quinta-feira, 6 de julho de 2017

TELONA QUENTE 192

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Roberto Rillo Bíscaro

O registro filmado mais antigo da Islândia é um minidocumentário de 1903. Pequeno, pobre, inabitável na maior parte do território, colonizado pela Dinamarca, o país quase não teria produções cinematográficas até a década de 1980. Houve registro aqui, filminho ali, mas nada contínuo até a criação do Icelandic Film Fund, em 1978. O primeiro resultado dessa iniciativa de patrocínio governamental estreou em janeiro de 1980, atraiu quase a metade da população aos cinemas e marcou a gênese da indústria cinematográfica regular, que desde então só cresceu e deu ao mundo cineastas como Baltasar Kormákur (Evereste, Sobrevivente).
Land og Synir (internacionalmente conhecido como Land And Sons) foi dirigido por Ágúst Guðmundsson, a partir de um romance. Considerado como o nascimento do cine islandês, a fita, de certa forma, também mostra um nascimento, embora esse esteja mais intuído, porque a morte prevalece na narrativa. Trata-se da passagem de uma Islândia rural para uma mais urbanizada. Enquanto suas colegas europeias passaram por esse processo décadas antes, a ilha semigelada só veio a experimentá-lo a partir da Depressão dos anos 1930 e do total desligamento com a Dinamarca, ocorrido em 1944. Espertos os islandeses: enquanto ianques pacificamente ocupavam seu território pra evitar possível tomada nazi, eles cortaram definitivamente os laços com o reino da Dinamarca, então sob jugo alemão. A Islândia tornou-se república e a Dinamarca é que não ia dar uma de besta e pedir a ilha de volta, depois que os islandeses estavam unha e carne de peixe com o Tio Sam, né?
Mas Land og Synir não é sobre isso. O ponto de vista é o de quem está cada vez mais empobrecido no campo, no final de década de 1930. Einar vive com o pai numa fazenda de ovelhas, mas não vê a hora de vazar pra cidade. A cooperativa lhes enganara, doenças diminuíam os rebanhos. Einar percebe que o campo e as tradições antiquadas de séculos já não tinham lugar num mundo de automóveis e transmissões radiofônicas. Quando seu pai adoece, o jovem pensa que a hora de mudar de vida finalmente pode ter chegado.
Cheio das espetaculares paisagens islandesas, tem sabor de “filme de festival”; sabe aquele clima invernal, intimista e melancólico europeu? Mas, é preciso fazer concessões pra assisti-lo, lembrando que a Islândia não tinha experiência na área e a estrutura devia ser precária, apesar do fundo. Interpretações meio declamatórias, às vezes; diálogos algo literários demais; edição meio estranhinha e roteiro que podia explicar melhor certas transições. Nada que comprometa Land Og Synir mortalmente, mas pode incomodar cinéfilos mais “técnicos”.
Por outro lado, há passagens que possuem aura meio irreal, não apenas por conta da paisagem islandesa, mas em certos momentos em que o aspecto de certo tipo de teatro se impõe, como quando irrompe algum canto tradicional (não se assuste quem odeia musical, são segundos apenas). O roteiro mostra vários lados da aparente “simplicidade” do campo: os que insistem na permanência não apenas física, mas da tradição; os que querem ir, mas não têm coragem ou não conseguem; o cidadão que foi pra então metropolitana Dinamarca e volta endinheirado Pena que não haja tempo pra exibir uma personagem que não tenho conseguido isso, porque, nem todo imigrante islandês virou bam bam bam, né? Mas, essa personagem vem pra atiçar a vontade de partir de Einar.  

Mesmo sendo mais indicado pra islandófilos (como eu; quem mais for que se apresente), Land og Synir deveria ser visto por apreciadores de cine europeu mais antigo também. Ou se você é daqueles que ama ver coisas alternativas.  

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