terça-feira, 11 de julho de 2017

TELINHA QUENTE 267

Resultado de imagem para the three wallanders
Roberto Rillo Bíscaro

A quantidade de resenhas sobre livros, álbuns e séries britânicos denuncia minha anglofilia. Confio na produção das plagas de Santa Lady Di. Tanto que vi primeiro a adaptação inglesa da sueca Wallander, do que as originais.
Kurt Wallander é atormentado detetive, criado pelo romancista Henning Mankell. Entre 2008 e 2016, 12 livros foram adaptados pra BBC. Como essa versão das releituras está no catálogo da Netflix brasileira, ficou mais fácil ver antes.
Embora anglófilo, receei e enrolei pra começar. Desde a pavorosamente histriônica adaptação de Frankenstein, em 1994, meus ouvidos ainda zumbem pela gritaria de Kenneth Branagh e Robert De Niro. Como lera sobre a introspecção melancólica, mas não desprovida de humor, do policial escandinavo, temia que o ex-de Emma Thompson o tivesse transformado num bufão berreiro declamando “to bes or not to bes” até pra cabeça empalhada de rena. Felizmente a maturidade aparou a verve hiperativa do ator. Seu Wallander é depressivamente quieto, contido, tropeça nas palavras nos momentos em que está mais perdido e tem história realmente triste. Ponto pra ele; os 90 minutos de cada episódio valem pela sua interpretação e pela cinematografia mais Nordic Noir do que os produzidos na Escandinávia.
Mesmo fluoxetinicamente contido, não há que se olvidar de que Wallander é veículo pra Branagh. Isso faz diferença, porque no fundo da pálida maquiagem de Ingmar Bergman, o Kurt Wallander inglês é meio Inspector Morse e não pode negar a semelhança com a aparentemente rasa Jessica Fletcher: é sempre um detalhe associativo que o faz ter a epifania pra catar o criminoso. Não há trabalho em equipe, tudo depende dum indivíduo genial, afinal, estamos na terra de Agatha Christie. Exceto por uma pobremente roteirizada filha, ninguém tem individualidade em Wallander. Tudo – personagens e tramas – serve pra realçar Kurt, que é complexo, mas não exageremos, porque não é pra tanto.
Filmado em locações como Suécia e Estônia, o Wallander britânico é bem esquisito, porque as tramas se passam na pequena Ystad, perto de Malmö (ai, quero Saga Norén!), mas como o elenco e a equipe técnica são britânicos, tudo é falado em inglês. Daí, todo mundo pronuncia “errado” os nomes de gente e locais suecos, a começar do próprio detetive, porque a letra w em sueco e inglês tem sonoridades distintas. Não entendi porque não transpuseram os casos pro norte inglês, por exemplo, se queriam cenários frios. Poderiam ter transformado Wallander em Celtic Noir.
Não ficou ruim e é todo mundo branquelo igual escandinavo, mas logo no primeiro episódio um programa de fundo na TV traz entrevista falando sobre o assassinato do primeiro-ministro sueco, nos anos 80, no meio duma rua em Estocolmo, como sendo espécie de ritual de perda da inocência duma nação até então percebida como paraíso de paz, igualdade social e liberdade sexual. Bem nos termos de documentário explicando Nordic Noir mesmo. Fica artificial, mas não estraga.
Com tanto autor policial nas ilhas, vai entender porque os britânicos escolheram refilmar romance sueco; se eu fosse novelista policial de lá, reclamaria nos jornais. Mas, vale ver. Afinal, não é problema nosso no Brasil.

Como estou no blog não preciso fingir tanta imparcialidade crítica, por isso este é meu espaço predileto de expressão. Exponho isso, porque talvez não devesse dizer qual meu preferido Wallander, depois que vi os 32 episódios da versão sueca, exibidos entre 2005 e 2013. A filmagem inglesa é da mesma produtora, os suecos elogiaram-na e acabei de fazê-lo também. Talvez devesse apontar similitudes e distinções e pronto; como crítico isentão, “da escola sem partido”. Mas, gente, a série sueca é tãããão melhor, mas tããããão mais arrasante e hipnótica, que mando às favas qualquer camada fina de verniz criticamente correto.
Embora com sutis diferenças em tom e backgrounds pessoais, a grande tônica das 3 temporadas faladas em sueco é a ênfase no trabalho em grupo dos detetives, como em suas compatriotas IreneHuss ou Arne Dahl (ou seriam essas 2 séries como Wallander?). Wallander é o centro, porque é o inspetor, mas os demais policiais fazem bem seu trabalho, contribuem com pistas e somos capazes de lembrar-lhes os nomes, porque têm individualidade e não são apenas escada pra genialidade de Kurt. Nyberg, Martinsson, Pontus, Svartman (sacanagem ele não ter nada pra fazer na 3ª temporada!), Ebba. Escrevo os nomes sem consultar lista de personagens no IMDB; recordo-me, porque foram reais e importantes pra mim durante a jornada.
Claro que o catalisador é Kurt Wallander, afinal, seu sobrenome nomeia a série. Mas, centralizar o interesse num roteiro que também dá oportunidade a outras personagens pode ser perigoso. Krister Henriksson ganharia estátua em Estocolmo se este fosse um planeta justo. Com todos os problemas, características e faltas do Wallander inglês, o sueco transmite o cansaço, a depressão e ocasional desencanto sem a necessidade de criar persona clinicamente depressiva até pra olhos leigos. E não muito infrequentemente, há até pontadas de humor; apesar dos pavorosos casos, a vida não é apenas um fiorde de lágrimas. A sutileza hipnótica da entonação de Henriksson faz a interpretação de Branagh parecer histrionismo negativo. É como se ao invés de forçar na gritaria, o britânico exagerou pra menos, criando a mesma overdose, mas sussurrada.
E olha que Henriksson e os produtores tiveram motivo trágico pra lacrimejar a interpretação do inspetor. Se você vir as 3 temporadas, notará que a filha de Wallander, Linda, não aparece na segunda e quando retorna, pra terceira, a atriz é outra. Isso, porque a belíssima Johanna Sällström suicidou-se em 2007, afetando de verdade a todos, inclusive a Henning Mankel, que parou de escrever a pretendida trilogia de livros sobre a filha do inspetor, por luto a Sallström, cuja própria filha se suicidaria também, aos 12 anos, em 2014.
O Wallander sueco é fã de ópera e tem até cão chamado Jussi, em homenagem ao Caruso Sueco, Jussi Björling. Isso a versão inglesa não poderia ter mantido e com razão: a cultura de massa britânica já tem seu inspetor fanático por ópera, Endeavour Morse. Ainda mais tendo escolhido tornar Wallander o resolvedor-solo dos mistérios, a produção deixaria o flanco desnecessariamente exposto a críticas.
Em um dos episódios finais, Kurt diz que espera não ser esquecido. De minha parte, fiquem sossegados, ambos, Kurt e Krister, porque vocês são inolvidáveis.

