terça-feira, 5 de janeiro de 2010

EM PAZ COM O CINE NACIONAL

Roberto Rillo Bíscaro

Fico penalizado quando me deparo com pessoas que, mesmo tendo oportunidades, pouco ou nada conhecem de seu próprio cinema. Conheci não-norte-americanos que jamais haviam assistido a um único filme de seus países e acabei eu, dando dicas de películas pra verem!

No Brasil há pessoas que não ficam atrás. Apenas vêem filmes nacionais chancelados por órgãos midiáticos internacionais, o que aliás, é algo que não me entra na cachola! Esperar aval de fora pra me falar o que ver do meu próprio país? É ruim eu fazer isso, heim?

Embora com menos freqüência do que desejaria, vez ou outra algum filme brasuca estoura, como o Se Eu Fosse Você, comédia dirigida pelo Daniel Filho e estrelada por Tony Ramos e Glória Pires.

Tento ser o mais aberto possível, vendo películas de variados países. Basta ver os arquivos do blog ou minha lista de melhores do ano, da qual consta o brasileiro Divã, inclusive. São nossos atores, roteiristas, diretores e técnicos; não consigo encontrar motivo plausível pra não prestigiá-los. Afinal, vivo, trabalho, como e pago impostos aqui! Calma, não virei nacionalista xenófobo! De novo, recomendo a leitura dos arquivos de cine, TV e música do blog. Prefiro crer que sou global; se tiver algo no Butão que me interesse e eu tenha acesso, tentarei ver/ouvir.

Domingo à noite, vi um filme brasileiro do qual gostei deveras: Tempos de Paz (2009). Dirigido por Daniel Filho e estrelado por uma dupla ótima, Tony Ramos e Dan Stulbach. O filme é uma adaptação da peça Novas Diretrizes em Tempo de Paz, de Bosco Brasil. A filiação do roteiro empresta forte tom de teatro filmado a Tempos de Paz. No teatro, as personagens foram interpretadas pelo mesmo par central, resultando que os atores entendiam muito bem quem estavam representando. Também não se poderá acusar Daniel Filho de fazer “TV na telona”. Aliás, adorei o fato de Daniel ter se dedicado a esse projeto mais intimista, mais “autoral” como os críticos especializados gostam de dizer. Ele poderia tranquilamente se dedicar a outro projeto mais rentável, depois do sucesso dos 2 Se Eu Fosse Você...

O filme é o duelo das personagens de Ramos e Stulbach. O último interpreta um imigrante polonês recém-chegado ao Rio de Janeiro, fugido da Europa devastada pela Segunda Guerra. No guichê da imigração, o homem, que se diz agricultor, demonstra ser culto demais, afirmando que havia aprendido português sozinho e recitando Drummond. Isso desperta suspeitas do funcionário que imagina que o estrangeiro possa ser um nazista tentando entrar no país. Assim, o imigrante é levado aos porões do porto pra ser interrogado pelo chefe do serviço, interpretado por Tony Ramos, o oposto do polaco em termos de educação formal. A disparidade das personagens é o motor que dá o arranque ao conflito, típico de UM determinado tipo de teatro.

Incrédulo diante das respostas do polonês, o chefe Segismundo desafia-o: se o estrangeiro o fizer chorar no prazo de 10 minutos, ganhará salvo-conduto pra permanecer no Brasil, caso contrário, será sumariamente deportado. Em meio às histórias dramáticas da guerra, aprendemos que Segismundo (Tony Ramos) fora torturador nos porões da ditadura de Getúlio Vargas, mas tornara-se “obsoleto” em tempos de paz, quando o Brasil decidira enviar tropas pra combater em solo europeu contra os fascistas (com os quais o governo do “Pai dos Pobres” flertara, é bom lembrar).

Desse modo, o porão em que se passa a maior parte do filme é metáfora das sórdidas câmaras de tortura, que não acontecia apenas na Europa, mas também no Brasil, terra dos homens “cordiais”...

Ao final, ambas as personagens aprendem valiosas lições a respeito de falsas aparências e idealizações, e, sobretudo, da função da arte, “se é que tem alguma”, nas palavras do refugiado.

Tempos de Paz tem boas atuações, navega por diversos temas além dos aqui citados, direção segura de Daniel Filho (que também atua numa sub-trama) apresenta qualidade técnica e um comovente clímax de Stulbach.

Por que não prestigiar um produto assim?

(Veja o trailer.)

Um comentário:

  1. atualmente que o daniel se entregou ao cinemão, apesar de tempos de paz ser a exceção...mas ele já fez muita coisa boa na tv e posso dizer que pra mim ele não precisa provar mais nda. deixo-o livre para fazer o cinemão dele...

    mas pena q ele abandonou o projeto de filme de roque e santeiro, que contaria com a minha querida fernanda torres e lazaro ramos nos papeis principais...mas que outro assuma ué, bando de cineastas preguiçosos

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