quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

LIBERTAS QUAE SERA TAMEN


Estou prestes a sair em férias, então, a quantidade de filmes assistidos será menor, se não nula! Não queria deixar de comentar sobre 2 filmes que vi esta semana, porém.

Hanami (tradução literal “observar as flores”) é um festival japonês que marca o início da primavera, ou seja, é uma celebração da vida, após o rigoroso inverno do hemisfério norte. No evento, as famílias vão a parques observar as cerejeiras, árvores-símbolo do país.

Kirschblüten – Hanami (2008) é o nome do sensível longa da diretora alemã Doris Dörrie. Na primeira cena somos informados de que Rudi, marido de Trudi, tem uma doença terminal. A esposa decide não contar a ninguém, nem mesmo ao esposo, o qual ama profundamente, apesar de ter desistido de alguns projetos de juventude por ele. Rudi é um burocrata a um ano da aposentadoria e que não gosta de experiências novas, vive pro trabalho e pra esposa, residindo numa aldeia. Ambos vivem um pro outro; note que Rudi está contido em Trudi e Trudi parcialmente em Rudi.

Trudi convence o marido a visitar os filhos em Berlin, mas a estadia com eles resulta em fracasso. Absortos em seus próprios mundos, os jovens não têm tempo pros pais, os quais consideram um estorvo, além de ressentirem-se por acharem que são preteridos em detrimento de Karl, que vive em Tóquio. A única que presta alguma atenção aos sexagenários é a namorada da filha. O casal conclui que, no final das contas, não conhece os próprios filhos.

Durante a visita aos filhos acontece virada que tira o filme do trajeto de tantas outras produções protagonizadas por pessoas terminalmente doentes. Trudi morre enquanto dorme, e com ela o segredo da doença do esposo. A partir daí, assistimos a uma tocante jornada em busca da recuperação de antigos sonhos postos de lado devido às contingências da vida cotidiana e à falta de atenção e cuidado para com os desejos, anseios e necessidades do outro. Rudi vai ao Japão visitar o filho, e, perante sua frieza e hostilidade começa a passear só pelas ruas de Tóquio onde se aproxima duma artista de rua. É neste percurso que Rudi adquire o T que falta pra se tornar Trudi... Os filhos continuarão pra sempre sem entenderem os pais porque interpretam os sinais deixados por ele erroneamente, o legado de Rudi eTrudi se consubstancia pra nós de fora, não pros filhos, do mesmo modo que no filme recebem mais atenção dos de fora do que dos de dentro da famíla.

Kirschblüten – Hanami é tecnicamente caprichado: a parte passada na modorrenta aldeia alemã é lenta, com estilo mais convencional de um tipo de cinema europeu. O ritmo se acelera um pouco em Berlin e ganha tons algo documentais, com direito a câmera dando uma ou outra balançada no turbilhão incandescido por neon que é Tóquio. Por vezes, a câmera reproduz mesmo o olhar do turista de cidade pequena, perdido e encantado em meio à tanta gente, numa cultura cuja língua e os caminhos desconhece.

O outro filme, em princípio, parece não ter nada a ver com a produção alemã. Trata-se do anglo-irlandês, The Escapist (2008), ambientada quase exclusivamente dentro de uma prisão, mundo claustrofóbico, onde vemos luz solar apenas por breves segundos.

Confesso que a motivação preu ver esse filme foi o ator Brian Cox (o Hannibal Lecter original...). Há alguns anos vi L.I.E. (2001), no qual o ator escocês criou uma personagem pedófila bastante nuançada e desde então virei fã. O título também me intrigou um bocadinho: a película é sobre uma fuga da cadeia, porque então, uma palavra que deriva de “escapism”, que é fuga da realidade através da imaginação etc? Por que não um título como “The Runaway”, “The Escapee” ou algo do gênero?

The Escapist começa nos mostrando a fuga, ou seja, o suposto desfecho. Isso significa que queriam que eu prestasse atenção ao processo de elaboração da escapada. O filme se desenrola em 2 tempos que correm simultaneamente; ora vemos cenas da fuga, ora assistimos aos fatos que levaram a ela, os preparativos, conchavos e fricções entre os detentos. Cada um dos pedaços aclara o outro, fornecendo-nos partes faltantes do quebra-cabeça, que é o que cria interesse pra ver como as pecinhas do dominó dramático caem no filme (literalmente). Destaque pra edição e montagem, que mantém suspense e agilidade á trama.

Entretanto, The Escapist não nos oferece explicação pra tudo. Sabemos que Frank (Cox) está na cadeia há anos, mas não sabemos porquê. Somos apenas informados que quer fugir pra tentar salvar a filha que quase morreu pela segunda vez devido a uma overdose de heroína. A ênfase da narrativa é na fuga, lembram-se? E o mérito dos atores é tornar essas personagens sobre as quais pouco sabemos, críveis e dignas de que nos importemos com elas. Liderados por Cox – em atuação impecável – o elenco dá conta do recado. Nota: o filme conta com o músico brasileiro Seu Jorge, interpretando Viv Batista, um traficante. Quem assistiu ao brasileiro Casa de Areia (2005) deve se lembrar dele no elenco.

O final-surpresa justifica a escolha pelo título The Escapist e liga o filme irlandês ao alemão, de início tão díspares. Os 2 apresentam falsas aparências: Kirschblüten – Hanami na figura dos filhos, que entendem distorcida e sordidamente os momentos finais de seu pai; The Escapist que nos coloca como aparência uma parte da própria narrativa fílmica. Talvez mais do que isso, porém, ambos mostram personagens que conquistam sua liberdade já na velhice, após viverem vidas trancafiadas, seja numa prisão, seja na rotina cinzenta dum escritório.

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