é novelão descarado e uma coisa há que reconhecer: Downton, também da ITV, não foi regular em padrão de entretenimento; há episódio que dá sono, porque nada de consequente acontece. Em Mr. Selfridge o motorzinho do drama funciona que é uma belezoca; é ação, conflito, drama, fofura em ritmo acelerado. Amo Mr. Crabb; Mr. Grove; Miss Mardle, depois Mrs. Grove; KItty, depois Mrs. Edwards; Lady Loxley, assim como amo Mr. Carson, Mrs. Hughes, O’Brian, Lady Mary, em Downton Abbey.
Pra ficção ficar mais interessante e assistível, não dá pra seguir à risca a biografia dos envolvidos. Tem que ficcionalizar; quer saber a “verdade” (sabe nada inocente!) vai ler biografia ou ver documentário. Então, pra haver mixagem entre classes sociais, o Mr. Selfridge ficcional se mistura bem mais com seu staff, a ponto de conduzir funcionária ao altar, porque ela não tinha família. Na vida real, Mr. Selfridge tinha seu próprio elevador.

Seu fim também é edulcorado pra virar caída em pé, de protagonista exemplar de novela. Não combinaria com o tom prevalente e empreendedor, mostrar um Mr. Selfridge ancião, de roupas gastas, rondando a frente de sua ex-loja, nos anos 1940, então providenciemos um quê de esperança.
Gostei de ter visto o documentário antes e lido na Wikepedia sobre as Dolly Sisters, por exemplo, e comparar com o material da série. Constatei diferenças, atalhos, suavizações e embelezamentos do roteiro, mas curtí a série pelo que é, e não como proposta de biografia. Até porque Mr. Selfridge mesmo não me interessou: seu espalhafato empreendedor otimista me fazia amar ainda mais a reserva britânica de Mr. Edwards e George Towler. Mr. Selfridge é um mal necessário em Mr. Selfridge: se pra eu ver as caras de espanto de Mr. Crabb era mister acompanhar as peripécias de seu chefe, que fosse.
Embora o tempo não passe pra quase  nenhuma personagem – acho que a única a envelhecer perceptivelmente é Mae; e não conto as crianças, porque daí seria inverossímil demais – a produção é opulenta e os detalhes e roupas enchem os olhos. Mr. Selfridge é escapismo sem vergonha de sê-lo.

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