O amor das telinhas suecas por Wallander, no entanto, remonta à última década do século passado. Antes da versão interpretada por Krister Henriksson, a STV filmara 9 aventuras do inspetor, entre 1994 e 2007. As durações variam de cerca de hora e meia a 4 horas, isto é, algumas adaptações foram filmes, outras minisséries.
Nessas versões, Wallander é interpretado pelo grandalhão Rolf Lassgård. Ainda hipnotizado por Henriksson, custou-me tempinho pra aceitar o loirudo Rolf, mas não demorou pra que ele dividisse meu coração. Não teve jeito; Wallander é sueco e interpretado por ator daquele país, Brannagh que faça Shakespeare. Lassgård também criou uma personagem que apesar das coisas horrendas que vê e pelas quais passa, consegue sorrir e até transar algumas raras vezes. Autocentrado, péssimo parceiro amoroso, pai ausente (nessas adaptações, Linda quase nem aparece); o policial é lotado de defeitos e faltas, mas não é clinicamente deprimido ou pelo menos não age estereotipadamente assim todo o tempo. Não duvido que nos grupos de discussão dedicados à personagem, fãs dos 3 atores devem duelar mortalmente defendendo seus prediletos. Contenda dura mesmo, porque os 3 estão ótimos, cada um na proposta de seu show, mas acabamos tendo nossos mais queridos. Krister e Rolf, amo vocês.
O finado Henning Mankell era de esquerda e gastava boa parte de seu tempo e dinheiro, desenvolvendo trabalho humanitário na África. Tanto é que seus romances policiais, apesar de lidarem com os usuais sentimentos de traição, inveja e vingança como origens de ódio criminais, possuem substrato social acentuado. Injustiças e discrepâncias econômicas importam muito nas tramas. Em nenhuma das adaptações, isso fica mais evidente do que nas com Lassgård.
Embora Nyberg e Martinsson estejam em todos os filmes – assim como Maja, colega com quem tem caso e treta – estes enfatizam menos o grupo. Tão menos aparecem os colegas, que nem deu pra eu me acostumar com esse Nyberg e esse Martinsson. Mas isso não deve afugentar ninguém – a não ser os incuravelmene viciados em narrativas rápidas de solução instantânea. Wallander cozinha em fogo brando, mas quando tem que dar porrada é cada crime de dar nojo e aflição ou de ficar com dó por horas.
Exercício interessante seria comparar as versões suecas com suas congêneres britânicas, que não são refilmagens daquelas, fique claro, são distintas releituras de um livro. Mesmo com isso em mente, não deu como não sentir pena das releituras inglesas pros livros Den 5e kvinnan e Steget efter. Os roteiros são tão mais nuançados e profundos, que cheguei a ironizar com um amigo que as versões de Brannagh pareciam refilmagens norte-americanas de séries europeias. Não dá pra comparar Gracepoint e The Killing, com Broadchurch e Forbrydelsen, né?
Claro que exagerei: maldade de fã. Wallander compensa ver nas 3 versões. Se você só tem Netflix, veja a britânica sem medo, é muito competente. Se você tem acesso às suecas – precisa ler legenda em inglês, pelo menos foi assim que vi – não deixe escapar.
Wallander é de cair o queixo. Provavelmente uma das chaves pra tanta empati é a vulnerabilidade do detetive. Diferentemente dos olímpicos Poirots, Wallander erra feio, esbofeteia criança, tem diabetes, fuma. É gente como a gente. Terei que voltar a Copenhague pra atravessar a ponte pra Malmö e de lá ir à Ystad, cidadezinha onde todas foram gravadas. E dizer hey e bra pra todo mundo!

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